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O decreto Federal 9.412, de 18/6/18, que atualiza os valores do artigo 23 da lei 8.666/93 referente à definicação das modalidades de licitação, aplica-se a estados, municípios e Distrito Federal?

Maria Helena Pessoa Pimentel

Os municípios, os Estados e o Distrito Federal poderão adotar os novos valores veiculados pelo Decreto Federal 9.412/18 desde que o façam por ato normativo próprio, no âmbito de suas competências.

terça-feira, 26 de junho de 2018

Atualizado em 24 de setembro de 2019 16:19

Com a recente edição do decreto Federal 9.412, de 18/6/18, os valores estabelecidos no artigo 23 da Lei Federal de Licitações 8.666/93, referente à definição das modalidades de licitação, foram atualizados.

Uma vez que se trata de ato normativo da União, aplicável, em princípio, somente à esfera federal, questiona-se a incidência deste decreto sobre as licitações e contratações promovidas pelos Estados, Municípios e Distrito Federal.

Relevante registrar que a citada lei de licitações 8.666 é uma norma geral decorrente da competência privativa da União, prevista no artigo 22, inciso XXVII da CF, aplicável a todos os entes da federação. Contudo, em seu bojo há dispositivos aplicáveis tão somente à esfera federal, cabendo ao intérprete, diante do caso concreto, identificar seu destinatário.

Uma destas hipóteses é o artigo 120 da referida Lei Federal 8.666/93, que serviu de sustentação ao decreto Federal 9.412 ora em análise:

"Art. 120 Os valores fixados por esta Lei poderão ser anualmente revistos pelo Poder Executivo Federal, que os fará publicar no Diário Oficial da União, observando como limite superior a variação geral dos preços do mercado, no período"1.

Diante da dúvida a respeito do alcance da disposição legal acima transcrita, vale dizer, se se trata de norma geral e, portanto, de observância obrigatória por todos os entes da federação, ou de norma específica, destinada somente à União, o município de Campos de Júlio, localizado no Mato Grosso, efetuou uma consulta junto ao Tribunal de Contas daquele Estado sobre a possibilidade de atualizar, por meio de lei local, os valores do artigo 23 da lei 8.666/93 com base no referido artigo 120.

A mencionada Corte de Contas Estadual ao responder ao município consulente, proferiu o seguinte entendimento2:

"Ementa: PREFEITURA DE CAMPOS DE JÚLIO. CONSULTA. Licitações. Normas Gerais. Competência privativa da União. Normas específicas. Competência suplementar dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios. Fixação do Valor Limite das Modalidades Licitatórias. Artigo 23 da Lei nº 8.666/1993. Norma específica da União federal. Possibilidade Constitucional dos demais entes da federação de fixar valores distintos para fixação das modalidades licitatórias, mediante lei. Necessidade de respeito à regra constitucional de submissão das aquisições, concessões e alienações mediante licitação. Possibilidade dos demais entes federados de atualizar referidos valores com base no indexador e periodicidade nacionalmente fixados pelo artigo 120 da Lei nº 8.666/93. a) A competência constitucional para legislar sobre normas gerais de licitações e contratações públicas é privativa da União, cabendo aos demais entes da federação a possibilidade de legislarem acerca da matéria apenas de forma suplementar, por meio de normas específicas. b) A competência legislativa suplementar dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios consiste na possibilidade de regulamentar as normas gerais expedidas pela União por meio da Lei nº 8.666/93, a fim de adequá-las às peculiaridades regionais e locais, e somente naquilo que não foi definido ou delimitado pelas normas gerais insculpidas na Lei de Licitações. c) O artigo 22 da lei de licitações que estabelece as modalidades licitatórias é norma geral, editada pela União, sendo legalmente vedada a criação de novas modalidades pelos demais entes federados. d) O artigo 23 da lei de licitações é norma específica, editada pela União com vistas a fixar os valores a que tão somente seus órgãos e entidades se sujeitam para escolha das modalidades licitatórias, sendo juridicamente possível a outros entes da federação, a exemplo dos municípios, estabelecerem novos valores para a definição das modalidades licitatórias previstas na Lei nº 8.666/93. e) A Lei nº 8.666/1993 revogou integralmente o decreto-lei nº 2.300/1986, em especial seu artigo 85, caput, e parágrafo único, extinguindo a vedação a que os demais entes da federação alterassem os limites máximos de valor fixados para as modalidades licitatórias, vedação esta não reproduzida pela Lei nº 8.666/1993. f) A eventual disciplina estadual concorrente supletiva, e a suplementar municipal, em matéria de fixação do valor das modalidades licitatórias nacionais deverá ser feita por lei em sentido formal. g) O valor a ser fixado pelos demais entes, a título de limite máximo para fixação das modalidades licitatórias do artigo 22 da Lei nº 8.666/1993, à luz da regra constitucional da licitação e do princípio da razoabilidade, jamais poderá servir de burla à regra constitucional de submissão das aquisições e alienações ao próprio processo licitatório. h) O artigo 120 da Lei nº 8.666/1993 é norma geral, editada pela União, tão somente na parte em que prescreve o indexador de reajuste dos valores fixados na referida lei, e a periodicidade do reajuste. i) Os Chefes do Poder Executivo poderão atualizar monetariamente os valores fixados pela Lei nº 8.666/1993, tão somente com base no indexador e na periodicidade nacionalmente fixados pelo artigo 120 da Lei nº 8.666/1993".

Pois bem, a partir desse entendimento, alguns municípios do Estado do Mato Grosso editaram leis atualizando os valores de suas licitações.

