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A verdadeira inconstitucionalidade da revogação da majorante do emprego de arma branca no crime de roubo

Entendo que há, de fato, a inconstitucionalidade formal do dispositivo que prevê a revogação do inciso I do §2º do artigo 157 do Código Penal, mas por outro fundamento que não aquele comumente utilizado por aqueles que ousaram abordar o assunto até esse momento.

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Atualizado em 26 de setembro de 2019 16:54

Não tem sido poucas as discussões travadas pela doutrina e no âmbito judicial acerca da inconstitucionalidade da revogação do inciso I do §2º do artigo 157 do Código Penal introduzida pela novel lei 13.654/18.

O vício que se discute seria de natureza formal, pois relacionado à tramitação do PL do Senado 149 de 2015 que deu origem à referida lei.

Um considerável número de juristas, magistrados, membros do MP e demais operadores do direito tem sustentado que a revogação do inciso I do §2º do artigo 157 do Código Penal, embora estivesse prevista no texto original do referido PLS, não teria sido submetida à aprovação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) ou do próprio Plenário do Senado Federal, mas incluída indevidamente pela Coordenação de Redação Legislativa (CORELE) quando da revisão final do texto.

Embora concorde com a tese de inconstitucionalidade formal do referido dispositivo, verifico que esses argumentos normalmente sustentados por aqueles que a advogam não resistem a uma análise mais aprofundada da tramitação legislativa do PLS 149 de 20151. Em outras palavras, entendo que há, de fato, a inconstitucionalidade formal do dispositivo que prevê a revogação do inciso I do §2º do artigo 157 do Código Penal, mas por outro fundamento que não aquele comumente utilizado por aqueles que ousaram abordar o assunto até esse momento.

Antes de adentrar na análise específica da tramitação do PLS 149 de 2015 é preciso fazer uma breve introdução ao rito previsto para aprovação das leis ordinárias, tal como a lei 13.654/18.

Em síntese, exige-se que o PL ordinária seja aprovado em cada uma das casas do Congresso Nacional em turno único de discussão e votação (art. 65 da CF). Caso o projeto seja emendado na casa revisora, ele retorna à casa iniciadora para que seja finalmente discutido e votado (art. 65, parágrafo único, da CF).

Além disso, a aprovação em cada uma das casas legislativas não se dá, necessariamente, pelos respectivos plenários, já que a Constituição Federal autoriza que o regimento interno de cada uma delas dispense a competência do plenário, passando o projeto a ser aprovado pelas suas comissões. Nesse caso, a própria Constituição estabelece que um décimo dos membros da casa legislativa pode recorrer dessa aprovação ao plenário (art. 58, §2º, inc. II, da CF).

Pois bem. Essa possibilidade de aprovação do PL pelas comissões é extremamente relevante para o entendimento do assunto tratado neste breve artigo pois foi exatamente esse o rito seguido para aprovação do PLS 149 de 2015.

Com isso, afastamos logo de início a tese daqueles que defendem a inconstitucionalidade da lei 13.654/18 na parte em que não teria sido submetida à aprovação pelo Plenário do Senado Federal, uma vez que tal aprovação foi regularmente dispensada.

Avançando à análise dos documentos anexados ao histórico da tramitação do PLS 149 de 2015 no site do Senado Federal na internet, verificamos que a revogação do inciso I do §2º do artigo 157 do Código Penal estava prevista na redação original apresentada pelo autor do projeto, o senador Otto Alencar.

O PLS teve regular tramitação, tendo sido encaminhado para CCJ onde foi designado para relatoria o senador Antonio Anastasia. Recebeu apenas uma emenda, apresentada pela senadora Simone Tebet, a qual não tinha qualquer relação com a revogação do inciso I do §2º do artigo 157 do Código Penal.

Submetido à discussão e votação da CCJ, o PLS e a referida emenda foram aprovados na 49ª Reunião Ordinária, ocorrida em 8 de novembro de 2017, mantendo a revogação expressa do inciso I do §2º do artigo 157 do Código Penal, tanto no texto do projeto como no relatório apresentado pelo senador Antonio Anastasia.2

Portanto, afasta-se, também, a tese daqueles que alegam que o PLS 149 de 2015 não teria sido aprovado na CCJ do Senado Federal.

