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A controvérsia da inclusão da TUST/TUSD na base de cálculo do ICMS na energia elétrica. Ano de 2018 - ajuizar ou aguardar?

Da análise dos precedentes, bem como manifestações positivas do MPF, concluímos que é grande a possibilidade do desfecho desta discussão jurídica ser positiva aos contribuintes, inexistindo motivos para que não se ajuízem demandas relativas ao assunto.

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Atualizado em 25 de setembro de 2019 15:09

Diante de toda as incertezas do atual cenário judicial da famosa tese, ainda vale a pena distribuir ações?

 

Para se falar deste assunto, o primeiro apontamento que devemos fazer é a adoção da energia elétrica como mercadoria, para fins tributários, sem nenhuma controvérsia quanto a isso tanto na doutrina como na jurisprudência.

 

No entanto, não podemos olvidar que se trata de uma mercadoria com suas peculiaridades, uma vez que esta não é a tradicional mercadoria que estamos acostumados a ir em um estabelecimento e comprar. Esta mercadoria não podemos tocá-la, mas não há dúvidas que a adquirimos e utilizamos.

 

Há muitos anos a tese sobre a da inclusão da TUST/TUSD na base de cálculo do ICMS na energia elétrica vem sendo debatida pelos estudiosos de Direito Tributário, e inúmeros consumidores que se sentiram lesados pela inclusão de tais tarifas na base de cálculo do imposto demandaram em face de seus respectivos Estados de domicílio.

 

Aqui é necessário um esclarecimento: a diferença entre consumidores livres x consumidores cativos.

 

Temos na figura de consumidores livres aqueles estabelecimentos que demandam energia elétrica em grande quantidade, mais precisamente acima do 10.000 Kw, em tensão igual ou superior a 69 Kv, os quais podem optar por contratar seu fornecimento, no todo ou em parte, com produtor independente de energia elétrica. Ou seja, este consumidor pode adquirir efetivamente a energia de uma geradora "X" e contratar a distribuição dessa energia com "Y". Enquadram-se nessa categoria muitas indústrias, por exemplo.

 

Por outro lado, temos a figura dos consumidores cativos, pessoas físicas ou jurídicas que consomem energia elétrica em quantidade inferior àquela, não podendo estes contratar energia elétrica livremente, estando vinculados às distribuidoras concessionárias que atendem a região de seus domicílios, ficando o distribuidor responsável por cobrar todos os custos e encargos da cadeia produtiva anterior (geração, distribuição e transmissão).

 

Deste modo, haja vista o STJ e STF entenderem que o consumidor final é o contribuinte do imposto (contribuinte de direito e contribuinte de fato, concomitantemente), tais consumidores livres se insurgiram a fim de que a TUST/TUSD não fossem incluídas na base de cálculo do ICMS, sendo depois a mesma tese utilizada pelos consumidores cativos

 

Em resumo, o contribuinte (consumidor final), somente deve pagar o ICMS por adquirir a energia elétrica em si, não devendo ser incluído na base de cálculo desse imposto as tarifas de transmissão e distribuição.

 

Após grande controvérsia nos Tribunais de cada Estado da Federação, e em razão da necessidade de pacificação do entendimento, o STJ foi inevitavelmente obrigado a se manifestar e em um primeiro momento decidiu pela não inclusão da TUST e da TUSD na base de cálculo do ICMS, com fundamentação de que essas tarifas remuneram o exercício de uma atividade meio de "transporte de energia elétrica", fugindo da tipificação do tributo (AgRg nos EDcl no REsp 1.267.162/MG, AgRg no REsp 1.278.024/MG).

 

No entanto, após anos adotando o entendimento acima mencionado, a Primeira Turma do STJ, no EREsp 1163020/RS, um dos recursos selecionados como representativos de controvérsia, de relatoria do ministro Gurgel de Faria, sinalizou em sentido contrário ao já pacificado. No acórdão do referido recurso, em votação apertada na qual foram vencidos os ministros Napoleão Nunes Maia Filho e Regina Helena Costa, fora decidido que as tarifas em comento integram a base de cálculo do imposto, em razão da indissociabilidade das fases de geração, transmissão e distribuição da energia elétrica, sendo que o custo referente a cada etapa compõe o preço final repassado aos consumidores, o qual se revela como a base de cálculo do imposto.

 

Conforme assentado pela imensa maioria de doutrinadores, bem como jurisprudência amplamente predominante nos tribunais superiores do nosso país, a mera circulação física de mercadoria não enseja a incidência do imposto em questão, tampouco os serviços de transporte de transmissão e distribuição da energia elétrica, de modo que apenas a transferência jurídica do bem faz nascer o dever jurídico de pagar o ICMS.

 

A questão do entendimento contrário, agora em evidência no aresto supramencionado, se limita a pautar-se na indissociabilidade das etapas anteriores ao consumo (geração, transmissão, distribuição). Ou seja, a transferência jurídica se consumaria no ato seguinte ao da etapa de geração e ulterior consumo em cada residência ou estabelecimento.

 

Resta cristalino que o elemento temporal do fato gerador da relação tributária envolvendo energia elétrica se dá em seu consumo. A legislação brasileira assim o fez. Nada obstava que o legislador escolhesse a geração ou distribuição como momento da ocorrência do fato gerador, porém ao seu alvedrio, optou pelo consumo. A título de exemplo e curiosidade, como bem menciona o saudoso e eterno professor Ricardo Lobo Torres, na Itália, a legislação italiana fixou como elemento temporal da hipótese de incidência do imposto o momento da produção de energia elétrica.

 

Retornado ao núcleo do dissídio, considerando que existem 4 atividades relacionadas à energia elétrica (geração, transmissão, distribuição e comercialização) e a recente diretriz da Primeira Turma do STJ no sentido de entender que tais etapas são indissociáveis, a primeira indagação que surge aos profissionais e estudiosos do mundo jurídico é se tal mudança de entendimento, haja vista a jurisprudência pacífica do guardião das leis federais até o polêmico julgado, macula um dos princípios mais basilares de nosso ordenamento: segurança jurídica.

 

O princípio da segurança jurídica, considerado cláusula pétrea pela Corte Suprema, nos ensina que a coisa julgada deve, em regra, fazer com que a tutela jurisdicional se torne imutável e definitiva, ressalvadas as hipóteses previstas ao cabimento de ação rescisória.

 

Tal discussão já fora levada ao STF, porém julgando o RE 1.041.836, a Suprema Corte brasileira manifestou-se pela inexistência de questão constitucional.

 

Atualmente, os processos que tratam sobre o assunto se encontram sobrestados em âmbito nacional, afetado sob o número 986, sendo escolhidos para o julgamento por amostragem três recursos: REsp 1.692.023, REsp 1.699.851 e EREsp 1.163.020.

 

Da análise dos precedentes, bem como manifestações positivas do MPF, concluímos que é grande a possibilidade do desfecho desta discussão jurídica ser positiva aos contribuintes, inexistindo motivos para que não se ajuízem demandas relativas ao assunto, visando que no momento da decisão a ser exarada em sede de recurso repetitivo o processo já esteja em fase mais avançada no rito processual e também prevenindo eventual modulação de efeitos que possa ser adotada pelo STJ.

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*Vinicius Lima Mendes da Cunha
é advogado.

*Lucas Prates Rodrigues é advogado.

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