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A cena que Debret não retratou

Há poucos meses, presenciei, no Fórum Criminal Central de São Paulo, uma cena vergonhosa que jamais havia visto em cinco décadas de advocacia criminal.

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Atualizado em 24 de setembro de 2019 17:21

Entre tantas glórias de sua existência, o Brasil possui uma mácula indelével: a escravidão.

Foi o último país do mundo a abolí-la. Mesmo após a proibição do tráfico de escravos, eles continuaram a chegar clandestinamente à nossa costa, inclusive naquele que é hoje um dos cartões postais de Pernambuco: Porto de Galinhas, onde a referência a tais aves, na verdade, significava seres humanos...

Um dos mais importantes retratistas daquele triste período foi o pintor francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848), que integrou a Missão Artística Francesa em 1817.

Seus desenhos mostram a desumanidade praticada contra os escravos: sendo açoitados amarrados ao tronco em praça pública, ou, nesta, sentados no chão com braços e pernas presos a pesadas estruturas de madeira; com armações desse material ou de ferro em torno do pescoço, ou até rodeando toda a cabeça para os "fujões" recapturados...

Há poucos meses, presenciei, no Fórum Criminal Central de São Paulo, uma cena vergonhosa que jamais havia visto em cinco décadas de advocacia criminal: três presos, recém-saídos de uma audiência, ladeados por policiais militares, eram conduzidos pelos corredores.

O braço direito do terceiro passava pelo ombro direito do segundo, sendo algemado à mão esquerda deste, junto ao seu peito; o braço direito do segundo, por sua vez, passava pelo ombro direito do primeiro, sendo algemado à mão esquerda deste na altura do peito.

E, assim, entortados e cambaleantes, seguiam para a carceragem, em vergonhosa marcha. Isto em pleno século XXI, no maior Fórum Criminal da maior cidade brasileira...

Levei ao conhecimento da Associação dos Advogados de São Paulo e da Seccional da OAB o que, lamentavelmente, vem ocorrendo, e estou certo de que ambas solicitarão ao Tribunal de Justiça urgentes providências.

Mas não posso deixar de compartilhar minha indignação com os colegas criminalistas, juízes e promotores.

Afinal, se essa abjeta cena ocorresse durante a escravidão, Debret certamente não teria deixado de retratá-la...

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*Roberto Delmanto é advogado.

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