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O processamento da recuperação judicial como alternativa do devedor em um cenário de crise econômica e suas implicações ao credor

A recuperação judicial é uma importante e estruturada ferramenta do Devedor no intuito de garantir a preservação da empresa, ferramenta essa à qual diversas empresas recorreram com a agravação da crise econômica nacional.

terça-feira, 13 de novembro de 2018

Atualizado em 27 de setembro de 2019 16:40

1. Introdução

O presente artigo busca analisar a utilização da recuperação judicial como instrumento do devedor, visando reestabelecer-se diante de uma crise econômica. Para tanto, será realizada breve análise da lei 11.101/05, demonstrando-se as medidas a serem tomadas pelo devedor, com a participação e em consonância com os interesses dos credores, no intuito de viabilizar a efetiva recuperação da empresa e garantindo-se o equilíbrio entre os interesses das partes.

2. O processamento da recuperação judicial

A recuperação judicial objetiva, conforme previsão ipsis litteris do art. 47 da lei 11.101 de 9 de fevereiro 2005:

"...viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica."

 

É cediço que, com alarde da imprensa nacional e internacional, o Brasil entrou em recessão técnica no segundo trimestre do ano de 2014. O impulso para saída da recessão ocorreu no final daquele mesmo ano, mas com tímido crescimento no PIB, o que para os especialistas caracterizava, na prática, uma possível estagnação econômica.

Em 2015, fatores como o aumento do desemprego, inflação acima de 10%, alta do dólar e elevação das taxas de juros corroboraram para a mais significativa queda do PIB - 3,2% acumulado até o terceiro trimestre de 2015 - em quase 20 anos, segundo dados do IBGE - Contas Nacionais Trimestrais.

Com esses dados, já no ano de 2016 os jornais falavam na pior crise da história. Os indicativos do SERASA demonstram que, naquele ano, foram 1.863 (mil oitocentos e sessenta e três) pedidos de recuperação judicial, contra 874 (oitocentos e setenta e quatro) pedidos registrados em 2013. Revela-se um assustador crescimento de 213% de pedidos de recuperação judicial dentre empresas micro, pequenas, médias e de grande porte, com base nos dados oficiais.

O ano de 2017 começou pouco otimista, evidenciados fatores como o aumento da pobreza, desemprego, estagnação econômica, dentre outros. Nesse cenário, 2017 somou 1.420 (mil quatrocentos e vinte) requerimentos de recuperação judicial, segundo dados do SERASA.

Apenas no segundo semestre de 2017 e início do ano de 2018 a economia reagia, ainda de forma comedida. Nesse contexto, o crescimento previsto para o produto potencial em 2018, segundo o BNDES, é de apenas 1,7%. Saliente-se que, até o mês de agosto de 2018, foram requeridas 982 (novecentas e oitenta e duas) Recuperações Judiciais.

Conforme abaixo, nota-se que o cenário econômico nacional contribuiu para o aumento de crises econômico-financeiras nas empresas, culminando em inadimplência e instigando a crescente busca pela preservação dos negócios e empreendimentos, busca essa instrumentalizada legalmente pela via da recuperação judicial:

 


 

Segundo dispõe o artigo 48 da lei que regula a recuperação judicial, lei 11.101/05, pode requerer a recuperação judicial o devedor que no momento do pedido exerça regularmente as suas atividades há mais de 2 (dois) anos, além de, cumulativamente, não ser falido ou, se foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as obrigações decorrentes da falência; não tenha obtido, há menos de 5 (cinco) anos, concessão de recuperação judicial, inclusive com base em plano de recuperação judicial para microempresas e empresas de pequeno porte e não tenha sido condenado e/ou não possua como sócio controlador ou administrador pessoa condenada por crimes falimentares.

Uma vez cumpridos esses requisitos, a empresa deve apresentar o requerimento de recuperação judicial perante juiz competente, devidamente assistida por advogado, bem como observados os documentos obrigatórios de instrução do pleito, conforme previsão do art. 51 da lei 11.101/2005.

Estando em consonância com as exigências legais, o magistrado deferirá o processamento da recuperação judicial, sendo esse ato o marco inicial das efetivas concessões ao devedor/recuperando para viabilizar seu reestabelecimento no mercado. Isso porque, neste momento, cabe ainda ao juiz adotar medidas como nomear administrador judicial, que deverá ser pessoa idônea, preferencialmente advogado, economista, administrador de empresas, contador ou pessoa jurídica especializada.

O magistrado, ainda no ato de deferimento do processamento, determinará a dispensa do fornecimento de certidões negativas para que o devedor/recuperando exerça suas atividades, com exceção de contratações com o Poder Público, ou para recebimento de incentivos e/ou benefícios fiscais e/ou creditícios, tudo nos termos do que dispõe o art. 52, II da lei 11.101/05. Tal medida visa resguardar o regular funcionamento da empresa, "blindando-a" para o alcance da finalidade da recuperação judicial.