Todavia, o Procurador Geral daquele Estado ingressou com ação direta de inconstitucionalidade contra todas essas leis, alegando usurpação da competência constitucional privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitações3.

O Tribunal de Justiça do referido Estado reuniu todas as ações por conexão e proferiu um único julgamento4 considerando inexistente o vício de inconstitucionalidade dessas leis municipais:

"2) A norma que estabelece os tetos de faixas licitatórias para cada modalidade de licitação, prevista no art. 23 da Lei nº 8.666/93, é norma geral, uma vez que a matéria exige uma uniformização nacional. De outro lado, não há confundir esta norma geral com a norma que atualiza monetariamente os valores historicamente previstos como tetos de faixas licitatórias... 4) O art. 120 da Lei 8.666/93, na parte que estipula periodicidade e índice de revisão dos valores monetários, é norma que deriva da competência privativa da União para legislar sobre sistema monetário (art. 22, inc. VI, da CF/88). Todavia, na parte que estipula a competência para o reajuste ao Poder Executivo Federal, a fim de respeitar as autonomias dos demais entes federativos consagradas no art. 18 da CF/88, reconhece-se sua incidência apenas para as licitações e contratos administrativos a serem firmados pela Administração Pública Federal. 5) Nesse lógica, havendo lei estadual, distrital ou municipal, autorizando o respectivo Chefe do Executivo a promover a revisão anual pelo IGPM dos valores fixados na Lei 8.666/93 - para licitações e contratos administrativos de cada ente federativo distintamente estar-se-ia dando cumprimento ao artigo 18 da CF/88. 6) Caso concreto em que, ao invés de editarem lei autorizando os respectivos Prefeitos a revisarem, anualmente, pelo IGPM, os valores fincados na Lei 8.666/93 - para as licitações a serem realizadas no âmbito territorial de cada município -, levaram a própria matéria de revisão à competência da Câmara de Vereadores, promovendo a revisão monetária por lei. 7) Vício de inconstitucionalidade que não se verifica, uma vez que as normas municipais impugnadas afirmam o conteúdo jurídico do princípio federalista, em especial, do princípio da autonomia das coletividades autônomas, que integram o conceito de Federação, estejam ou não expressos na Constituição".

Ao cotejar o posicionamento do Tribunal de Contas do Estado com o do Tribunal de Justiça, conclui-se, preliminarmente, que há uma discordância quanto à natureza jurídica do artigo 23 da lei federal de licitações. Segundo o TCE/MT, trata-se de norma específica para os órgãos e entidades da União, de tal modo que os outros entes da federação podem fixar seus próprios limites licitatórios, ao passo que para o TJ/MT, os valores estabelecidos naquele artigo são de observância obrigatória para União, Estados, municípios e Distrito Federal.

Esse antagonismo revela que mesmo após duas décadas da vigência da lei federal de licitações, não há consenso sobre quais normas são gerais e quais são específicas para a esfera federal.

E talvez esta controvérsia seja a razão da inércia dos entes da federação em utilizarem o mecanismo de atualização dos limites licitatórios previsto no artigo 120 da citada lei 8.666/93, pois somente em 13/4/17, o Estado do Mato Grosso, editou a lei 10.534, para corrigir monetariamente, no âmbito estadual, os valores previstos no artigo 23 da lei 8.666/93, pelo Índice Geral de Preços de Mercado, a partir de junho de 1998 até março de 2016, e autorizar os municípios mato-grossenses a editarem suas próprias leis para o mesmo fim.

Nem na esfera federal havia sido utilizada a sistemática estabelecida pelo mencionado artigo 120, mesmo após o Ministério da Transparência e a Controladoria Geral da União concluírem que para garantir maior eficiência aos processos licitatórios dos órgãos federais, os limites previstos originalmente na lei de licitações precisariam ser atualizados5.

Pois bem, o recente decreto Federal 9.412 que atualizou monetariamente os tetos que estabelecem as modalidades de licitação reascendeu a dúvida acerca do que é norma geral e do que é norma específica na lei 8.666/93.

É inquestionável que após a "vacatio legis", os órgãos federais deverão observar os novos parâmetros ao realizarem seus certames.

Mas e quanto aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios, que até então pautavam as modalidades de suas licitações no artigo 23 da lei 8.666/93, a aplicação do decreto Federal 9.412 é imediata?

Entendo que não. Conforme asseverado anteriormente, por força de mandamento constitucional, a lei 8.666/93 é norma geral e deve ser observada pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios, ainda que contenha dispositivos de aplicação exclusiva à União.

De outro lado, o decreto Federal 9.412 é ato normativo do Presidente da República, editado no uso da atribuição que lhe foi conferida pelo artigo 84, caput, inciso IV da CF, logo, em respeito ao princípio federativo e da autonomia das entidades federadas sua aplicação está circunscrita à Administração Pública Federal.

Entendo, por fim, que os municípios, os Estados e o Distrito Federal poderão adotar os novos valores veiculados pelo decreto Federal 9.412/18 desde que o façam por ato normativo próprio, no âmbito de suas competências.

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1 Redação conferida pela Lei Federal nº 9.648/98

2 Processo nº 12.174-6/2014 - Resolução de Consulta nº 17/2014 - TP - Conselheiro Relator Antonio Joaquim - sessão de julgamento 09/09/2014 - Tribunal Pleno

3 Artigo 22, inciso XXVII da Constituição Federal.

4 ADI 1328403520168110000-132840-2016 - Julgamento em 23/03/2017

5 Nota Técnica nº 1081/2017/CGPLAG/DG/SFC

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*Maria Helena Pessoa Pimentel é Procuradora Legislativa da Câmara Municipal de São Paulo.

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