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A proibição do acionista-administrador aprovar suas contas e os efeitos práticos

Felipe Kim e Luciano Campos

Na ausência de orientações explícitas da CVM no passado, alguns acionistas-administradores adotaram determinadas estruturas para atuar como administrador e aprovar suas contas. Algumas dessas estruturas foram examinadas pela CVM, conforme analisadas a seguir.

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Atualizado em 25 de setembro de 2019 17:52

A lei 6.404/76 (lei das S.A.) prevê, em seu artigo 115, o dever dos acionistas de votarem no interesse da companhia e qualifica o voto abusivo como o voto exercido com o fim de causar danos à companhia, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e que resulte ou possa resultar, em prejuízo para a companhia ou para outros acionistas. O voto abusivo é associado a situações de conflitos de interesses, isto é, nas quais o interesse do acionista pode ser em oposição ao interesse da companhia, de forma que mister se faz o acionista se abster de votar em tais casos, sob pena de ser caracterizado voto abusivo.

 

Dentre as matérias de conflito de interesse, o parágrafo 1º do referido artigo 115 trata das deliberações em que o acionista está expressamente proibido de votar. Vale destacar, em especial, a obrigação do acionista-administrador de se abster de votar na aprovação de contas da administração. Essa abstenção, em alguns casos, pode resultar na delegação do poder de aprovar as contas da companhia aos minoritários.

Na ausência de orientações explícitas da CVM no passado, alguns acionistas-administradores adotaram determinadas estruturas para atuar como administrador e aprovar suas contas. Algumas dessas estruturas foram examinadas pela CVM, conforme analisadas a seguir.

 

(i) CVM proíbe acionista-administrador de exercer o voto por meio de uma Holding

 

No processo administrativo sancionador CVM RJ2014/10060, julgado em 10/11/15, sob a relatoria do diretor Pablo Renteria, o colegiado da CVM condenou acionista-administrador de companhia que votou, por meio de empresas holding cujo único acionista era o próprio acionista-administrador, pela aprovação das contas da administração da qual fazia parte. No processo, o acusado defendeu a tese de que a CVM estaria desconsiderando o princípio da separação da pessoa jurídica da figura de seus sócios, assumindo que o voto teria sido feito pelo acionista e não pela holding. No entendimento da CVM, entretanto, como o acusado era o único acionista da holding que votou pela aprovação das contas, "a manifestação última de vontade dessas empresas (de único sócio) é a manifestação de vontade de seu controlador e único sócio". Dessa forma, a ampliação da norma para abranger também a holding seria mero instrumento para assegurar o cumprimento da finalidade do instituto do artigo 115 da lei das S.A.

 

(ii) CVM pune acionista-administrador membro do Conselho de Administração que não participa da reunião deliberando as contas e vota na assembleia geral

 

O outro argumento do acusado no mesmo processo administrativo era o de que ele era membro do Conselho de Administração e não da diretoria e, ainda, este não compareceu à reunião do Conselho que apreciou as contas elaboradas pela diretoria. O colegiado da CVM decidiu, no entanto, que a norma aplicável determina a proibição aos administradores de forma geral, incluindo tanto o diretor como o membro do conselho da administração. Adicionalmente, entendeu que pouco importa se o acionista-administrador participou ou não da reunião que apreciou as contas da administração, pois o fato é que ao votar na Assembleia Geral, o acusado outorgou para si mesmo quitação, exonerando-se de responsabilidade perante a companhia, o que é ilegal. Considerando os argumentos nos itens (i) e (ii), o acusado foi condenado à penalidade de inabilitação temporária pelo prazo de 5 anos para o exercício do cargo de administrador ou conselheiro fiscal de companhias abertas.

