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Do equívoco de utilização do índice de reajuste dos planosde saúde individuais nos planos de saúde coletivos

Esse movimento de vilificação das operadoras de planos de saúde, impulsionada por parte do Poder Judiciário, apenas acarreta em prejuízo para os usuários dos planos de saúde e, consequentemente, para a população.

sexta-feira, 20 de julho de 2018

Atualizado em 19 de julho de 2018 12:33

Em recente decisão da 3ª Turma Recursal Cível do Colégio Recursal da Lapa, por votação unânime, decidiu-se que o mesmo índice aplicado nos contratos individuais de planos de saúde deve ser aplicado aos contratos coletivos.

Conforme entendimento do relator, "Os reajustes efetuados de 2.012 a 2.016 (ao contrato coletivo discutido nos autos) foram muito acima do determinado pela ANS aos contratos individuais com a requerida, além da inflação.".

Prossegue o relator ao constatar que "A maioria esmagadora dos planos coletivos possuem reajustes muito, mas muito acima da inflação, e bem superiores aos permitidos pela ANS em planos individuais, nos quais, ao menos, a inflação é representada.", explicando que não existe - em seu entendimento - uma justificativa adequada para este motivo, apresentando que a única explicação das operadoras de plano de saúde "diz respeito a aumento de custos e sinistralidade, mas sempre de forma genérica e sem apontamento discriminado de como se chegou a tal índice.".

De acordo com o relator "a forma como é apresentado ao consumidor (sim, consumidor, pois é ele quem paga e usufrui) desrespeita todos os princípios de cunho obrigatório determinados no Código de Defesa do Consumidor, os quais, por serem de ordem pública, jamais podem ser superados pela alegação de pacta sunt servanda, ou melhor, o pacto. E, não se demonstra possível, em pleno século 21 e após 20 anos de Código de Defesa de Consumidor, que não existam, por parte dos fornecedores, informações detalhadas e comprovadas sobre o aumento que se impõe de forma potestativa em conjunto pela administradora e empresa de saúde."

O relator justifica que a ANS regula apenas os planos individuais por se tratar de consumidor pessoa única, ao contrário dos planos coletivos nos quais existe uma coletividade de pessoas representadas por uma associação de classes, na maioria dos casos. Por tal motivo, ainda conforme o relator, que a ANS não precisaria regular os reajustes, já que a classe defenderia os interesses. Contudo, conforme o seu entendimento, os índices aplicados pelas operadoras de plano de saúde "não respeitaram premissas invioláveis da lei consumerista, o que leva a aplicar os índices determinados pela ANS aos contratos individuais.".

Ou seja, em suma, a fundamentação do relator para aplicar o reajuste previsto nos contratos individuais de plano de saúde, regulamentado pela ANS, para os planos coletivos se deve ao fato de que, diante da torpeza das operadoras de plano de saúde em demonstrar o efetivo cálculo realizado estariam ferindo as premissas invioláveis do Código de Defesa do Consumidor.

E, de fato, a não comprovação dos cálculos utilizados pelas operadoras de plano de saúde realmente lesa a premissa do consumidor, em especial o artigo 6º, III, do Código de Defesa do Consumidor.

Agora, o que justifica a aplicação dos índices de reajuste da ANS para os planos de saúde individuais aos planos coletivos? Por que não foi determinado que a operadora de plano de saúde apresentasse os cálculos nos autos da ação julgada?

Conforme determinar o artigo 35-E, §2º, da lei 9.656/98, a prévia aprovação da ANS para o reajuste das contraprestações pecuniárias é necessária apenas para os contratos individuais.

Isto não quer dizer que a ANS não realize qualquer tipo de fiscalização nos reajustes dos planos coletivos. De fato, a ANS - conforme deixa muito bem exposto em seu sítio eletrônico - determina o encaminhamento, pelas operadoras de plano de saúde, do índice de reajuste acordado entre as operadoras de plano de saúde e a pessoa jurídica contratante, com no máximo 30 dias de antecedência para a análise.

