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Ainda sobre a (in)constitucionalidade da extinção da contribuição sindical pela "reforma trabalhista"

É possível concluir, com relativa segurança jurídica, que é possível a instituição de uma nova "contribuição sindical", que pode se denominar "extraordinária" ou "temporária", ou qualquer outra denominação, em substituição à contribuição sindical obrigatória extinta após a "reforma Trabalhista".

quinta-feira, 28 de junho de 2018

Atualizado em 24 de setembro de 2019 16:34

Na iminência do início do julgamento, pelo STF, em 28/6/18 (quinta-feira), quando da realização da 23ª sessão extraordinária do Plenário, das ações diretas de inconstitucionalidade (ADIns) que lá tramitam para tratar da inconstitucionalidade do fim da contribuição sindical, provocado pelas modificações e alterações promovidas pelo artigo 1º da lei 13.467/17 ("reforma trabalhista") ao disposto no texto dos artigos 545, 578, 579, 582, 583, 587 e 602 da CLT, algumas breves reflexões sobre o tema, a respeito de ângulos parcamente discutidos naquelas ADIns, mormente sob o prisma dos argumentos em prol da inconstitucionalidade formal dos artigos da CLT alterados pela "reforma trabalhista", sempre podem e merecem, quer-se crer, ser debatidos.

2. O "Estado da Arte" da dita "contribuição sindical" antes do advento da "reforma trabalhista"

O assunto, no período anterior à lei 13.467/17, sempre foi por demais discutido na doutrina, tributária e trabalhista, e na jurisprudência nacionais.

Segundo o STF, em posição consolidada há várias décadas, a antiga "contribuição sindical", irregularmente denominada, por técnicos ou leigos, de "imposto sindical", ostentava natureza jurídica de tributo, da espécie da contribuição especial corporativa, com perfil, também, parafiscal, encampada na fórmula pedagógica, exposta no teor do julgamento levado a efeito pelo STF do RE 138.284/CE, sob a relatoria do então E. ministro Carlos Mário da Silva Velloso:

"As diversas espécies tributárias, determinadas pela hipótese de incidência ou pelo fato gerador da respectiva obrigação (CTN, art. 4) são as seguintes: a) os impostos (CF, arts. 145, I, 153, 154, 155 e 156); b) as taxas (CF, art.145, II); c) as contribuições, que podem ser assim classificadas: c.1. de melhoria (CF, art. 145, III); c.2. parafiscais (CF, art. 149), que são: c.2.1. sociais, c.2.1.1. de seguridade social (CF, art. 195, I, II, III), c.2.1.2. outras de seguridade social (CF, art. 195, parágrafo 4), c.2.1.3. sociais gerais (o FGTS, o salário-educação, CF, art. 212, parágrafo 5, contribuições para o SESI, SENAI, SENAC CF, art. 240); c.3. especiais: c.3.1. de intervenção no domínio econômico (CF, art. 149) e c.3.2. corporativas (CF, art. 149). Constituem, ainda, espécie tributária: d) os empréstimos compulsórios (CF, art. 148)."1 (destacamos).

Segundo tal posicionamento, a antiga "contribuição sindical" era um tributo, da espécie contribuição especial corporativa, instituída em conformidade com o disposto no artigo 149, caput, da CF2.

A anterior "contribuição sindical", ainda, por sempre ter sido parte indissociável do sistema constitucional de unicidade sindical de que trata o artigo 8º, inciso II, da CF3, também se encontrava prestigiada na parte final do inciso IV do artigo 8º da CF4, quando o constituinte, por ocasião da promulgação da nova Carta Política em 1988, manteve, tal como "prevista em lei", todas as normas regedoras da contribuição sindical, insculpidas nos artigos 578 e seguintes da CLT.

Em outras palavras, e pela conjunção do disposto no artigo 8º, inciso IV, parte final, da CF, com o disposto no artigo 149, caput, da CF - os dois dispositivos constitucionais que se referem ao disciplinamento da contribuição especial -, a anterior contribuição sindical foi tida por recepcionada pela nova ordem constitucional. A jurisprudência se consolidou nesses termos, tornando o assunto, há décadas, indiscutível e pacificado.

