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Direito de propriedade e deveres de propriedade: divisão por fração ideal nos condomínios

É dever de propriedade, ou seja, advém do próprio regime jurídico constitucional e legal, a atribuição do proprietário contribuir para com o condomínio em proporção de sua fração ideal, salvo se os próprios condôminos tiverem adotado outra linha de divisão na Convenção de Condomínio.

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Atualizado em 26 de setembro de 2019 14:39

As normas constitucionais são o pilar de construção de compreensões e desenvolvimentos hermenêuticos para aplicação aos casos concretos e conflitos sociais. Entretanto, por vezes suas determinações ou consequências são deixadas em segundo plano, abordando-se diretamente as normas infraconstitucionais. Embora em diversos casos a questão não gere maiores problemas, há sempre a potencialidade de conflitos que se enveredam em verdadeiras conturbações sociais a atingir o âmbito privado do patrimônio.

Um desses temas é a existência ou não de dever do condômino em contribuir para com os valores de taxa de condomínio, seja com despesas ordinárias, seja com despesas extraordinárias, em proporção com sua fração ideal de imóvel. A perspectiva aqui levantada é ligada ao direito de propriedade como um direito fundamental, mas que se coliga a deveres diretamente extraídos da própria norma constitucional.

O artigo 5º da Constituição, logo em seu caput, garante o direito de propriedade, seguindo-se disposição nos incisos XXII e XXIII a enfatizar a garantia de propriedade, mas simultaneamente a determinar seu uso em função social. Ao lado de ser acobertada com garantias, a propriedade também é encarregada de deveres constitucionais e legais. A função socioambiental da propriedade, de um lado, e uma garantia-dever de propriedade de outro. Esta última está ligada às chamadas obrigações propter rem, que aderem ao bem, passando de um proprietário a outro.

As propriedades em condomínio estão ligadas a um misto de garantia-dever, isso porque estão simultaneamente a compor um todo que integra a propriedade indivisível. Um apartamento, mesmo sendo propriedade de dada pessoa, simultaneamente compõe em fração ideal a propriedade de todos aqueles que são os demais condôminos. Em outras palavras, há um dever de propriedade da fração ideal para com o todo a que se integra o imóvel.

Há aqui presença de uma necessária desconstrução de imagem presente no senso comum. Em condomínios residenciais, geralmente, há a ideia de que coberturas ou apartamentos com maior fração ideal possuem o mesmo quantitativo de fração nas partes comuns do imóvel. Em outras palavras, imagina-se que se a parte comum do imóvel for de 1000 m², e forem 10 unidades, cada uma das unidades será titular de indeterminados 100 m² no todo da parte comum. Isto não corresponde à verdade normativa, não é o que está previsto em lei e não é o que se extrai do direito constitucional de propriedade. Os 1000 m² da parte comum não são repartidos igualmente entre todos os moradores condôminos.

A composição da titularidade ideal das partes comuns é identificada em diversos diplomas legais. Os condôminos são titulares de diversas frações ideais no terreno, o que implica diversa titularidade em fração ideal no todo da propriedade. O Código Civil determina:

Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos.

§3º. A cada unidade imobiliária caberá, como parte inseparável, uma fração ideal no solo e nas outras partes comuns, que será identificada em forma decimal ou ordinária no instrumento de instituição do condomínio.

§3º. A cada unidade imobiliária caberá, como parte inseparável, uma fração ideal no solo e nas outras partes comuns, que será identificada em forma decimal ou ordinária no instrumento de instituição do condomínio.

Os condôminos não são proprietários em "igual quantidade" no todo da parte comum. Embora não possam legalmente excluir-se uns ou outros do uso da parte comum, em termos de titularidade da fração comum, não são proprietários no "mesmo quantum ou tanto". Os condôminos possuem participação diferente na área comum, de acordo com sua fração ideal. Portanto, se um dos dez moradores for proprietário da cobertura, como sua unidade individual é maior, ele também terá maior parcela da fração ideal.

A forma do cálculo da fração ideal e parte autônoma no todo foi firmada na ABNT 12.721/05, a dispor:

3.6 unidade autônoma: Parte da edificação vinculada a uma fração ideal de terreno e coisas comuns, sujeita às limitações da lei, constituída de dependências e instalações de uso privativo e de parcela das dependências e instalações de uso comum da edificação, destinada a fins residenciais ou não, assinalada por designação especial numérica ou alfabética, para efeitos de identificação e discriminação.