Por conseguinte, como uma das mais relevantes das medidas instituídas pela lei 11.101/05, quando deferir a recuperação judicial o juiz ordenará ainda a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor/recuperando, ressalvadas as exceções legais. Note-se que toda a atuação do Poder Judiciário quando do deferimento da recuperação judicial gira em torno do princípio da preservação da empresa, buscando a conservação da atividade:

 

"(.) no princípio da preservação da empresa, construído pelo moderno Direito Comercial, o valor básico prestigiado é o da conservação da atividade (e não do empresário, do estabelecimento ou de uma sociedade), em virtude da imensa gama de interesses que transcendem os dos donos do negócio e gravitam em torno da continuidade deste; (...)"

 

Nesse ponto, qual seja, com a ordem expressa e legal de suspensão das ações em desfavor do devedor, reside uma das medidas mais impopulares entre os credores. Isso porque, após prováveis negociações infrutíferas no intuito de ver quitadas as obrigações do devedor, o credor parte para a esfera judicial visando resguardar o recebimento de seu crédito e, num cenário já conhecido pela lentidão do processamento das ações judiciais, vê sua demanda suspensa por 180 (cento e oitenta) dias em razão do deferimento da recuperação judicial.

À primeira vista é evidentemente complicado para o credor, no cenário descrito, vislumbrar algo de positivo na medida. No entanto, considerado o fato de que a recuperação do crédito está diretamente ligada à solvência do devedor, ou seja, à existência de ativo apto a garantir a dívida, em regra, a recuperação judicial é tida como a mais viável forma de reestruturação econômica e preservação da atividade empresarial, visando garantir meios de adimplência.

Com esse foco, não param por aí as medidas a serem tomadas pelo magistrado, que no ato ordenará ainda que o devedor/recuperando apresente mensalmente as contas demonstrativas da empresa, enquanto perdurar a recuperação judicial, ordem essa que, se descumprida, viabiliza a destituição de seus administradores.

Deverá, ainda, ser ordenada pelo magistrado a intimação do Ministério Público, cabendo-lhe apenas o papel de fiscalizador, intervindo conforme sua legitimidade, vez que os interesses em debate são, em regra, particulares. Imprescindível, ainda, conforme previsão legal, a comunicação por carta às Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento.

Finalmente, caberá ao magistrado em sua decisão inicial ordenar a publicação de edital, em órgão oficial, conforme § 1º do art. 52 da lei 11.101/05, in verbis:

 

§ 1o O juiz ordenará a expedição de edital, para publicação no órgão oficial, que conterá:

I - o resumo do pedido do devedor e da decisão que defere o processamento da recuperação judicial;

II - a relação nominal de credores, em que se discrimine o valor atualizado e a classificação de cada crédito;

III - a advertência acerca dos prazos para habilitação dos créditos, na forma do art. 7o, § 1o, desta lei, e para que os credores apresentem objeção ao plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor nos termos do art. 55 desta lei.

 

A partir desse marco, qual seja, da efetiva publicação do edital previsto, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias, conforme art. 7º, § 1º da lei 11.101/05, para que os credores apresentem ao administrador judicial suas habilitações ou as suas divergências acerca dos créditos arrolados pelo devedor/recuperando.

Evidenciada está a ativa participação do credor no processamento da recuperação judicial, desde a formação do quadro de credores até, como será visto adiante, a efetiva aprovação do plano de recuperação judicial por meio de assembleia.

Tal providência de habilitação do crédito é de extrema relevância para resguardar o recebimento dentro do plano de recuperação judicial a ser homologado, vez que é com base nessas informações que o administrador judicial fará publicar por meio de edital a relação de credores.

Insta salientar que, após a publicação do edital com a relação de credores pelo administrador judicial, poderá ainda o credor apresentar impugnação, dirigida ao juiz, apontando a ausência de qualquer crédito, ou manifestando-se contra a legitimidade, importância ou classificação do crédito relacionado. Têm ainda legitimidade para referida impugnação o devedor ou seus sócios ou o Ministério Público, tudo conforme dispõe o art. 8º da lei 11.101/05.

Destaque-se que, se não observado o prazo de 15 (quinze) dias para apresentação ao administrador judicial das habilitações ou divergências dos créditos pelos credores, eventual habilitação será recebida como retardatária. Essa habilitação de crédito retardatária será processada como impugnação pelo juízo competente, se apresentada antes da homologação do plano de recuperação judicial, bem como implicará na ausência de direito a voto, por parte do credor, nas deliberações da assembleia de credores, ressalvados os créditos de origem trabalhista.

Uma vez julgadas as impugnações, caberá ao administrador judicial consolidar o quadro geral de credores, consideradas as relações de credores apresentadas e os resultados dos julgamentos das impugnações, devendo tal consolidação ser homologada pelo juiz.

Pois bem, concomitante a tais providencias, cumpre salientar ainda que, com a decisão inicial do magistrado acerca do deferimento da recuperação judicial inicia-se o prazo de 60 (sessenta) dias para que o devedor/recuperando apresente em juízo plano de recuperação judicial. Destaque-se que, se não respeitado o prazo estabelecido em lei, está-se sujeito à convolação da recuperação judicial em falência.

