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Uma saída para a crise - Auxílio-moradia - Como resolver

Lamentavelmente, a culpa de tudo isso é do próprio Judiciário, especialmente dos juízes que não souberam desenvolver estratégias políticas corretas, com o objetivo de dar cumprimento à norma constitucional que impõe atualização anual dos vencimentos de todos os servidores públicos. Falo de estratégias legítimas, legais, que fossem facilmente absorvidas pela sociedade.

segunda-feira, 5 de março de 2018

Atualizado em 1 de março de 2018 16:27

O debate sobre o pagamento do auxílio-moradia aos juízes tem se intensificado diuturnamente, especialmente depois que a presidência do STF decidiu pautar o julgamento, dirigido, única e exclusivamente, aos juízes federais, sem a inclusão de outros processos que cuidam de vários penduricalhos pagos a diversas categorias profissionais.

Lamentavelmente, a culpa de tudo isso é do próprio Judiciário, especialmente dos juízes que não souberam desenvolver estratégias políticas corretas, com o objetivo de dar cumprimento à norma constitucional que impõe atualização anual dos vencimentos de todos os servidores públicos. Falo de estratégias legítimas, legais, que fossem facilmente absorvidas pela sociedade.

É que, partir do governo FHC, foi quebrada a tradição, fundada na regra constitucional impositiva que obriga o reajuste anual dos vencimentos de todos os servidores públicos. Em função disso, algumas categorias de servidores têm sido contempladas com aumentos direcionados e outras, como os juízes federais, são sistematicamente afastadas da possiblidade de atualização de vencimentos, pelo simples fato do Congresso Nacional recusar-se a aprová-lo.

É possível supor que os parlamentares assim procedem porque alguns dos seus representantes julgam-se "perseguidos", só pelo fato de responderem a processos criminais. O auxílio-moradia foi uma saída equivocada que se encontrou para minorar as perdas inflacionárias, que já somam 40%.

Seria muito mais razoável que a AJUFE e outras associações da classe dos servidores públicos estudassem a possibilidade de propor uma ADPF ou um mandado de injunção para obrigar o governo cumprir a Constituição Federal, no que concerne ao dever de reajustar anualmente o vencimento de todo servidor, não só da Magistratura.

Para demonstrar, no que diz respeito aos juízes, que não estão apenas em busca de privilégios, nada impediria requerer que o STF definisse o percentual de aumento, sempre considerado o menor índice oficial de inflação e ainda determinar que a atualização seria sempre limitada ao incremento da receita tributária. Vale dizer, se a receita tivesse tido um aumento de 5% e a inflação tivesse sido de 4%, o reajuste ficaria limitado a 4%. Se a inflação tivesse sido 4% e a receita tivesse um incremento apenas de 2%, o aumento dos vencimentos não poderia passar de 2%.

De outra banda, se não houvesse incremento da receita tributária, como acontece nos anos de recessão e como aconteceu recentemente, o servidor ficaria sem reajuste. Participaria assim, o servidor, dos sacrifícios que toda a sociedade sofre nos períodos de depressão econômica, dando a sua parcela de contribuição.

Com isso, restaria demonstrada a responsabilidade fiscal dos servidores, juízes e do próprio STF. O pedido seria para que o STF determinasse que o governo cumprisse a Constituição com essas observações, com essas limitações, até que o governo enviasse um projeto de lei fixando os reajustes. Na mesma linha, o STF mandaria o projeto de lei dele, válido para toda a Magistratura.

Sei que o STF, lá atrás, foi refratário a mandados de injunção, mas a situação mudou, a composição mudou e a crise atinge a todos. O poder Judiciário, que estava fora da crise e estava funcionando excepcionalmente como um poder moderador, praticamente pediu para entrar na crise política e dela não está sabendo como sair.

Os integrantes do Poder Judiciário estão completamente perdidos. No desespero, alguns juízes tentam defender o auxílio-moradia que, pela lógica do nome, não entra na cabeça de ninguém que isso seja legítimo da forma como foi concedida, incondicional e criando, na prática, uma cultura de desobediência como algo natural a outro preceito constitucional que determina os mesmos vencimentos para os servidores ativos e inativos.

Não se deu conta que está sendo criando um monstro, do qual os que ainda não são vítimas, um dia serão. Quando cada um dos beneficiários desse auxílio vai para a imprensa defender o seu pagamento, é como se tivesse dizendo: por que a crise "política só existe nos poderes executivo e legislativo? Pelo princípio da isonomia, eu também quero participar". É isso que está acontecendo.

Em uma ação desse tipo, especialmente proposta pela AJUFE, poderia ser requerida a concessão de uma liminar, para que, uma vez reajustado os vencimentos dos juízes, fossem revogados os penduricalhos, voltando os seus subsídios a serem pagos em parcela única, porém atualizada, como determina o texto constitucional.

Seria uma ação razoável, com base no princípio da moralidade e da responsabilidade fiscal. De tão razoável, haveria espaço para que opinião pública entendesse a legitimidade do pleito. Até o momento, esta seria uma saída politicamente correta - valendo-me desse termo desgastado - para resolver todo esse imbróglio.

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*Ricardo César Mandarino Barretto é advogado, juiz federal emérito e ex-integrante do CNMP.




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