Isto quer dizer que, conquanto a ANS não tenha obrigação de autorizar previamente os reajustes, não quer dizer que ela não deva realizar uma análise do aumento acordado entre a operadora de plano de saúde e a pessoa jurídica.

A fiscalização dos reajustes de qualquer modalidade de plano de saúde pela ANS decorre de lei (artigo 1º, §1º, da Lei 9.656/98), não podendo o referido órgão fiscalizador se desincumbir te tal obrigação, como de fato não o faz.

Inclusive, foi realizada uma Auditoria Operacional pelo Tribunal de Contas da União (TCU) acerca das ações da ANS referente aos reajustes de planos de saúde individuais e coletivos (TC 021.852/2014-6)1.

Ou seja, fica claro que, ao contrário do fundamentado pelo relator, a ANS deve regulamentar os reajustes dos planos coletivos, mas que a prévia autorização dos reajustes é imposta apenas aos planos individuais, por força de lei.

A fundamentação do relator, no sentido de que a ANS apenas fiscaliza os planos individuais por se tratar de pessoa física contratando com a operadora de plano de saúde é totalmente descabida e não passa de um silogismo falso.

Desta forma, fica claro que conquanto a falta de apresentação dos cálculos quando solicitados pelo beneficiário fira o Código de Defesa do Consumidor - o que não cabe discussão, pois extremamente acertado o raciocínio -, condenar e impor a aplicação de índice de reajuste de planos de saúde individuais para os planos coletivos apenas onera ainda mais as operadoras de plano de saúde.

Com relação ao índice dos contratos coletivos serem superiores ao índice inflacionário (IPCA), já tivemos a oportunidade de debater a questão em outro artigo2, o qual previu a revisão da decisão liminar do Juiz Federal de São Paulo pelo Tribunal competente.

A saúde suplementar vem sofrendo demasiadamente com a judicialização dos planos de saúde, de modo que aplicar à um contrato reajuste que não está contratualmente previsto, ou seja, sem a devida análise da sinistralidade que atinge o plano de saúde coletivo e demais fatores exógenos (inclusão de novos procedimentos obrigatórios, aprimoramento de procedimentos e instrumentos médico-hospitalares, etc.) apenas cria um desequilíbrio impar no contrato de seguro.

Como se bem sabe, o plano de saúde, em verdade, é um mútuo, administrado pela operadora de plano de saúde, momento em que a operadora deve garantir a cobertura de todo interesse legitimado do cliente, mediante o pagamento de mensalidade.

A mensalidade é encaminhada para um fundo composto pela soma de todos as mensalidades recebidas pela operadora, de modo que a operadora do plano de saúde deve ter ativos garantidores das provisões técnicas sob pena de ser considerada insolvente (ANS RN nº 392/2015).

Se, por fatores externos (como, por exemplo, o aumento da sinistralidade ou determinação judicial de atendimento de eventos não cobertos) há impacto no fundo de provisão técnica, a operadora se vê obrigada a reajustar a contraprestação pecuniária do segurado para que o mútuo baste para garantir a cobertura do interesse de seus vários clientes.

E tal reajuste varia de planos coletivos para os planos individuais, muitas vezes não incidindo fatores em um, mas incidindo no outro, como a sinistralidade dos beneficiários dos planos coletivos.

Da mesma forma que o relator concluiu tratar-se de um sofisma a alegação do plano de saúde dos cálculos apresentados para o reajuste anual com a necessária consideração dos aumentos de custos e da sinistralidade (sem falar nos custos com a judicialização dos planos de saúde), trata-se de sofisma também a conclusão de que, diante da ausência de clara informação acerca dos cálculos nos planos coletivos, deve-se aplicar os índices de reajuste dos planos individuais, que seriam regulamentado pela ANS.

