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Ano de eleições e Política Criminal: precisamos debater sobre a idade penal

Roberta Soliz e Telismar Aparecido da Silva Júnior

A rigor, é irrelevante para esse debate argumentar que os adolescentes sabem o que fazem, como se os combatentes da redução negassem a culpabilidade fática dos jovens.

terça-feira, 22 de maio de 2018

Atualizado às 14:07

É consabido que tramita em nosso Parlamento a PEC 33/121, que visa, sobretudo, reduzir a idade penal para 16 anos, admitindo a possibilidade que adolescentes cumpram penas junto com adultos.

O presente texto tem o escopo de rechaçar alguns argumentos que tem sido veiculados pela mídia sensacionalista, ou mesmo por agentes públicos, sem qualquer base teórica ou histórico-cultural.

Cumpre lembrar que a PEC voltará a ser analisada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado em pleno ano de eleições, sendo imprescindível o debate do caso, para além dos esforços em conter o punitivismo, crescente na sociedade pós-democrática2.

Nesse diapasão, embora pareça obsoleto argumentar sobre a inconstitucionalidade formal da malfadada proposta, uma observação é pertinente: A Constituição Federal, garante que os menores de 18 anos não serão tratados pelo sistema penal como adultos: "Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial." Assim perguntamos: O que é isto, senão uma garantia individual?

Sem intenção de sermos sarcásticos, causa-nos espécie que os defensores da redução argumentem que o aludido artigo 228 não é cláusula pétrea, na tentativa de criar um permissivo à abolição/restrição dessa garantia individual, ao arrepio do que preconiza o artigo 60, § 4°, IV da Constituição Federal.

Isso porque, o argumento é interesseiro e reducionista, data venia às posições contrárias. Ora, ninguém discute, e.g., se a garantia da anterioridade tributária prevista no artigo 150, III, "b" da CF é uma cláusula pétrea, tendo em vista a posição topográfica que ocupa (fora do artigo 5°). Por que ainda vemos articulações nesse sentido?3

De qualquer sorte, por todos os ângulos que se analisa, o punitivismo não se sustenta, senão vejamos a análise dos principais argumentos dos defensores da redução da maioridade penal:

1) Os adolescentes não são responsabilizados pelos seus atos mesmo quando cometem crimes graves e não é razoável defender que eles não sabem o que fazem.

Primeiramente, não se pode confundir impunidade com inimputabilidade: Impunidade é quando não há mecanismos para responsabilizar infratores ou quando o sistema de justiça permite que infratores se furtem às leis. Por sua vez, inimputabilidade significa que os adolescentes responderão como pessoas em desenvolvimento que são e, portanto, não como adultos. Isso é consequência do próprio estágio de vida do adolescente.

A rigor, é irrelevante para esse debate argumentar que os adolescentes sabem o que fazem, como se os combatentes da redução negassem a culpabilidade fática dos jovens. Ora, não fossem capazes de entender o caráter ilícito da conduta sequer haveria ato infracional, pois estariam amparados por alguma dirimente (excludente de culpabilidade), como a doença mental. Frisamos: Esses jovens são punidos consoante o estágio peculiar de pessoa em desenvolvimento.

Desse modo, os adolescentes são responsabilizados penalmente, porém de maneira específica, por meio do ECA, justamente por sua condição de adolescente, e não de adulto. Por mais irresistível que seja a pretender igualar a mentalidade dos atos joviais com a conscientização dos adultos, a diferença de maturidade se evidencia em segundos de reflexão.

Conclamamos, pois, a um exercício de empatia: Quantas atitudes tivemos outrora que não repetiríamos agora? Ora, entre 12 e 17 anos temos uma psique diferente da fase adulta da vida. Eis um axioma.

2) O Estatuto da Criança e do Adolescente é brando com jovens infratores.