Nesta seara, é importante destacar aos credores que o prazo para apresentação de suas objeções acerca do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor/recuperando tem início quando da publicação do edital com a relação de credores pelo administrador judicial, não com a apresentação do plano em si, conforme disposição expressa da lei 11.101/05:

 

Art. 55. Qualquer credor poderá manifestar ao juiz sua objeção ao plano de recuperação judicial no prazo de 30 (trinta) dias contado da publicação da relação de credores de que trata o § 2º do art. 7º desta lei.

 

A exceção à regra supra encontra-se no parágrafo único do artigo 53 da lei 11.101/05, que dispõe que caso quando da publicação da relação de credores ainda não tenha sido devidamente publicado edital contendo aviso aos credores sobre o recebimento do plano de recuperação, o prazo para apresentação de eventuais objeções será então iniciado quando publicado o edital de ciência da apresentação do plano de recuperação.

 

Parágrafo único. Caso, na data da publicação da relação de que trata o caput deste artigo*, não tenha sido publicado o aviso previsto no art. 53, parágrafo único**, desta lei, contar-se-á da publicação deste o prazo para as objeções.

*Relação de Credores

**Aviso sobre o recebimento do Plano

 

Deve-se ficar atento, portanto, ao fato de que, quando da Publicação da Relação de Credores prevista no artigo 7º, Parágrafo 2ª da lei 11.101/05 já havendo sido publicado o edital previsto parágrafo único do artigo 53 - dando ciência acerca do plano -, inicia-se imediatamente o prazo para apresentação das objeções ao plano de recuperação.

Nessa esteira, na eventualidade de inexistirem objeções sobre o plano de recuperação apresentado, observados os requisitos legais, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor.

Por outro lado, caso haja objeção sobre o plano apresentado, caberá ao juiz convocar a assembleia de credores para deliberação, convocação esta que deve processar-se por meio de publicação de edital, com antecedência mínima de 15 (quinze) dias, nos termos do que dispõe o art. 36 da lei 11.101/05.

Nesta deliberação, todas as classes de credores poderão votar, classes estas definidas conforme art. 41 da lei 11.101/05:

  • titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho - aprovação da maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor do crédito;
  • titulares de créditos com garantia real - aprovação por mais da metade do valor dos créditos presentes na assembleia e, cumulativamente, pela maioria simples dos credores presentes na assembleia;
  • titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados - aprovação por mais da metade do valor dos créditos presentes na assembleia e, cumulativamente, pela maioria simples dos credores presentes na assembleia;
  • titulares de créditos enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte - aprovação da maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor do crédito;

 

Outro ponto que merece atenção é o fato de que, caso o plano de recuperação não altere o valor ou as condições iniciais de pagamento do crédito de algum dos credores, este não terá direito a voto, bem como não será considerado para fins de apuração do quórum de votação na assembleia.

Cumpre esclarecer que caso a assembleia-geral de credores rejeite o plano, o juiz decretará a falência do devedor. Por outro lado, caso o plano de recuperação judicial tenha sido aprovado pela assembleia geral de credores, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor.

Além do rol que viabiliza a decretação de falência do devedor previsto no art. 94 da lei 11.101/05, insta salientar que a própria lei viabiliza a convolação da Recuperação Judicial em falência, no caso de, após deferida a Recuperação Judicial, venha o Devedor/Recuperando a descumprir quaisquer das obrigações previstas nos dois anos seguintes à decisão de concessão de recuperação.

3. Conclusão

Conclui-se, portanto, que a recuperação judicial é uma importante e estruturada ferramenta do devedor no intuito de garantir a preservação da empresa, ferramenta essa à qual diversas empresas recorreram com a agravação da crise econômica nacional.

Por outro lado, nota-se que em seu processamento busca ainda a recuperação judicial resguardar a ativa participação do credor, inclusive quando da deliberação e aprovação do plano de recuperação, garantindo a preservação dos interesses dos credores. Evidente, portanto, que, se bem assistido, o credor poderá buscar ativamente, dentro dos limites legais, a melhor forma de recebimento de seu crédito, dentro da reestruturação econômica do devedor/recuperando.

Diante do caráter de novação da dívida atribuído à recuperação judicial, é essencial que o Poder Judiciário atue em consonância com os parâmetros supra, harmonizando-os, de modo a atingir efetivamente o objetivo da recuperação judicial, viabilizando a superação da situação de crise empresarial, a manutenção da fonte produtora e empregadora, bem como resguardando o melhor interesse dos credores.

 

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COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 20. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 13.

Folha de São Paulo. A Tragédia da Economia Brasileira em 2015 em 7 Gráficos - Clique aqui - Acesso em 24/09/18.

IBGE. Estatísticas. Clique aqui - Acesso em 24/09/18.

SERASA - Indicadores Econômicos - Clique aqui - Acesso em 24/09/2018.

TINOCO, G. et al. BNDES - O Crescimento da Economia Brasileira 2018-2023 - Clique aqui - Acesso em 24/09/18.

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*Bárbara Mendes é bacharel em Direito pela UNIPAC. Advogada e coordenadora da área Cível da Filial de Manaus/AM do PL&C Advogados.

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