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Suspensão da execução fiscal em virtude de crédito ainda discutido na esfera administrativa

O objetivo deste artigo é o de propor uma solução de racionalidade e razoabilidade no tratamento de demandas judiciais que se verifiquem dependentes ou atreladas a discussões administrativas.

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Atualizado em 26 de setembro de 2019 17:00

Partiremos do seguinte problema: Pessoa jurídica apura no ano X, um crédito Y contra a Fazenda, passível de restituição e utilização em pedido de compensação (DCOMP). No ano X+1, a PJ utilizou o referido crédito, por meio de DCOMP, para extinguir a estimativa do IRPJ. Ao final do ano X+1, a PJ apurou saldo negativo de IRPJ, o qual era passível de restituição e utilização em DCOMP. Assim, no ano X+2, o crédito decorrente do saldo negativo é utilizado para extinguir o IRPJ do ano X+2. Pois bem, se o crédito Y, apurado no ano X, tiver sido contestado pelo Fisco, o valor apurado de saldo negativo em X+1 será desafiado e, por consequência, a liquidação do imposto sobre a renda no ano X+2 também restará questionada. Ocorre, no entanto, que a contestação realizada pelo Fisco em relação ao crédito Y, utilizado em X+1, poderá ser objeto de discussão administrativa, assim como a compensação realizada em X+2. Todavia, não é incomum que a discussão administrativa referente à compensação em X+2 seja resolvida antes da discussão da compensação realizada em X+1 e, ato contínuo, inscrita em dívida ativa a fundar execução fiscal antes que a discussão sobre a validade e a legitimidade do crédito Y, utilizado em X+1, possa ter sido encerrada no âmbito administrativo.

Ocorrendo a situação descrita acima, é muito provável que, ao ser citado para pagar a dívida ou garantir a execução, o contribuinte apresente exceção de pré-executividade pretendendo a desconstituição da CDA, sob a alegação final de falta de certeza e liquidez do título executivo. Aqui, justamente, é o momento de se analisar a intersecção e possibilidade de conjugação do art. 55 do CPC e do parágrafo único do art. 3º da LEF. Inicialmente, advirta-se que temos pleno conhecimento dos debates sobre a existência ou não de jurisdição no âmbito administrativo, bem como do fato de que a regra de conexão prevista no CPC está a tratar de demandas judiciais e não de uma demanda judicial em relação a outra demanda administrativa.

De outro lado, deve-se reconhecer que o novo CPC tem o objetivo nobre e relevante de dar efetividade ao processo, assegurando o direito material. O CPC valoriza o direito material e é construído para que o processo (instrumental) permita a realização de justiça social e pacificação de conflitos da melhor forma possível aos envolvidos.

Ademais, ao tratar de esfera decisórias distintas, alguns ajustes ou concessões deverão ser realizadas para a aplicação do art. 55 do CPC na situação aqui relatada. Nessa linha é que o § único do art. 3º da LEF assume grande relevância, eis que, segundo o texto legal, a presunção da CDA é relativa e pode ser ilidida por prova inequívoca.

Justamente este é o caso em exame, pois, se o crédito Y for reconhecido; (i) a DCOMP realizada em X+1, (ii) o saldo negativo apurado no mesmo exercício; e (iii) a compensação realizada em X+2; serão validados e, por consequência, cancelada qualquer cobrança em curso. Essa situação é bem analisada no âmbito administrativo a teor da Solução de Consulta COSIT nº 18/06, ao reconhecer que eventual não homologação da DCOMP lançada para pagamento da estimativa não interfere na composição do saldo negativo; e de acordo com a posição do CARF, e.g. do Acórdão nº 1201­001.647, o "processo referente a Per/Dcomp relativa a créditos de saldos negativos anuais que dependem da confirmação das estimativas mensais dos tributos, devem ser apreciados posteriormente ou juntamente com aqueles que decidem sobre a compensação dessas estimativas".

Evidentemente que a posição adotada tanto pela RFB como pelo CARF é tranquila no âmbito tão somente administrativo em que há homogeneidade dos procedimentos e a decisão final será pelo mesmo órgão, o que justifica eventual reconhecimento de conexão ou prejudicialidade. Entretanto, considerando que a satisfação do crédito tributário em última instância somente se dará no Poder Executivo por meio do executivo fiscal, é necessário ponderar o grande impacto que a decisão administrativa referente ao crédito original ou intermediário poderá ter no executivo fiscal, inclusive para fins de ação rescisória por fato novo ex vi do art. 966, VII do CPC.

