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Técnica de julgamento estendido

Ricardo Quass Duarte

Tão importante quanto a duração razoável do processo é a qualidade da decisão judicial.

terça-feira, 18 de setembro de 2018

Atualizado em 24 de setembro de 2019 16:37

Com o alegado objetivo de tornar o processo mais célere, o novo CPC eliminou um importante recurso previsto no CPC anterior: os embargos infringentes, cabíveis contra decisões não unânimes, proferidas em ação rescisória ou apelação. Embora parte da doutrina defendesse a eliminação dos embargos do ordenamento jurídico, havia, no sistema anterior, uma expressiva quantidade de embargos infringentes providos para fazer prevalecer o voto vencido. Os casos não apenas eram frequentes, como também relevantes.

No Rio Grande do Sul, por exemplo, uma empresa teve a falência decretada por ocasião do julgamento da apelação da credora. Contudo, em sede de embargos infringentes, o decreto de falência foi revogado e o processo extinto, sem apreciação do mérito (EI nº 70021179619, rel. Des. Paulo Sérgio Scarparo, j. 5.10.07). Por sua vez, o TJ/MG proveu embargos infringentes para reconhecer a paternidade biológica em detrimento da alegada sócio afetiva, impondo ao pai biológico o dever de prestar alimentos à embargante (EI nº 1.0024.02.826960-3/002, rel. Des. Jarbas Ladeira, j. 7.8.07).

Essa simples constatação, aliada à notória dificuldade de as partes terem seus recursos admitidos pelos Tribunais Superiores, já seriam suficientes para tornar questionável a eliminação dos embargos infringentes do novo CPC. Afinal, a Justiça da decisão, que se almejava com os embargos infringentes, também constitui um dos escopos do processo.

Embora os embargos tenham deixado de existir, o legislador criou um sucedâneo, que consiste na chamada "técnica de julgamento estendido". Dispõe o art. 942 do novo CPC: "quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores (...) em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores". E o parágrafo 1o desse artigo estabelece que, "sendo possível, o prosseguimento do julgamento dar-se-á na mesma sessão, colhendo-se os votos de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado".

Embora louvável, a troca dos embargos infringentes pela técnica de julgamento estendido não tem se mostrado positiva, pelo menos no que diz respeito à qualidade das decisões.

Antes, a parte perdedora tinha a oportunidade de apresentar as suas razões por escrito, com o objetivo de convencer os julgadores do acerto do voto vencido. A parte contrária podia apresentar contrarrazões, defendendo os votos vencedores. A escolha de um novo relator deveria recair, preferencialmente, em julgador que não houvesse participado do julgamento anterior. O relator tinha a oportunidade de analisar não apenas as razões dos litigantes, mas também a prova produzida, a sentença e os votos proferidos por seus pares. Designado o julgamento, as partes podiam apresentar memoriais e sustentar oralmente as suas razões.

Com a técnica de julgamento estendido, nada disso ocorre. Diz a lei que, se possível, o julgamento deve prosseguir na mesma sessão. Essa pressa do legislador é altamente criticável. Primeiro porque, quando isso ocorre, dificilmente as partes terão apresentado memoriais a todos os julgadores. Quando muito, os memoriais terão sido entregues apenas aos integrantes originais da turma julgadora. Também dificilmente os novos julgadores terão prestado a devida atenção à sustentação oral dos advogados. Ademais, prosseguindo o julgamento na mesma sessão, os julgadores não terão a oportunidade de analisar detidamente os autos e as razões das partes. Terão de julgar de imediato, não com base no que está nos autos, mas no que o relator diz estar nos autos. É claro que isso também ocorre no julgamento de outros recursos, mas, com a existência de um voto vencido, há que se ter ainda mais cautela para se examinar se a razão está, ou não, com a maioria.

Por esses motivos, é altamente recomendável que, instaurada a divergência, o presidente da sessão suspenda o julgamento e determine a sua continuação em outra sessão. É desejável, ainda, que se abra vista dos autos aos novos julgadores para que tenham tempo de estudar o processo e estejam habilitados a votar na próxima sessão.

Por fim, é importante, sempre, conceder-se aos advogados das partes a oportunidade de renovar a sustentação oral, independentemente de a sessão ter prosseguimento na mesma data, e de o advogado ter sustentado no início do julgamento. Algumas câmaras do TJ/SP têm rejeitado pedidos de nova sustentação oral, argumentando que não faria sentido conceder-se novamente a palavra ao advogado, se os novos julgadores já assistiram à primeira sustentação. Considerando que o objetivo da lei é preservar o contraditório e a ampla defesa, permitindo-se que o advogado explore em sua sustentação os votos já proferidos, esse entendimento revela-se equivocado. Ademais, como o parágrafo 2o do art. 942 prevê que os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos, os advogados têm o dever de ofício de tentar a reconsideração dos votos já proferidos.

Em suma, não é por uma semana ou 15 minutos a mais que o processo se tornará moroso. Tão importante quanto a duração razoável do processo é a qualidade da decisão judicial. Espera-se que os tribunais tenham consciência da importância da técnica de julgamento estendido e que a apliquem com cautela, privilegiando, sempre, o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.

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*Ricardo Quass Duarte é mestre pela USP e Columbia University e sócio de Trench Rossi Watanabe.

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