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O sonho da Justiça célere continua. Necessidade de respeito às orientações firmadas pelos Tribunais Superiores

A necessidade de respeito aos precedentes dos Tribunais Superiores também é vislumbrada no art. 988 do CPC, que prevê o uso da reclamação pela parte interessada ou pelo Ministério Público, entre outras possibilidades.

terça-feira, 13 de novembro de 2018

Atualizado em 27 de setembro de 2019 16:43

No ano de 2008 fiz uma breve reflexão intitulando-a de "O sonho da justiça célere1", narrando as principais alterações ocorridas no revogado Código de Processo Civil de 1973 desde a década de 1990 até chegar nas leis 11.418/06 e 11.672/08, quando foram criados os recursos repetitivos extraordinário e especial, respectivamente, artigos 543-B e 543-C, haja vista a necessidade de efetivar o princípio constitucional da duração razoável do processo, positivado no inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal através da EC 45/04.

A referida sistematização teve como objetivo auxiliar o desenvolvimento da padronização de procedimentos no âmbito dos tribunais, prestigiando a racionalidade dos trabalhos e a segurança jurídica das relações processuais, tendo como finalidade primordial uniformizar a interpretação da legislação constitucional e infraconstitucional sem exigir que os Tribunais Superiores recebam milhares de recursos com casos idênticos sobre a mesma questão de direito.

Teve início, assim, o "sistema de precedentes", que em rápida análise pode ser explicado como a obrigatoriedade de seguimento de decisões provenientes dos Tribunais Superiores, cabendo a cada um destes a interpretação final da legislação no âmbito de suas respectivas competências materiais, expandindo-se o alcance e aplicação prática dos precedentes firmados. O CPC de 2015 consolidou o sistema, fortaleceu-o no direito processual brasileiro, não existindo dúvidas quanto à vinculação das decisões proferidas em recursos repetitivos, bem como às súmulas dos tribunais, independentemente de se tratar de súmula vinculante.

Os juízes são parte de um sistema que tem por princípio fornecer elementos de segurança para uma decisão judicial de mérito justa e efetiva (art. 6º CPC). Trata-se de natural limitação do poder decisório, vinculando os juízos de primeiro e segundo grau às teses jurídicas e decisões provenientes dos Tribunais Superiores que compõe o topo da hierarquia funcional do próprio sistema que integram, sendo limitada a liberdade de interpretação da norma diante de uma orientação já consolidada.

Sob esta ótica da vinculação, preceitua o artigo 927 do CPC:

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: (...); III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

Vê-se que a norma é redigida de forma impositiva, determinando aos juízes e tribunais que observem as decisões e súmulas relacionadas nos cinco incisos do art. 927. Esse caráter de imposição também é visto no artigo 932, quando preceitua que incumbe ao relator negar seguimento a recurso que for contrário a súmula dos Tribunais Superiores ou acórdão proferido em julgamento de recursos repetitivos, devendo o relator dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária às estas mesmas hipóteses.

O verbo incumbir significa "encarregar; atribuir a responsabilidade do cumprimento ou da realização de algo a2"; "ser da responsabilidade de; caber a; competir a". Por isso a norma fala em dever do magistrado, pois a aplicação da orientação firmada independe de sua concordância pessoal.

A necessidade de respeito aos precedentes dos Tribunais Superiores também é vislumbrada no art. 988 do CPC, que prevê o uso da reclamação pela parte interessada ou pelo Ministério Público, entre outras possibilidades, para fazer valer o respeito às súmulas vinculantes, aos precedentes formados em sede de julgamentos de incidentes de resolução de demandas repetitivas ou proferidos em incidente de assunção de competência, desde que protocolada antes do trânsito em julgado e após exauridos os recursos nas instâncias ordinárias (§ 5º, inciso II).