 

(iii) CVM considera irregular a transferência das ações do acionista-administrador antes da assembleia geral que delibera pela aprovação das contas

 

Na mesma linha, no processo administrativo sancionador CVM RJ2014/10556, julgado em 24/10/17 sob a relatoria de Pablo Renteria, o colegiado da CVM entendeu pela condenação de acusado pela infração ao disposto no artigo 115 da lei das S.A. O caso se assemelha ao anterior, pois o acionista-administrador transferiu suas ações para empresa por ele controlada para votar em matéria de seu interesse pessoal, em sede de assembleia de acionistas.

A diferença reside no fato de que, nesse caso, além da aprovação das contas, estava sendo deliberada a propositura pela companhia de ação social de responsabilidade civil contra o mesmo acionista-administrador. O acusado votou, por meio de empresa por ele controlada, pelo adiamento da discussão sobre a propositura da ação. Novamente, a CVM entendeu a conduta do acusado como culpável.

 

(iv) CVM considera irregular voto do acionista-administrador por meio de procurador

 

Além disso, a defesa tentou, no mesmo processo administrativo, arguir que o voto da sociedade controlada pelo acionista-administrador foi exercido por procurador, por meio de instrumento de mandato, e, por este motivo, o procurador teria atuado de acordo com seu melhor juízo. No entanto, o argumento da defesa não prosperou, pois, o colegiado entendeu que a natureza fiduciária da relação do mandato impunha o voto do procurador no interesse do acionista-administrador.

 

(v) Aplicação da proibição de voto a ações integrantes de acordo de voto

 

Apesar das decisões acima, a CVM ainda não analisou a vedação de voto para aprovar as contas de acionista-administrador parte de acordo de acionistas que regulam voto. Nos casos de acordo de acionistas, geralmente, as ações pertencentes ao grupo são usadas de modo uniforme de acordo com a vontade da maioria ou do mecanismo previsto no acordo de voto. Em caso de abstenção, omissão ou ausência o acionista parte do acordo, conforme previsto pelo artigo 118 da lei das S.A., é assegurada à parte prejudicada do acordo de acionistas o direito de votar com as ações pertencentes ao acionista ausente ou omisso.

Para a aprovação de contas da administração, as ações do acionistas-administrador, mesmo que este tenha exercido sua abstenção, podem ser usadas pelas demais partes do acordo de voto para aprovar as contas, se assim previsto no acordo. Nessa hipótese, o acionista administrador poderia alegar que se absteve, observando a lei. Todavia, conforme previsto no parágrafo 2º do artigo 118 da lei das S.A., o acionista-administrador não pode invocar o acordo de voto em bloco para eximir-se das responsabilidades decorrentes do exercício do direito de voto em relação às suas respectivas ações.

Conforme previsto na lei aplicável, o voto do acionista-administrador em assembleia geral que delibere sobre as suas contas é voto ilegal, não importando o conteúdo do voto ou mesmo a intenção do acionista. Caso seja exercido nessa situação, o voto poderá ser questionado independente da análise de outros elementos, como motivação ou mérito da decisão.

Apesar da questão ainda não ter sido objeto de exame pela CVM, recomendamos que as ações do acionista-administrador não sejam utilizadas nas deliberações sociais que tratam sobre a aprovação de contas da administração, independente da participação ou não deste acionista de eventuais reuniões prévias do bloco de controle que este faça parte como signatário de acordo de acionistas.

Sendo assim, de modo a mitigar questionamentos (por parte da CVM, demais acionistas e terceiros), sugerimos a inclusão no acordo de acionistas de cláusula de exceção ao voto em bloco para as ações pertencentes aos acionistas que assumirem cargos da administração para que suas ações sejam excluídas das deliberações para aprovação de contas, vedando o uso de suas ações pelas demais partes do acordo de voto nessa situação.

__________

*Felipe Kim é sócio do Tauil & Chequer Advogados associado ao Mayer Brown LLP.






 

 

 

 

*Luciano Campos é associado do Tauil & Chequer Advogados associado ao Mayer Brown LLP.



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