No caso em questão, pois, ao ser alegada a falta de certeza e liquidez do título executivo em razão de discussão sobre o crédito do contribuinte original, o magistrado, ao nosso ver, terá as seguintes opções: (i) rejeitar a exceção de pré-executividade por entender pela necessidade de dilação probatória; (ii) acolher a exceção e extinguir a execução fiscal; ou (iii) reconhecer a prejudicialidade e determinar a suspensão da execução fiscal até o encerramento do processo administrativo do crédito original ou intermediário.

Na primeira hipótese (i), o problema aqui tratado será postergado para quando do julgamento dos embargos à execução se estes, evidentemente, forem propostos e cuja análise não é o objeto principal deste artigo.

Já na hipótese (ii), ao ser acolhida a exceção e confirmada em instância recursal, possivelmente, ao Fisco restará pouca margem de manobra em razão de possível prescrição do crédito tributário ou da necessidade de demonstrar em nova execução que não poderia ter fluído o prazo prescricional até a finalização do processo administrativo em que o crédito original é discutido. Essa argumentação, entretanto, se revela tarefa difícil eis que (a) não foi reconhecida a prejudicialidade na esfera administrativa; e (b) na esfera judicial, a prejudicialidade teria sido reconhecida apenas para reconhecer a falta de certeza e liquidez e não a efetiva suspensão da execução fiscal. Com isso, o direito à satisfação do crédito, mesmo na hipótese de vir a ser ratificada a inexistência do crédito original, restaria bastante fragilizada, o que não prestigia o interesse público, ainda mais na hipótese de haver solução processual que ampare os interesses público e particular.

Por último, na hipótese (iii), a solução proposta é a de que a execução fiscal e o respectivo crédito fiquem suspensos até a decisão final do processo administrativo em que é discutida a existência do crédito original. Esta solução permitiria que (a) o contribuinte não fosse prejudicado pela negativa de certidão de regularidade fiscal ou com a necessidade de apresentação de garantia em prejuízo do fluxo de caixa; (b) para o Fisco permaneceria hígida a execução fiscal sem qualquer risco de ocorrência de prescrição do crédito tributário; e (c) fossem evitados atos processuais desnecessários a serem praticados em sede de embargos à execução fiscal.

A solução aqui proposta encontra amparo na aplicação conjunta do §3º, do art. 55 do CPC e do § único do art. 3º da LEF, pelos quais ainda que não exista conexão entre as demandas, o risco de decisões conflitantes, permite a reunião dos processos e a presunção de certeza e liquidez da CDA pode ser por prova inequívoca, tal como a demonstração de que o crédito tributário executado foi objeto de compensação não homologada cuja existência do crédito original do contribuinte ainda é objeto de discussão administrativa1. Ademais, em caso de modificação do valor do crédito e não de seu cancelamento, ainda restaria prestigiado o §8º, do art. 2º da LEF.

Portanto, se há prova substancial sobre a possibilidade de modificação do resultado do julgamento judicial conforme seja o resultado do processo administrativo, ao qual o Fisco está vinculado, não haveria dúvidas sobre a prejudicialidade do processo administrativo em relação ao judicial, pois, ainda que não possam ser reunidos, nada impediria que a execução fiscal permanecesse suspensa diante da flagrante inexistência de certeza e liquidez da CDA até o final da discussão administrativa.
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1 A prejudicialidade aqui tratada já foi reconhecida no MS nº 2009.61.05.008112-7: "toda a celeuma gira em torno do acerto ou desacerto da conduta adotada pela empresa em face da legislação tributária", assim, "considerando a umbilical ligação entre a matéria tributável e as compensações efetivadas, aliada ao fato de que os créditos não existiriam se não subsistisse a glosa, é de ser reconhecida a situação de suspensão da exigibilidade dos créditos tributário outrora ditos como quitados mediante o uso do crédito dos prejuízos fiscais sob comento".
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*Luciano Burti Maldonado é advogado tributário do escritório Demarest Advogados.

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