Especificamente quanto ao julgamento dos recursos afetados como representativos da controvérsia repetitiva, o art. 1.039 é taxativo ao prever que os órgãos colegiados declararão prejudicados os demais recursos versando sobre idêntica controvérsia ou os decidirão aplicando a tese firmada, regra complementada pelo artigo 1.040 quando afirma que os processos no primeiro e segundo grau de jurisdição deverão ser julgados com a aplicação da tese firmada pelo tribunal superior.

A aplicação da tese firmada pelo Tribunal Superior possibilita ao juízo julgar improcedente o mérito de forma liminar (sem ouvir o réu), nos casos em que o pedido do autor for contrário às súmulas do STF/STJ, acórdãos proferidos no julgamento de recursos repetitivos no STF/STJ, incidentes de resolução de demandas repetitivas (IRDR), assim como às súmulas do tribunal local (artigo 332).

Em relação às tutelas provisórias, a tutela de evidência será concedida independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo quando as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante (art. 311, II).

Diga-se, ainda, da dispensa em relação à remessa necessária, conforme art. 496, §4º.

Percebe-se que a interpretação sistemática do CPC/15 é no sentido de que o acórdão proferido no âmbito dos recursos repetitivos tenha efeito vinculante em relação aos demais processos, pendentes de julgamento e futuros. Pretende-se, pois, que os tribunais de origem e os juízes de primeiro grau adotem a ratio decidendi para a solução dos recursos e processos.

Se, no caso concreto, o julgador entender pela não aplicação do precedente, deve explicar a razão pela qual entende inadequado ao caso que está julgando, demonstrando a distinção dos casos (distinguishing), mostrando que a hipótese fática em julgamento difere daquela que gerou o precedente. Ou, diante de eventual superação do precedente, que o julgador deve demonstrar de forma fundamentada para não aplicar a tese existente (overruling).

Overruling, art. 927-§§ 1º ao 5º. Se o precedente é incompatível com uma nova realidade.

Distinguishing, 489-V e VI; art. 1.037-§§ 9º a 13. Técnica que permite demonstrar que o caso concreto apresenta particularidades ou características que o tornam diferente do paradigma. É necessário analisar a questão jurídica, os fatos e fundamentos.

Diz-se que as Cortes Superiores têm a tendência de se tornarem Cortes de precedentes, pois não julgam apenas casos concretos, fixando teses paradigmas que devem ser levadas em consideração em todos os outros casos semelhantes, havendo, de fato, uma clara influência do commom law a respeito do papel, tanto das Cortes Superiores quanto de seus precedentes, conforme lecionam abalizadas doutrinas:

Elpídio Donizetti: Stare decisis (precedente de respeito obrigatório), atividades constitutivas (STJ/STF/TST) e declaratória (juízos inferiores)3.

Fredie Didier Jr e Leonardo Carneiro da Cunha: Causa piloto (escolhe-se o recurso, suspende-se os demais casos, forma-se um precedente obrigatório)4.

Humberto Theodoro Jr: Força conferida à jurisprudência nos planos Horizontal (sujeição do tribunal à sua própria jurisprudência) e Vertical (vincula todos os juízes ou tribunais inferiores às decisões do STF/STJ em recursos repetitivos)5

Por fim, a aplicação deste instituto deve ser dada com a devida atenção, de forma a favorecer e consolidar as decisões e entendimentos dos Tribunais Superiores em observância à racionalidade do direito, mas sempre buscando a segurança jurídica, razão pela qual é imprescindível a análise cuidadosa das peculiaridades dos fatos de cada caso concreto.

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1 Artigo publicado originalmente no informativo jurídico Migalhas em 19 de setembro de 2008.Disponível em Clique aqui.

2 Clique aqui.

3 Elpídio Donizetti. Disponível em Clique aqui.

4 Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha. Curso de Direito Processual Civil, 3, 13 edição, pag. 594.

5 Humberto Theodoro Júnior. Curso de Direito Processual Civil, III, 47 edição, pag. 1.028.
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*Ricardo Kalil Lage é graduado em Direito pela UNICAP e presidente da Comissão de Direito Bancário da OAB/PE; Membro-Efetivo do IAP, e diretor do INEAP.

 

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