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A (in)eficiência da resolução normativa ANS 351, de 16 de junho de 2014

Dentre os excessos cometidos pela ANS, destaca-se a exigência de apresentar, conforme determina o art. 2º, inciso II, em relação ao débito, informação específica acerca do valor original; data de vencimento; valor da multa moratória, quando devida; valor dos juros de mora, quando devidos; e valor do encargo legal, quando devido.

quarta-feira, 14 de março de 2018

Atualizado em 13 de março de 2018 13:18

A edição da resolução normativa 351/14, que definiu critérios para a suspensão da exigibilidade dos créditos da ANS pelo depósito judicial de seu montante integral diretamente comunicado pela operadora de planos de saúde depositante, causou grande expectativa no mercado.

Isto porque a possibilidade de comunicação diretamente à pessoa responsável pela cobrança aparentava atender a um dos principais princípios da Administração Pública: o princípio da eficiência.

A cobrança de determinada quantia pelo credor, em certas oportunidades, recebe algumas resistências do devedor, por não concordar com eventuais valores cobrados, ou a metodologia do cálculo. Estas divergências aumentam, sobremaneira, quando a cobrança se refere a multas aplicadas por agências reguladoras ou taxas relacionadas a registro de produtos, como é o caso das operadoras com a ANS.

O credor é detentor do direito de receber, enquanto que cabe ao devedor a obrigação de pagar, desde que respeitado o valor correto da dívida. Entretanto, o pagamento da dívida não se trata de apenas um dever, mas também de um direito, eis que a mora causa prejuízos à figura do devedor, seja pela cobrança dos encargos legais e contratuais, seja pela inscrição nos cadastros de maus pagadores (CADIN, para as dívidas com o setor público federal, por exemplo).

As dívidas regularmente inscritas gozam de presunção relativa de certeza e liquidez, o que significa dizer que esta presunção pode ser ilidida, desde que o devedor ou terceiro, a quem se aproveite, apresente prova inequívoca da irregularidade da cobrança (parágrafo único, do art. 3º, da lei 6.830/80). A regra prevista na lei respeita o princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição da República, o qual determina que a lei não excluirá de apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Neste sentido, conclui-se ser direito do devedor a discussão judicial acerca do correto montante do débito (e até a existência desta dívida). Porém, a demora pela resposta jurisdicional se mostra extremamente prejudicial para a figura do devedor, que continua sofrendo com os atos regulares de cobrança, enquanto não há uma resposta final do Poder Judiciário.

A resposta final do Poder Judiciário dura, em média, 6 (seis) anos, de acordo com a base de dados apresentada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pelo relatório "Justiça em Números 2017". Essa demora pode ser explicada pela grande quantidade de execuções ajuizadas pelo Poder Público em face de entes privados, o que resulta no sufocamento do Poder Judiciário, que não consegue dar resposta para a grande quantidade de casos a ele apresentados.

À título ilustrativo, no Brasil, em 2012, as execuções fiscais representaram 40% de todo o acervo de julgamento da justiça, enquanto que os ajuizamentos significaram apenas 13% no mesmo período. Assim, o relatório Justiça em Números concluiu que "a principal dificuldade da execução fiscal consiste na liquidação do estoque que cresce ano após ano''.

Este mesmo estudo também concluiu que apenas 10% das execuções fiscais foram efetivamente resolvidas, naquele ano, em função da taxa de congestionamento do Judiciário. Por fim, a morosidade do Judiciário também foi observada pela quantidade de sentenças proferidas: apenas em 8% das execuções em trâmite.

De tal modo, visando suspender a exigibilidade do crédito, uma solução encontrada pela jurisprudência, nos casos das execuções fiscais de créditos não tributários, foi a de aplicar, por analogia, o art. 151, do Código Tributário Nacional, CTN, em razão da lacuna de lei específica.

