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Colaboração premiada: resenha legislativa e questões controvertidas

Na história contemporânea da legislação brasileira, a colaboração premiada, anteriormente conhecida como delação premiada, surgiu com o advento da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990.

terça-feira, 24 de abril de 2018

Atualizado em 23 de abril de 2018 11:14

Introdução

Se, como reconhece parte da doutrina, o direito premial é um ramo que até bem pouco tempo passava despercebido dos juristas, mormente daqueles dedicados à seara criminal, sendo, inclusive, pouco conhecido, para não dizer ignorado, pela sociedade, hoje tal gênero da despensa jurídica, atento à tensão existente entre a proibição de excesso e a proteção insuficiente, tem, entre suas espécies, a colaboração premiada como a "cereja do bolo".

Portanto, nada mais oportuno do que eleger a "novidade" como objeto de estudo - e veremos que ela não é tão nova assim -, bem como revisitar sua trajetória legislativa e jurisprudencial, a fim de divisar sua operacionalidade, sobretudo no instigante terreno da investigação e da instrução criminal.

Esse é o propósito deste texto, subdividido em duas partes, dedicadas, cada qual, ao histórico da colaboração premiada na legislação brasileira e às reflexões em torno da regulamentação trazida pela lei 12.850/13, a partir da experiência forense, ao cabo das quais se encaminhará a conclusão, tópico em que serão consolidadas as questões centrais que aqui forem abordadas.

  1. Histórico da colaboração premiada na legislação brasileira

Na história contemporânea da legislação brasileira, a colaboração premiada, anteriormente conhecida como delação premiada, surgiu com o advento da lei 8.072, de 25 de julho de 1990.

O referido diploma, conhecido como Lei dos Crimes Hediondos, mencionava a então novidade processual em dois de seus dispositivos: no artigo 7º, que acrescentava o parágrafo 4º ao artigo 159 do Código Penal, para introduzir a possibilidade de delação no tocante ao crime de extorsão mediante sequestro; e no artigo 8º, que tratava de delitos hediondos praticados em quadrilha ou bando.

A disciplina emprestada ao instituto, naquele momento inicial, era singela. Em ambos os casos, tratava-se apenas de crimes cometidos por quadrilha ou bando, e desde que se cuidasse do delito de extorsão mediante sequestro ou de crimes hediondos, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo.

Exigia-se, para a concessão do benefício legal, na primeira hipótese, que as informações prestadas pelo delator levassem à libertação do sequestrado; e, na segunda, que o resultado da colaboração fosse o desmantelamento da quadrilha ou do bando.

Quanto à contraprestação devida a quem fizesse a delação, a legislação previa, exclusivamente, a redução da pena, de um a dois terços.

Nesse estágio embrionário da regulamentação do instituto, não havia, igualmente, qualquer disposição prevendo a forma ou os requisitos para a celebração do acordo entre o investigado/réu e os órgãos responsáveis pela persecução criminal.

Posteriormente, a lei 9.269, de 02 de abril de 1996, modificou de forma pontual a previsão do parágrafo 4º do artigo 159 do Código Penal, substituindo a referência à "quadrilha ou bando" por crime "cometido em concurso".

Claramente, aqui, a intenção do legislador foi expandir a utilização da delação premiada, ao menos no tocante ao crime de extorsão mediante sequestro, para aquelas hipóteses em que o delito tivesse sido praticado por mais de um agente, ainda que não restasse configurada a formação de quadrilha ou bando. Deu-se um passo, portanto, na direção da ampliação da aplicabilidade do instituto.

Em 03 de maio de 1995, sobreveio a lei 9.034, que dispôs sobre "a utilização de meios operacionais para a prevenção e a repressão de ações praticadas por organizações criminosas". Note-se que, no artigo 6º, o legislador restringiu a delação aos crimes praticados em organização criminosa, o que abriu espaço para complexo debate doutrinário e interpretativo, na medida em que, como é cediço, a norma legal não cuidou de definir essa elementar do tipo penal, o que gerou inúmeras críticas à elaboração do referido diploma.

De qualquer modo, acrescentou-se a noção de que a colaboração deveria ser "espontânea", talvez com o intuito de excluir a hipótese ou afastar a possibilidade de que o agente pudesse ser levado à delação contra a sua vontade.