Conforme dito acima, a aprovação pela CCJ se deu em caráter terminativo, ou seja, dentro das hipóteses em que é dispensada a aprovação em plenário, nos termos do art. 58, §2º, inc. I, da Constituição Federal.

Não obstante, por ocasião da comunicação da aprovação do PLS pela CCJ ao presidente do Senado Federal e da publicação no Diário Oficial do Senado Federal (edição nº 171; ocorrida em 10/11/17; pág. 133/143), conforme estabelece o art. 91, §2º, do Regimento Interno do Senado Federal, por motivos desconhecidos, a revogação do inciso I do §2º do artigo 157 do Código Penal foi suprimida do texto. A redação do art. 2º do PLS aprovado na CCJ que previa a revogação foi substituída pela seguinte previsão: Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.3

Entendo que nesse ponto reside a principal confusão de entendimento, já que aqueles que sustentam que a revogação da majorante pelo emprego de arma branca no crime de roubo não teria sido aprovada pela CCJ partem da premissa de que o texto votado foi aquele publicado no Diário Oficial e que fora divulgado no dia 9/11/17 na aba da tramitação do projeto no site do Senado Federal.

No entanto, analisando a tramitação, é possível verificar que o texto aprovado pela CCJ é aquele anexado no dia 8/11/17 em que há expressa referência à aprovação pela CCJ e que continha expressamente a revogação do dispositivo revocatório. Tanto é assim que é possível extrair da aba de tramitação que a publicação no Diário Oficial só se deu após o encaminhamento do projeto ao Plenário do Senado Federal onde foi recebido no dia 8/11/17, às 18h23m.

Paralelamente, é preciso destacar que no site do Senado Federal não foi disponibilizada a comunicação enviada ao presidente do Senado Federal, contando apenas com a publicação no Diário Oficial do Senado Federal, mas por serem documentos emitidos de forma conjunta, parto do pressuposto de que a supressão da revogação verificada na publicação no Diário Oficial do Senado Federal também tenha ocorrido na comunicação.

Embora num primeiro momento possa aparentar mera irregularidade formal, a comunicação ao presidente do Senado Federal tem relevante efeito jurídico, já que a partir da sua publicação no avulso eletrônico da Ordem do Dia da sessão seguinte se inicia o prazo de cinco dias úteis para que no mínimo um décimo dos senadores interponha recurso para que seja afastada a aprovação pela CCJ e a matéria seja apreciada pelo plenário, nos termos do art. 58, §2º, inc. I, da Constituição Federal, e do art. 91, §§3º e 4º, do Regimento Interno do Senado Federal.

Portanto, a avaliação dos senadores acerca da eventual interposição de recurso não se deu com base no texto do PLS 149 de 2015 aprovado na CCJ, mas naquele que não continha a revogação do inciso I do §2º do artigo 157 do Código Penal. Em outras palavras, não foi dada oportunidade aos senadores de eventualmente recorrerem da aprovação pela CCJ da referida revogação.

É justamente aí que verifico a ocorrência de grave vício formal na tramitação do PLS 149 de 2015 que acarreta a sua inconstitucionalidade por violar frontalmente o art. 58, §2º, inc. I, da Constituição Federal, ao subtrair dos senadores o prévio conhecimento da matéria sujeita a recurso.

Sem fazer juízo especulativo em concreto, mas é possível que, ciente da revogação do inciso I do §2º do artigo 157 do Código Penal, um grupo de Senadores se articulasse para recorrer da aprovação pela CCJ de forma que o PLS 149 de 2015 fosse encaminhado à deliberação do plenário. No entanto, essa oportunidade não foi assegurada aos membros do senado Federal e, portanto, não há como afastar a inconstitucionalidade formal da lei 13.654/18 nesse ponto.