Esse argumento exsurge da má-fé ou por ignorância. A falácia está na falta de senso crítico. Para a sociedade punitivista, só se reconhece o dano por meio da punição. Por conseguinte, essa (a punição) é sinônimo de privação de liberdade, de modo que a população ignora as demais medidas socioeducativas trazidas pelo ECA, legitimando - quando muito - tão somente a internação.

Sem embargo, por vezes o ECA é mais severo que o próprio sistema prisional. Exemplo clássico dessa constatação é um adolescente de 15 anos que passa 3 anos internado (1/5 da sua vida privado da liberdade), em cotejo com um adulto de 30 que fica o mesmo período (1/10 de sua vida recluso), sem considerarmos o direito à progressão de regime, saída temporária, livramento condicional, etc.). Essa "perda da juventude" é irretorquível, deixando manchas sociais profundas no jovem que, certamente, encontrará dificuldades para estudar e encontrar emprego, como a sociedade lhe exigirá.

Assim, é elementar que precisamos desfazer da mentalidade medieval que (de) forma cidadãos tendentes a sustentar a ideia de que a única forma de reintegrar o adolescente infrator passa pela expiação decorrente do seu encarceramento. Ora, se a medida não se mostra eficaz para os adultos, por que insistem que a inclusão daqueles no sistema penitenciário será a panaceia da criminalidade? Certamente essa violência - como todas - ricocheteará.

3) O Estado não pode se manter inerte face à criminalidade, devendo tratar¬¬ o problema na juventude para evitar adultos transgressores.

Cogitar a redução é desviar o foco do problema, qual seja a desigualdade social. Ao Estado é mais interessante tomar medidas populistas, que mantenham o engodo e o controle social, como recrudescer a punição ou criar tipos penais do que implantar políticas públicas capazes de concretizar, sobretudo nas periferias, os direitos e garantias insculpidos na Constituição.

Esse direito penal emergencial4 que está arraigado na mentalidade inquisitória, busca atender as demandas de criminalização (pela mídia e pela sociedade) fazendo com que o legislador crie regras ignorando as garantias do cidadão. No entanto, a experiência demonstrou que essas medidas não devolvem o sentimento de tranquilidade. Despiciendo lembrar da lei 8072/90 (Crimes Hediondos), que vem há quase 30 anos comprovando nossos equívocos.

Pertinente, nesse sentido, a conclusão de SHECAIRA5, para quem "quaisquer movimentos político-criminais que atentem contra as conquistas de tempos imemoriais devem ser afastados".

À guisa de conclusão, entendemos que o povo precisa se emancipar do engano punitivista, para que a demanda pela realização dos direitos fundamentais seja vociferada, em vez de mais violência. Assim, esse escrito faz coro aos que defendem que quanto mais cedo percebermos isso, mais civilizada será nossa democracia. Se queremos todos a mesma coisa em relação à segurança pública, comecemos a propugnar pelos meios que mais respeitem as garantias fundamentais. É o nosso voto para este ano de eleições.
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1 Disponível em: clique aqui.

2 Sobre o assunto, Cf. a irresistível obra de Rubens R. R. Casara, Estado pós-democrático: neo-obscurantismo e gestão dos indesejáveis, publicada pela Editora Civilização Brasileira.

3 Disponível em: A constitucionalidade da redução da maioridade penal. Acesso em 18 de maio de 2018.

4 Expressão ligada à denominada expansão do direito penal, consagrada nas obras do Professor espanhol Jesús-Maria Silva Sanches.

5 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Pena e Política Criminal. A experiência brasileira. Org. in Criminologia e os problemas da atualidade. São Paulo. Atlas, 2008.
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*Roberta Soliz é bacharelanda em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e estagiária na Vara de Execuções Penais da Comarca de Uberlândia-MG.

*Telismar Aparecido da Silva Júnior é pós-graduando em Direito e Processo Penal, professor de Direito Processual Penal na UNIPAC e membro da Comissão de Direito Penal da OAB/Uberlândia-MG (13° Subseção).

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