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Sob as luzes da ribalta, um rufião

Aquele país da exclusão social onde aprendemos desde pequeninos a Temer os poderosos, onde pobre não deve cogitar em participar do banquete na casa-grande.

terça-feira, 17 de abril de 2018

Atualizado em 12 de abril de 2018 15:08

Na última semana, um milionário, condenado a 11 anos por exploração da prostituição alheia, adornou seu prostíbulo com retratos dos heróis nacionais do momento, nada menos que um juiz e uma ministra do STF.

A postura truculenta desse senhor parece sintetizar o "novo" Brasil ou, numa visão mais otimista, um dos "Brasis" em ebulição. A bem da verdade aquele conhecido vetusto Brasil que estava escondidinho, engatilhado, sempre de prontidão para ser acionado em momentos decisivos da História. Provavelmente o mesmo Brasil da injustiça que acusou Vargas de um crime do qual nunca foram encontradas provas concretas e que o coagiu a cometer o "ato" heroico.

O país da perplexidade histórica que baniu João Goulart, o primeiro presidente que ousou iniciar uma reforma na base da estrutura social brasileira, associando-o, sem provas, à imagem de um presidente golpista e financiado pelo "ouro de Moscou".

A pátria da violação de Direitos Fundamentais que não teve a grandeza de conceder um Habeas Corpus à grávida Olga Benário para livrá-la da execução numa câmara de gás nazista. Esse lugar inumano que impediu Brasília de "ver JK chorar"1 diante de sua grandiosa obra.

Aquele país da exclusão social onde aprendemos desde pequeninos a Temer os poderosos, onde pobre não deve cogitar em participar do banquete na casa-grande. A terra "do gosto de mando violento ou perverso que explodia no homem feito ou no filho bacharel quando no exercício de posição elevada, política ou administração pública; ou no simples e puro gosto de mando, característico de todo brasileiro nascido ou criado em casa-grande de engenho"2 .

Um Brasil dos jeitinhos jurídicos cujas leis jamais valeram de verdade, porque invariavelmente violadas: ora para favorecer os mais fortes, quando "dispensa a lei" para produzir o "Golpe da Maioridade", permitindo, assim, que um menino de 14 anos assumisse o poder central; ora para lesar os mais fracos e a quem a eles se aliasse, quando, sem crime de responsabilidade, derrubaram uma presidente eleita com mais de 54 milhões de votos.

Nação do eterno bode expiatório, da arbitrariedade, onde se condena sem provas, sem contraditório e sem sinceridade, nada diferente do dia a dia das varas criminais país afora, em que três minutos de testemunho de dois policiais são prova robusta para levar ao encarceramento mais um jovem sem instrução3 . Algo parecido com o que acontece nos lares de Pindorama; afinal, se um anel de ouro some, há uma presunção "juris tantum" de que foi a trabalhadora doméstica.

A "República das bananas" onde um general verdadeiramente legalista Henrique Teixeira Lott foi varrido da História, não tendo sequer direito às honras fúnebres compatíveis com sua patente. Estado da hostilidade, dos modernos manipuladores dos fatos e da lógica, em que candidato defende abertamente torturador e é seguido por uma multidão Messiânica. O lugar da violência simbólica e concreta, onde ainda se eliminam gays, negros e mulheres, sejam pessoas do povo ou ocupantes do Parlamento ou da Magistratura. Lar das insuperáveis contradições, onde ator pornô ganha fama defendendo a moral e os bons costumes.

O país anacrônico, onde o pobre, preto, índio, nordestino e analfabeto têm que abaixar a cabeça, entregar seus corpos por algumas moedas, seja num bordel, no canteiro de obras ou na cadeia produtiva de uma grande grife. Uma terra do sarcasmo e da subjugação, onde se regala em chamar operário de pião e onde se ufana em fazer babá usar roupas brancas.

O campo do "Estado de Coisas Inconstitucional", cativeiro do suplício e da expiação que transforma as prisões em ritual necessariamente marcante e infame , em espetáculo de sofrimento em masmorras medievais.

Deste modo, a conduta do histriônico "promoter" em nada nos impressiona porque, longe de ser episódica, é uma janela por meio da qual é possível desvelar a ascensão do Brasil contraditório na prática cotidiana dos nossos "cidadãos de bem", invariavelmente convictos da propriedade das chaves da História.

 

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1.  CHAGAS, Carlos. Brasília não vê JK chorar. O Estado de S. Paulo, 18 jan. 1972.
2.  FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala, 50ª edição. Global Editora. 2005.
3.  Francesco, Wagner. A ilegalidade da prisão baseada no testemunho de policiais. Artigo. Justificando, 2 fev. 2017.

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*Alcir Moreno da Cruz é Auditor.

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