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OAB leva ao STF simplificação tributária dos pequenos

Saul Tourinho Leal e Cristiane Guedes

Num país que se habituou a se referir ao seu sistema de tributação como "carnaval tributário" ou "manicômio tributário", a solução encontrada pela Constituição foi essa: simplificar para prosperar. Daí a oportunidade de o STF, nos autos da ADIn 6030, ingressar numa temática que, como se vê, é essencialmente constitucional.

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Atualizado em 25 de setembro de 2019 16:31

O Conselho Federal da OAB ajuizou no STF a ADIn 6030, com pedido de cautelar, contra o art. 13, §1º, XIII, alíneas 'a'; 'g' item 2; e 'h', da LC 123/06 (Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte), que disciplinam o recolhimento mensal de ICMS nas hipóteses de operações sujeitas ao regime de substituição tributária, tributação concentrada em etapa monofásica, e sujeitas ao regime de antecipação do recolhimento do imposto com encerramento de tributação, envolvendo o rol de produtos estabelecidos na alínea "a" do referido artigo.

A ADIn também toca as incidências de ICMS nas operações com bens ou mercadorias submetidas a regime de antecipação do recolhimento do imposto, nas aquisições em outros Estados e Distrito Federal, sem encerramento da tributação, sendo que, nesta hipótese, será cobrada a diferença entre a alíquota interna e a interestadual, vedado o acréscimo de qualquer valor, incluindo-se as aquisições em outros Estados e no Distrito Federal de bens ou mercadorias que não se subordinam ao regime de antecipação do recolhimento deste, relativo à diferença entre a alíquota interna e a interestadual.

Para a OAB, tais comandos violam a isonomia. A alíquota oriunda das transações interestaduais e a incidência da substituição tributária no Regime do Simples violariam o tratamento constitucional diferenciado destinado às microempresas e empresas de pequeno porte optantes do Simples Nacional, a fim de favorecê-las e facilitar-lhes os trâmites burocráticos.

A OAB aponta outros comandos constitucionais violados: a redução das desigualdades sociais (arts. 3º, III, e 170, VII), a busca do pleno emprego (art. 170, VIII), a promoção da concorrência e da pluralidade dos mercados (art. 170, §4º), a proteção do mercado interno (art. 219), os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV), além do desenvolvimento nacional (art. 3º, II).

Alega ainda que, apesar de a LC ter instituído recolhimento por meio de regime único de arrecadação, o que se trata de metodologia facilitadora ao pequeno empresário, há uma série de exceções, sendo essas ainda mais pormenorizadas no caso de ICMS. Segundo a proponente, tais questões se relacionam à substituição tributária, dificultando o recolhimento de impostos. Daí o pedido de inconstitucionalidade das referidas alíneas do art. 13 da LC 123/061.

Há pontos que demandam reflexão. De fato, à luz da Constituição, é preciso simplificar as obrigações tributárias dos pequenos atores da vida econômica nacional. Foi essa a opção do constituinte, normatizada no art. 179, que diz: "a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei".

O comando introduz uma ação afirmativa voltada ao desenvolvimento econômico e social brasileiro. O racional empregado é: impulso adicional aos que trabalham na base e controle aos que governam do topo.

Os pequenos constituem o ponto a partir do qual ordenamentos jurídicos de matriz social são estabelecidos. Distorções intrínsecas aos personagens da coletividade precisam ganhar da Constituição e da legislação pontos de reforço para que injustiças sejam corrigidas. Sem isso, jamais haverá isonomia (art. 5º, caput, da CF). Em matéria tributária, tais iniciativas promovem o desenvolvimento econômico e social do país.

Para os pequenos, a simplificação, redução ou mesmo eliminação das obrigações tributárias é um imperativo constitucional. Tudo regrado tanto pelo art. 179 como, após a EC 6, de 1995, pelo art. 170, IX, que traz, como um dos princípios da ordem econômica, o "tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País".

Em 2003, a EC 42 conferiu a seguinte redação ao art. 146, III, d, da Constituição: Cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do ICMS (art. 155, II), das contribuições sociais previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239 (PIS/PASEP). Precisamos simplificar. Aqui, complicar pode ser inconstitucional.

A respeito dessa lógica, Luigi Zingales, professor da Escola de Negócios da Universidade de Chicago, falando sobre a regulação em geral, anota que "se ela for complexa demais, as pessoas não podem compreendê-la e, dessa forma, não podem participar devidamente na democracia". Logo, "simplificar as leis é essencial para a construção de um capitalismo para o povo". Para Zingales, "regras simples permitem uma melhor comparação entre mercados realistas e regulação realista"2.

Há uma dimensão democrática na simplificação da forma pela qual as pessoas honram suas obrigações tributárias. Simplificação, redução ou eliminação, destaque-se. Facilita-se o controle dos atos públicos, esclarece-se os cidadãos a respeito do conteúdo das leis às quais eles estão submetidos, eleva-se o nível de debate na esfera pública e fortifica-se a accountability republicana. É a concretização de princípios constantes do caput do art. 37 ("moralidade, publicidade e eficiência") e de outros comandos, a começar da cidadania, um dos fundamentos da República (art. 1º, II, da CF).