3.13 fração ideal: Fração expressa de forma decimal ou ordinária que representa a parte ideal do terreno e coisas de uso comum atribuída à unidade autônoma, sendo parte inseparável desta.

O princípio lógico que se expressa é claro: aquele que possui maior quantitativo na propriedade comum, responde na respectiva proporção pelos dispêndios investidos no todo da propriedade. Não se trata aqui de uma questão de utilização ou não, mas sim de um critério patrimonial. A unidade de dimensão para o cálculo é o patrimônio, e não o uso. Exemplificando. Aquele que possui um veículo mais valioso do que outro, independentemente se o utiliza ou não na mesma proporção, pagará um IPVA maior.

O condomínio é uma relação de propriedades. Quando se trata de despesas condominiais, quanto maior a fração da propriedade, maior deve ser a contribuição do proprietário. Trata-se de um dever oriundo do direito de propriedade. Aqui repousa a razão de proprietários com maior área terem a obrigação pressuposta de arcar com maiores taxas condominiais.

Quando se realiza um investimento no todo do imóvel, aqueles que possuem maior quantitativo de fração ideal são patrimonialmente mais beneficiados. A denominada injustiça ou enriquecimento ilícito entre condôminos ocorreria se houvesse o contrário. Suponha-se. Se um imóvel é de propriedade de três pessoas, sendo que duas delas possuem 20% do imóvel e a terceira possui 60%, ratear a despesa de investimento neste imóvel em três partes iguais viola a isonomia ou igualdade, justamente porque a cada R$ 1,00 de valorização da parte comum objeto de investimento, R$ 0,60 são vinculados à parcela de propriedade daquele último indivíduo no todo.

Neste sentido, o Código Civil determina que a contribuição condominial será proporcional à fração ideal da propriedade. Somente a vontade dos condôminos como um todo, já que se trata de direito disponível, direito patrimonial, pode afastar a linha pressuposta do dever de propriedade.

Art. 1.334. Além das cláusulas referidas no art. 1.332 e das que os interessados houverem por bem estipular, a convenção determinará:

I - a quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos condôminos para atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio;

A permissão de que a vontade dos condôminos como um todo afasta a presunção normativa repousa na lei 4.591/64, igualmente a determinar que a quota de participação dos condôminos é proporcional à fração ideal no todo da propriedade.

Art. 12. Cada condômino concorrerá nas despesas do condomínio, recolhendo, nos prazos previstos na Convenção, a quota-parte que lhe couber em rateio.

§ 1º Salvo disposição em contrário na Convenção, a fixação da quota no rateio corresponderá à fração ideal de terreno de cada unidade.

O critério de participação da propriedade no todo é o determinante. Nesse sentido, o STJ, em recente julgado, datado de setembro de 2018, ratificou o tema, firmando:

AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. CONDOMÍNIO EDILÍCIO. FORMA DE PAGAMENTO DAS TAXAS CONDOMINIAIS. FRAÇÃO DE CADA UNIDADE. CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO. SÚMULAS 5 E 7/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. A lei de regência dos condomínios em edificações (lei 4.591/64), em seu art. 12, caput e § 1º, estabelece a obrigação de cada condômino arcar com as despesas condominiais na proporção de sua quota-parte. Em regra, a aludida quota-parte deve corresponder à fração ideal do terreno de cada unidade, podendo a convenção condominial dispor em sentido diverso.

2. No caso, as instâncias ordinárias, mediante análise das cláusulas da Convenção de Condomínio, bem como da ata da Assembleia Geral Extraordinária realizada com o objetivo de discutir e aprovar a Convenção do condomínio, entenderam que ficou provado nos autos que os condôminos escolheram o sistema de cobrança da taxa de condomínio a partir do critério das frações ideais. Súmulas 5 e 7/STJ.

3. Agravo interno a que se nega provimento.

(STJ - AgInt nos EDcl no AREsp 1169871/RS, rel. ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 11/09/18, DJe 14/9/18)

Conclui-se assim que é dever de propriedade, ou seja, advém do próprio regime jurídico constitucional e legal, a atribuição do proprietário contribuir para com o condomínio em proporção de sua fração ideal, salvo se os próprios condôminos tiverem adotado outra linha de divisão na Convenção de Condomínio. Proprietários que possuam cobertura ou área de imóvel maiores devem arcar com a respectiva proporção nos valores das taxas condominiais, seja nas ordinárias, seja nas extraordinárias.

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*Marcelo Kokke é pós-doutor em Direito Público, mestre e doutor em Direito. Especialista em processo constitucional. Procurador Federal da Advocacia-Geral da União.

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