Dentre as possibilidades apresentadas no artigo, o depósito integral é uma das modalidades aceitas para que seja deferida a suspensão. Logo, o devedor tem o direito de discutir, judicialmente, os créditos cobrados pela Administração Pública, estando resguardado contra os atos de cobrança, até uma decisão final do Poder Judiciário.

Todavia, como restou destacado, a grande quantidade de demandas relacionadas a execuções fiscais acabou tornando o sistema engessado e lento, o que se mostra prejudicial ao executado, que precisa que a suspensão da exigibilidade do débito se materialize o quanto antes, em razão da certidão negativa de débitos ser uma costumeira exigência em relações comerciais e até para a prestação de serviços ao Poder Público.

Assim, a edição da resolução normativa 351, em 16 de junho de 2014, pela ANS, foi bem recebida pelo mercado, que acreditava ter sido disponibilizada uma excelente ferramenta para dar mais celeridade na comunicação ao exequente, acerca da existência de depósito judicial do montante integral da dívida, fazendo cumprir o art. 151, do CTN.

Entretanto, a expectativa do mercado se transformou em decepção, no momento da publicação da RN, quando se obteve acesso ao seu teor. De início, a parte do normativo que define os critérios em análise possui 9 artigos, divididos em diversos incisos e parágrafos, o que significa, a uma primeira impressão, um duro golpe contra a celeridade e efetividade buscada e, por outro lado, na manutenção da burocracia estatal.

A verificação acerca do montante integral da dívida é uma obrigação do exequente. Apenas após o reconhecimento da satisfação do depósito é quando poderá ocorrer a suspensão da exigibilidade do débito. Desta forma, a possibilidade de comunicação diretamente à ANS seria um simples ato de apresentar os dados da operadora devedora e o número da dívida, além da peça exordial e do número do processo judicial, acompanhado do comprovante de depósito, com autenticação mecânica do banco.

Ou seja, informações que possibilitassem à agência localizar o débito e tomar as medidas administrativas necessárias a suspender os atos regulares de cobrança.

Entretanto, a resolução apresenta uma série de exigências, que ultrapassa a regra disposta no art. 151, do CTN.

Importante destacar que a regra não é aplicável (por razões óbvias) ao Poder Judiciário e à PGF (artigo 9º). Deste modo, qual a razão para tamanha burocracia?!

Dentre os excessos cometidos pela ANS, destaca-se a exigência de apresentar, conforme determina o art. 2º, inciso II, em relação ao débito, informação específica acerca do valor original; data de vencimento; valor da multa moratória, quando devida; valor dos juros de mora, quando devidos; e valor do encargo legal, quando devido.

Se o reconhecimento da integralidade do depósito depende da exequente, qual a razão para esta exigir que sejam desmembradas as informações sobre o débito? A própria RN, no artigo 6º, dispõe que a suspensão da exigibilidade do débito depende de prévio reconhecimento da integralidade do depósito judicial.

Assim, basta que a ANS realize o cálculo atualizado da dívida e identifique se o mesmo corresponde ao valor depositado. Exigir o desmembramento do cálculo e extrato atualizado de conta judicial aparentam ser formas de retirar a atratividade da comunicação regulamentada.

Noutras palavras, a celeridade que se buscava, evitando a dependência do moroso sistema do Poder Judiciário, parece não ter sido alcançado, em razão da burocracia criada para a comunicação do depósito judicial, que não permite uma forma mais ligeira de obtenção da suspensão da exigibilidade do débito, apesar de ainda ser útil, a depender do juízo no qual a demanda foi distribuída.

Por fim, reitera-se que a simplificação da comunicação deve ser buscada para trazer maior atratividade, visando imprimir celeridade no reconhecimento da integralidade e consequente suspensão da exigibilidade do crédito pela autarquia credora, possibilitando a regular discussão judicial acerca de débitos entendidos como incorretos, com a garantia ao credor de que o valor já se encontra à disposição do Poder Judiciário, que o converterá em renda, em favor do credor, após o julgamento final da demanda.

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*Luiz Felipe Conde é advogado e mestre em Saúde Suplementar pela FIOCRUZ.

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