Esse conhecimento acerca das obrigações tributárias, possível apenas quando a forma de honrá-las é compreensível e, ainda melhor, simples, incrementa a própria forma de o povo exercer o poder, dando potência ao parágrafo único do art. 1º da Constituição, que diz: "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição".

Leis não devem existir para confundir. Elas representam, numa democracia, a parcela de restrição da liberdade que cidadãos conscientes e ativos se auto-impõem em nome de interesses coletivos relevantes. Se uma nação, por obsessões burocratizantes, ou por pendor autoritário, passa a elaborar normas de difícil ou impossível compreensão, não são mais as leis o legítimo instrumento de neutralidade que protege o povo do capricho dos homens.

O STF pontuou que a LC 123/06, conforme as diretrizes dos arts. 146, III, d, e parágrafo único; 170, IX; e 179 da Constituição, "visa à simplificação e à redução das obrigações dessas empresas, conferindo a elas um tratamento jurídico diferenciado, o qual guarda, ainda, perfeita consonância com os princípios da capacidade contributiva e da isonomia" (RE 627.543, min. Dias Toffoli, DJe 29/10/2014).

Num país que se habituou a se referir ao seu sistema de tributação como "carnaval tributário" ou "manicômio tributário", a solução encontrada pela Constituição foi essa: simplificar para prosperar. Daí a oportunidade de o STF, nos autos da ADIn 6030, ingressar numa temática que, como se vê, é essencialmente constitucional.

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1 Art. 13. O Simples Nacional implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições: XIII - ICMS devido: a) nas operações sujeitas ao regime de substituição tributária, tributação concentrada em uma única etapa (monofásica) e sujeitas ao regime de antecipação do recolhimento do imposto com encerramento de tributação, envolvendo combustíveis e lubrificantes; energia elétrica; cigarros e outros produtos derivados do fumo; bebidas; óleos e azeites vegetais comestíveis; farinha de trigo e misturas de farinha de trigo; massas alimentícias; açúcares; produtos lácteos; carnes e suas preparações; preparações à base de cereais; chocolates; produtos de padaria e da indústria de bolachas e biscoitos; sorvetes e preparados para fabricação de sorvetes em máquinas; cafés e mates, seus extratos, essências e concentrados; preparações para molhos e molhos preparados; preparações de produtos vegetais; rações para animais domésticos; veículos automotivos e automotores, suas peças, componentes e acessórios; pneumáticos; câmaras de ar e protetores de borracha; medicamentos e outros produtos farmacêuticos para uso humano ou veterinário; cosméticos; produtos de perfumaria e de higiene pessoal; papéis; plásticos; canetas e malas; cimentos; cal e argamassas; produtos cerâmicos; vidros; obras de metal e plástico para construção; telhas e caixas d'água; tintas e vernizes; produtos eletrônicos, eletroeletrônicos e eletrodomésticos; fios; cabos e outros condutores; transformadores elétricos e reatores; disjuntores; interruptores e tomadas; isoladores; para-raios e lâmpadas; máquinas e aparelhos de ar-condicionado; centrifugadores de uso doméstico; aparelhos e instrumentos de pesagem de uso doméstico; extintores; aparelhos ou máquinas de barbear; máquinas de cortar o cabelo ou de tosquiar; aparelhos de depilar, com motor elétrico incorporado; aquecedores elétricos de água para uso doméstico e termômetros; ferramentas; álcool etílico; sabões em pó e líquidos para roupas; detergentes; alvejantes; esponjas; palhas de aço e amaciantes de roupas; venda de mercadorias pelo sistema porta a porta; nas operações sujeitas ao regime de substituição tributária pelas operações anteriores; e nas prestações de serviços sujeitas aos regimes de substituição tributária e de antecipação de recolhimento do imposto com encerramento de tributação; g) nas operações com bens ou mercadorias sujeitas ao regime de antecipação do recolhimento do imposto, nas aquisições em outros Estados e Distrito Federal: 2. sem encerramento da tributação, hipótese em que será cobrada a diferença entre a alíquota interna e a interestadual, sendo vedada a agregação de qualquer valor; h) nas aquisições em outros Estados e no Distrito Federal de bens ou mercadorias, não sujeitas ao regime de antecipação do recolhimento do imposto, relativo à diferença entre a alíquota interna e a interestadual;

2 Um capitalismo para o povo: reencontrando a chave da prosperidade americana. SP: BeT Comunuicação, 2015, pp. 181/183.

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*Saul Tourinho Leal é doutor em Direito Constitucional pela PUC/SP. Integra Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia.

 

*Cristiane Guedes é acadêmica de Direito do IDP. Colaboradora de Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia.

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