Na doutrina, a mesma pacificidade poderia ser encontrada, para o período anterior ao advento da "reforma trabalhista", em autores como Mauricio Godinho Delgado5, José Augusto Rodrigues Pinto6, Eduardo Lebre7, Henrique Macedo Hinz8, Cláudio Rodrigues Morales9, Sérgio Pinto Martins10 e Gilberto Stürmer11, para citar apenas alguns.

Só haveria, diante dessas circunstâncias, duas possibilidades de alguma pretensão, tendente ao não pagamento ou recolhimento da antiga "contribuição sindical" se dar: (i) a primeira, perante o Poder Legislativo brasileiro, o Congresso Nacional, com uma reforma constitucional, de modo a extirpar, do texto constitucional, o trecho constante dos artigos 8º, inciso IV, parte final; e 149, caput, que convalidam a antiga "contribuição sindical" no ordenamento jurídico constitucional brasileiro, tal como regrada nos artigos 578 e seguintes da CLT; e, pressionando o campo hermenêutico, (ii) a segunda, se alguma entidade sindical partícipe do sistema confederativo se atrevesse a viver fora do eixo da unicidade sindical, admitindo, inclusive, a convivência com eventual outro sindicato, seu opoente e concorrente, também representativo da categoria profissional e/ou econômica, em sua mesma base territorial.

Somente fora das rédeas da unicidade sindical (artigo 8º, inciso II, da CF) é que uma entidade sindical partícipe do sistema confederativo poderia, supostamente, renunciar à arrecadação da antiga "contribuição sindical" ou substituí-la, eventualmente, pela contribuição confederativa (também versada no artigo 8º, inciso IV, da CF).

Isso porque, como, de forma originalíssima, pontificou Paulo Sergio João, não há impeditivo constitucional ou legal para que surjam representações sindicais que sobrevivam somente das contribuições espontâneas de seus associados, até porque nada impede, nos ditames da liberdade sindical, que existam entidades sindicais, representativas de mesma categoria e em mesma base territorial12, em regime de pluralidade, desde que uma delas não dependa da contribuição sindical, não se atrelando, por conseguinte, às rédeas do modelo da unicidade. Sem a antiga contribuição sindical, destrói-se um dos fundamentos da unicidade.

Todas essas questões, aqui versadas rapidamente, de classificação da antiga "contribuição sindical" e de sua compatibilização com o sistema constitucional, dizem respeito à epistemologia jurídica, de detecção da natureza jurídica da exação tributária no período que antecede o advento da lei 13.467/17.

No entanto, essa admissão da "contribuição sindical" no sistema tributário constitucional, no período posterior a 1988, só poderia ser completado, juridicamente, mediante um outro exercício hermenêutico, que não se bastasse na tão só aceitação da recepção do tributo pela nova ordem constitucional, como até aqui admitido.

Essa vertente interpretativa é que foi olvidada do debate pelos atores sociais autores das ADIns e que tem sido desconsiderada ou parcamente destacada.

Para ler o artigo na íntegra, clique aqui.

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1 Apud TROIANELLI, Gabriel Lacerda. As Contribuições Incidentes sobre o Faturamento e a Não-Incidência Prevista no Artigo 153, § 3º, da Constituição Federal. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Grandes Questões Atuais de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, v. 2, 1998, p. 111.

2 "Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo."

3 "Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

(...)

II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;"

4 "Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

(...)

IV - a assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei;"

5 Direito Coletivo do Trabalho. São Paulo: LTr, 2001, p. 78.

6 Direito Sindical e Coletivo do Trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2002, p. 126.

7 Direito Coletivo do Trabalho. Porto Alegre: Síntese, 1999, pp. 74, 76 e 77.

8 Direito Coletivo do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 60.

9 Das Contribuições aos Sindicatos: Manual com Roteiro Prático. São Paulo: LTr, 2000, pp. 16 e 17.

10 Contribuições Sindicais: Direito Comparado e Internacional. Contribuições Assistencial, Confederativa e Sindical. São Paulo: Atlas, 1998, p. 61.

11 A Liberdade Sindical: na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e sua Relação com a Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 89.

12 O Fim da Unicidade Sindical com ou sem Contribuição Sindical. Suplemento Trabalhista LTr nº 019/08. São Paulo: LTr, nº 19: 93-95, 2008, p. 94.

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*Marcus de Oliveira Kaufmann é sócio do escritório Paixão Côrtes e Advogados Associados.

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