Isto porque a ANS, conforme já explicado, deve fiscalizar os ajustes dos planos coletivos - ainda que sem prévia autorização para sua aplicação -, constatando os fatores diferenciados pertinentes para os reajustes necessários em cada modalidade, em razão da natureza própria de cada modalidade.

Repassar tal atribuição para as operadoras de plano de saúde, impondo condenações que apenas oneram as operadoras de plano de saúde e, consequentemente, seus beneficiários, acaba por apenas contribuir para o agravamento do atual cenário da saúde suplementar.

Deve-se, sim, analisar a forma com que a agência reguladora está fiscalizando as operadoras, através dos procedimentos corretos, mas sem impor mais ônus para as operadoras de plano de saúde.

A interpretação do julgador distorce, totalmente, a finalidade dos índices de reajuste, fundamentando seu entendimento em premissas falhas e vazias, com uma estrutura lógica inconsistente entre a real atribuição da agencia reguladora e os cálculos necessários para os reajustes anuais.

Ao contrário, a conclusão do TCU foi de sugerir propostas para a adequação da ANS, sem qualquer imposição, com o intuito de se aproximar de uma metodologia concisa e que atenda os anseios necessários de fiscalização, o qual qualquer agência reguladora deve possuir.

Trata-se, ao nosso ver, apenas mais uma decisão de repúdio às operadoras de plano de saúde - vejam que nem foi solicitado os referidos cálculos nos autos e o relator poderia ter convertido o julgamento em diligência para apresentar o cálculo (932, I, CPC) -, o que, infelizmente, apenas majora os custos das operadoras e seus usuários.

Esquecem, entretanto, que as operadoras de plano de saúde suplementar no Brasil contribuem expressivamente no crescimento da saúde, investindo em tecnologias, novos equipamentos, hospitais, etc., suprindo o déficit existente na saúde complementar e no Sistema Único de Saúde (SUS).

De fato, conforme o último mapeamento assistencial publicada pela ANS, em outubro de 2017, no ano de 2016 os planos de saúde prestaram 272,9 milhões de consultas médicas, 141,1 milhões de atendimento ambulatoriais, 796,7 milhões de exames complementares, 69,9 milhões de terapias e 7,8 milhões de internações3.

Em contrapartida, constatou-se que, em 2016, conforme levantamento realizado pelo Observatório da Judicialização da Saúde Suplementar (DMP/FMUSP), encabeçado pelo dr. Mario Scheffer4, as decisões judiciais contra planos de saúde superaram às do SUS, havendo 15.841 decisões judiciais de primeira instância abordando o tema e 11.406 decisões de segunda instância, de modo que 43,73% deste total discutiam a exclusão de cobertura dos planos e 16,95% deste total discutiam os índices de reajuste dos planos.

Percebe-se que esse movimento de vilificação das operadoras de planos de saúde, impulsionada por parte do Poder Judiciário, apenas acarreta em prejuízo para os usuários dos planos de saúde e, consequentemente, para a população, que, conforme já dito, arcam com os custos não previstos e encarece significantemente a contraprestação dos consumidores.

Há, sim, ofensa aos preceitos consumeristas, conforme já explanado, mas a decisão do relator também, ao nosso ver, foi equivocada na aplicação dos índices dos planos individuais aos planos coletivos, diante dos prejuízos que tal medida vai ocasionar e os reflexos aos demais usuários.

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1 O acórdão e a conclusão da auditoria do TCU podem ser conferidos no: <clique aqui>
. Acesso em 17/7/18.

2 Clique aqui.

3 Os dados informados podem ser conferidos e consultados no sítio eletrônico da ANS: <clique aqui>. Acesso em 17/7/18.

4 Clique aqui. Acesso em 17/7/18.
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*Heitor Vieira de Souza Neto é sócio do escritório Vieira Neto Advogados.

*Mario de Queiroz Barbosa Neto é sócio do escritório Vieira Neto Advogados.

*Marcos Rode Magnani é advogado do escritório Vieira Neto Advogados.


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