Como não houve recurso, o texto foi encaminhado à CORELE que, ao revisar o texto, "sanou" o equívoco contido na comunicação enviada ao presidente do Senado e na publicação do PLS no Diário Oficial e resgatou a revogação do inciso I do §2º do artigo 157 do Código Penal que havia sido aprovada na CCJ.

Em seguida, o PLS foi encaminhado à Câmara dos Deputados onde, após regular tramitação, foi apresentado um substitutivo que acabou sendo aprovado em 28 de fevereiro de 2018 pelo plenário4.

No entanto, como o projeto foi emendado, seguindo o rito constitucional retornou à casa iniciadora, no caso o Senado Federal, onde após nova tramitação foi aprovado pelo plenário em 27 de março de 2018 e, posteriormente, encaminhado para sanção presidencial, resultando na lei 13.654/185.

Em artigo publicado no dia 8 de maio de 2018, os defensores públicos Alessa Pagan Veiga e Leandro Fabris Neto6 sustentaram que a lei 13.654/18 seria constitucional baseando-se nos seguintes argumentos: (i) a CORELE teria apenas sanado a omissão da redação final do PLS 149 de 2015 a fim de adequá-lo ao texto efetivamente aprovado na CCJ; (ii) ainda que o texto do PLS constante na redação final tivesse suprimido equivocadamente a revogação do inciso I do §2º do artigo 157 do Código Penal, a revogação foi mantida no texto do relatório do senador Antonio Anastasia, o que comprovaria a intenção inequívoca da CCJ; (iii) eventual vício teria sido sanado pela aprovação posterior do projeto pelo plenário das duas casas legislativas.

O primeiro argumento fora rechaçado pelos fundamentos já expostos até aqui pois, evidentemente, não se tratou de correção de mera irregularidade formal sem maiores consequências jurídicas.

No que se refere à manutenção no relatório do senador Antonio Anastasia da revogação do inciso I do §2º do artigo 157 do Código Penal, inclusive naquele apresentado na comunicação enviada ao presidente do Senado Federal, verifico que de fato contradiz o texto do PLS propriamente dito existente na comunicação. No entanto, havendo contradição entre o texto do PL e o seu relatório, deve prevalecer aquele, já que ao final é o que será promulgado, tornando-se lei.

A mera indicação no relatório de que determinado dispositivo legal estaria sendo revogado, desacompanhada da efetiva revogação no corpo do texto do PL, não está apta a produzir quaisquer efeitos caso o projeto seja aprovado. Assim, a revogação exclusivamente mencionada no relatório não supriu a omissão do texto quando da publicação da comunicação enviado ao presidente do Senado Federal submetida à apreciação dos senadores para fins de recurso.

Já no tocante ao último argumento, no sentido de que o vício estaria convalidado pela tramitação e aprovação após esse imbróglio pelo plenário das duas casas, entendo que está desprovido de suporte jurídico.

Isso porque é possível que, por ocasião da segunda tramitação do projeto no Senado, os senadores tenham sido induzidos a erro e se concentrado apenas na emenda implementada na Câmara dos Deputados, afinal, é esse o fundamento jurídico para que o projeto volte à casa iniciadora (art. 65, parágrafo único, CF). Dessa forma, embora o dispositivo revocatório tenha sido aprovado pelo plenário das duas casas, não há como afastar o vício formal de origem.

Assim, com base em tudo que fora explorado por meio dessas breves reflexões entendo que, embora por fundamento diverso daqueles normalmente utilizados, a lei 13.654/18 padece de inconstitucionalidade formal no ponto em que estabeleceu a revogação do inciso I do §2º do artigo 157 do Código Penal.

Considerando que o vício de inconstitucionalidade acarreta a nulidade da norma, ela não está apta a produzir quaisquer efeitos e, portanto, há que se considerar que a majorante para os casos de roubo praticado com emprego de arma branca jamais deixou de existir e deve ser plenamente aplicada pelo Poder Judiciário.

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6 Da constitucionalidade formal da lei 13.654/2018.
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*Gustavo de Azevedo Marchi é juiz de Direito do TJ/SP.

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