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Análise da lei Azeredo: necessidade de criação de delegacias e setores especializados na repreensão aos crimes informáticos

Diante do exposto, deve-se fazer uma releitura da lei Azeredo para tornar o trabalho especializado dessas delegacias e setores adstritos apenas aos crimes próprios e de maior complexidade.

quarta-feira, 11 de abril de 2018

Atualizado em 9 de abril de 2018 08:00

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, os órgãos de polícia judiciária têm buscado se especializar frente ao crescimento exponencial dos crimes praticados no Brasil. Nesse contexto, insere-se a criação de delegacias especializadas de Proteção à Mulher; Criança e Adolescente; Roubo a Bancos, Investigação e Proteção à Pessoa; Crimes Contra a Administração Pública, dentre outros.

MAGUIRE e WELLS(2009) definem unidades policiais especializadas como "a divisão de trabalho em tarefas bem definidas através de unidades organizacionais funcionalmente distintas".

É certo que esse aperfeiçoamento tem resultado numa maior efetividade na individualização de autoria e materialidade delitiva. A rotina das delegacias de polícia impossibilita ao policial responsável pela ocorrência dar a devida atenção a algumas demandas específicas, frente à variedade de infrações que chegam ao seu conhecimento. A especialização de tarefas na investigação de determinada modalidade criminosa possui, por vezes, maiores condições técnicas na solução do caso em andamento.

Nessa perspectiva, foi sancionada a lei 12.735/12, determinando aos órgãos de polícia judiciária a "criação de setores e equipes especializadas no combate à ação delituosa em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado".

1. ANÁLISE DA LEI 12.735/12 E DESNECESSIDADE DE CRIAÇÃO DE SETORES ESPECIALIZADOS

Os avanços tecnológicos, muito embora sejam utilizados com os mais diversos propósitos lícitos, têm sido cenário propício à a prática de crimes em razão de diversos fatores: maior alcance de vítimas e lucratividade, anonimato, impunidade, dentre outros.

Nesse enquadramento, criminosos conectados à Internet, lançam mão das ferramentas ali expostas para cometer crimes contra a vida, patrimônio, administração pública e assim por diante.

As unidades especiais, por vezes, servem como estratégia para minimizar as críticas pela baixa resolução dos delitos e pelo aumento exponencial da criminalidade no espaço cibernético. Tencionando coibir a prática dos crimes informáticos, foi sancionada, no ano de 2012, a lei 12.735, popularmente conhecida como Lei Azeredo. Oriunda do projeto de lei da Câmara dos Deputados de nº 84 de 1999, a proposição visava à inclusão de diversas tipificações no Código Penal, que não foram aprovadas; entretanto, a expertise da polícia judiciária foi incluída após substitutivo oriundo do Senado Federal. Tramitando por longos treze anos e após diversas modificações, submeteu-se o aludido projeto de lei à sanção presidencial.

Em que pese já constar alguns anos do sancionamento deste diploma normativo, poucos Estados criaram, desde então, delegacias ou setores especializados na repressão aos crimes informáticos. Grande parte das unidades federativas não possui expertise nessa seara ou, quando a detêm, são desprovidas de estruturas físicas e de pessoal capacitado.

De mais a mais, a criação de delegacias de repressão aos crimes informáticos gera aumento considerável das ocorrências em um só lugar, eis que o simples fato do criminoso utilizar uma rede social poderia levar o policial responsável pelo atendimento da ocorrência a fazer seu direcionamento à unidade especializada sem sequer tomar conhecimento do fato por completo.

CONCLUSÃO

Não obstante a criação de delegacias especializadas contribuírem, de forma significativa, na resolução de fatos de difícil elucidação, como homicídios ou ataques a instituições financeiras, a seara dos crimes informáticos é bastante distinta, não dependendo, pois, de apenas um setor com expertise, e sim da polícia como um todo, com capacidade de buscar e materializar a evidência eletrônica.

Na era dos avanços tecnológicos, ultrapassamos mais de 116 milhões de usuários conectados à Internet , ambiente propício para atuação dos criminosos. Para tanto, deve o policial estar qualificado de forma contínua, a fim de poder atuar num ambiente investigativo em que as evidências eletrônicas são identificadas, preservadas e coletadas eficazmente na individualização da autoria e materialidade delitiva.

Diante do exposto, deve-se fazer uma releitura da lei Azeredo para tornar o trabalho especializado dessas delegacias e setores adstritos apenas aos crimes próprios e de maior complexidade (ransomware, defacement, ataque de negação de serviço, invasão de dispositivo informático e de outros crimes que necessitem de expertise para atribuição de autoria), restringindo-se as demais ocorrências ao atendimento da circunscrição correspondente.

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1 BARRETO, Alesandro Gonçalves. BRASIL, Beatriz Silveira. Manual de Investigação Cibernética à Luz do Marco Civil da Internet. Rio de Janeiro: Ed. Brasport, 2016.

2 ______. WENDT, Emerson. CASELLI, Guilherme. Investigação Digital em Fontes Abertas. BRASPORT Editora. Rio de Janeiro. 2017.

3 ______. Fake News e criminalização da divulgação: seria esse o caminho? Disponível em: < Clique aqui >. Acesso em: 30 mar. 2018.

4
BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: < Clique aqui >. Acesso em: 25 mar. 2018.

5 ______. Lei nº 12.735, de 30 de novembro de 2012. Altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, o Decreto-Lei no 1.001, de 21 de outubro de 1969 - Código Penal Militar, e a Lei no 7.716, de 5 de janeiro de 1989, para tipificar condutas realizadas mediante uso de sistema eletrônico, digital ou similares, que sejam praticadas contra sistemas informatizados e similares; e dá outras providências. Disponível em: < Clique aqui >. Acesso em: 30 mar. 2018.

6 ______. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Disponível em: < Clique aqui >. Acesso em: 30 mar. 2018.

7 GLOBO. Brasil tem 116 milhões de pessoas conectadas à internet, diz IBGE. Disponível em: < Clique aqui >. Acesso em: 30 mar. 2018.

8 MAGUIRE, Edward; WELLS, William. IMPLEMENTING COMMUNITY POLICING: Lessons from 12 Agencies. Washington, DC: U.S. Department of Justice. 2009. Disponível em: < https://ric-zai-inc.com/Publications/cops-w0746-pub.pdf>. Acesso em: 30 mar. 2018.

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*Alesandro Gonçalves Barreto é delegado da Polícia Civil do Estado do Piauí.

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