Como se vê, houve um alargamento do objeto das informações que poderiam ser prestadas pelo agente criminoso: enquanto na Lei dos Crimes Hediondos o colaborador deveria fornecer elementos que resultassem, especificamente, na libertação da vítima do sequestro ou no desmantelamento da quadrilha ou do bando, na previsão da lei 9.034/95 exigia-se que o delator apresentasse informações que levassem "ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria", de forma genérica.

Ainda no mesmo ano de 1995, a lei 9.080, de 19 de julho, acrescentou o parágrafo 2º ao artigo 25 da lei 7.492/86 (que define os crimes contra o sistema financeiro nacional) e um parágrafo único ao artigo 16 da lei 8.137/90 (que define crimes contra a ordem tributária e econômica e contra as relações de consumo), ambos com idêntica redação.

A aplicação dos dispositivos, no entanto, restringia-se aos crimes previstos nas respectivas leis, e desde que cometidos em quadrilha ou coautoria.

O texto não falava em delação, mas sim em confissão espontânea. Além disso, pela primeira vez, houve uma alusão mais específica à contraparte do acordo, referindo-se que as informações deveriam ser prestadas à autoridade policial ou judicial. Olvidou-se, como se nota, de incluir o órgão de acusação no rol de sujeitos participantes da composição, o que causa estranheza, já que seria ele o responsável pela persecução dos crimes eventualmente esclarecidos.

Ademais, o objeto da cooperação havia de ser o esclarecimento de "toda a trama delituosa", ou seja, todos os crimes, seus autores e os meios empregados.

Em 03 de março de 1998, foi publicada a lei 9.613, que dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores. No artigo 1º, parágrafo 5º, desse diploma, foi ampliado, de forma inédita, o rol de benefícios que poderiam ser concedidos ao então denominado delator, acrescendo-se à redução de pena também a possibilidade de fixação de regime inicial aberto, a substituição da sanção privativa de liberdade por restritivas de direitos ou até mesmo a não aplicação da reprimenda.

Da mesma forma, acrescentou-se à lista de resultados buscados com a negociação, além da identificação de crimes e de seus autores, a localização de bens, direitos ou valores objeto do delito.

A Lei 9.807, de 13 de julho de 1999 (que, entre outras providências, dispôs sobre a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal), também proveu quanto ao tema em seus artigos 13 e 14.

Percebe-se que, nessa lei, houve uma diferenciação entre o assim denominado delator primário, destinatário de um tratamento mais benéfico, e aquele que não ostentava essa condição. Garantiu-se, ao primeiro, a possibilidade de concessão de perdão judicial, desde que assim fosse recomendado pela análise de sua personalidade, da natureza, das circunstâncias, da gravidade e da repercussão social do crime; ao segundo, no entanto, estava assegurada unicamente a redução de pena, de um a dois terços.

Na primeira década dos anos 2000, a lei 11.343, de 23 de agosto de 2006 (que, entre outras providências, define crimes relacionados ao tráfico ilícito de entorpecentes), em seu artigo 41, deixou de inovar na matéria, em relação ao que já havia constado de legislações anteriores, ou seja, repetiu-se a exigência de identificação de autores do crime ou recuperação total ou parcial do produto do delito, em troca de redução na pena.

Finalmente, a lei 12.683, de 09 de julho de 2012, alterou a redação do parágrafo 5º do artigo 1º da lei 9.613/98. Modificou-se o trecho em que se dizia que a pena "será reduzida" para "poderá ser reduzida", aparentemente com a intenção de afastar a ideia de obrigatoriedade de abrandamento da reprimenda; quanto ao regime, em lugar de possibilitar a fixação do início da pena no aberto, o dispositivo passou a rever a hipótese de cumprimento integral da sanção no regime aberto ou no semiaberto; e, a modo derradeiro, incluiu-se a previsão de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos "a qualquer tempo", ou seja, mesmo após a condenação, caso a colaboração lhe fosse superveniente.

Essas são, em síntese, as disposições legislativas antecedentes à lei 12.850/13, das quais foram extraídas as experiências teóricas e práticas que culminaram na elaboração do mais recente e mais completo texto legal a disciplinar a colaboração premiada, cujos meandros serão melhor examinados na segunda parte desta exposição.

Clique aqui para ler o artigo na íntegra.

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*Victor Luiz dos Santos Laus é desembargador do TRF4ª Região.

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