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O papel da escuta ativa na comunicação e nos processos de negociação e mediação

Da perspectiva do mediador e do negociador, ela estabelece uma relação de confiança, clarifica os interesses de cada uma das partes e serve como um termômetro para verificar em que grau de abertura estão os envolvidos em cada etapa do processo.

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Atualizado em 27 de setembro de 2019 17:55

Na negociação e na mediação, uma das técnicas mais utilizadas para favorecer a comunicação e facilitar a dinâmica entre as partes é a escuta ativa.1

Segundo Richard Salem, a escuta ativa (ou escuta empática ou escuta reflexiva) é uma maneira de ouvir e de responder a outra pessoa, melhorando a compreensão e a confiança mútuas. Ou seja, é uma habilidade essencial e determinante para o sucesso de uma negociação ou mediação.

Entre seus benefícios, a escuta empática: a) constrói confiança e respeito entre os envolvidos; b) permite que as partes liberem suas emoções e reduzam tensões; c) encoraja a revelação de informações; e d) cria um ambiente seguro e propício para a resolução de problemas.2

Nas palavras de Renée Gendron, a escuta ativa permite que as partes se sintam confortáveis ao divulgar suas experiências e emoções de uma forma construtiva.3

Gabbay, Faleck e Tartuce ensinam que a escuta ativa é uma importante técnica a ser aplicada pelo mediador, que deve participar de forma ativa da conversa entre as partes, mostrando-se receptivo para escutar e mantendo contato visual como os participantes.4

É recomendável que o mediador demonstre objetividade e equidade enquanto se coloca em uma posição de não julgamento durante o processo de mediação, dando iguais oportunidades de tempo e de atenção aos envolvidos no conflito.5

O manual de mediação do CNJ destaca a regra da não interrupção durante a escuta ativa:

[...] que mesmo se o ponto levantado pela parte que interrompeu tiver sido interessante, o mediador deve estimular as partes a não se interromperem. Pois caso não o faça, criará uma regra implícita de que em alguns casos se permite a interrupção. Se nas primeiras interrupções o mediador recordar a regra da escuta ininterrupta seguramente as partes tenderão a não mais se interromperem. Por outro lado, se o mediador começar a julgar a conveniência de algumas interrupções as partes tenderão a se interromper e olhar para o mediador para que esse possa "exercer seu juízo de conveniência" - o que não se mostra recomendável na maior parte das mediações. De fato, as interrupções devem ser coibidas nas primeiras frações de segundos da interrupção - para que não se crie essa percepção de "juízo de conveniência".6

Outros autores tratam a escuta ativa com denominação diversa. É o caso de Luis Alberto Warat, que define a escuta ativa como "escuta mediadora" ou como a "escuta do sensível", realizada na "presença dos corpos em conflito, com a força dos corpos e de todos os procedimentos básicos e vitais que os governam". Segundo ele, "é necessário um refinamento comunicacional que não se espera dos textos escritos submetidos a outros tempos, releituras e interpretação".7

O mediador Carlos Eduardo de Vasconcelos expressa sua contribuição para o que se entende por escuta ativa:

O mediador sabe que, por mais que tudo pareça pronto para que as pessoas cheguem a um acordo, algo muito significativo pode estar guardado, omitido. As pessoas não se entendem sem terem sido efetivamente escutadas. As pessoas precisam dizer o que sentem e, na mediação, esta pode ser a primeira vez que isto está sendo possível.8

Como se pode perceber, portanto, escutar é diferente de ouvir. As pessoas ouvem muitas coisas, como "a buzina de um carro ou de uma sirene, o estalar dos degraus de uma escada". 9 A escuta ativa, escuta empática, escuta reflexiva, escuta mediadora ou escuta do sensível, por outro lado, necessita mais do que o simples ouvir. O grande diferencial da técnica consiste na importância que se confere ao interlocutor: de acordo com a escuta ativa ele é merecedor de respeito e atenção.

Para Tânia Almeida,

O praticante da escuta ativa deve demonstrar interesse pelo que diz seu interlocutor, de forma a lhe possibilitar um sentimento de legitimidade como autor de uma fala e de um conteúdo expresso oralmente. O interlocutor precisa saber que há interesse por sua narrativa e pelo tema que está abordando.10

Do que aprendeu como mediador, William Ury destaca ainda a importância de escutar os outros com respeito genuíno, deixando de lado as próprias referências e se concentrando no ponto de vista alheio. Nas palavras do autor,

Como tenho observado em meu trabalho de mediação, geralmente ouvimos os outros a partir de nosso enquadramento de referência, julgando o que dizem do nosso ponto de vista. Imbuídos de uma atitude de respeito genuíno, podemos praticar a arte de ouvir os outros a partir do enquadramento de referência deles, do ponto de vista deles. Devemos escutar não só as palavras, mas também os pensamentos e os sentimentos não expressos. Precisamos apreender o conteúdo do que está sendo dito, mas também considerar o ser humano que o manifesta.11

Concluindo, da perspectiva da parte, a escuta ativa, dentre outras possibilidades, promove o contato com os sentimentos, encoraja a revelação de informações, esclarece os verdadeiros interesses envolvidos e incentiva o processo de negociação. Já da perspectiva do mediador e do negociador, ela estabelece uma relação de confiança, clarifica os interesses de cada uma das partes e serve como um termômetro para verificar em que grau de abertura estão os envolvidos em cada etapa do processo.

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1 TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. 2. ed., rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015, p. 233.

2 SALEM, Richard. Empathic listening. BURGESS, Guy; BURGESS, Heidi (Ed.). Beyond intractability. Boulder: Conflict Information Consortium; University of Colorado, July 2003.

3 GENDRON, Renée. The meaning of silence during conflict. Journal of Conflictology, Campus for Peace, UOC, v. 2, n. 1, 2011.

4 GABBAY, Daniela; FALECK, Diego; TARTUCE, Fernanda. Meios alternativos de solução de conflitos. Rio de Janeiro: FGV, 2013, p. 59.

5 SALEM, Richard. Empathic listening. BURGESS, Guy; BURGESS, Heidi (Ed.). Beyond intractability. Boulder: Conflict Information Consortium; University of Colorado, July 2003.

6 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Azevedo, André Gomma de (Org.). Manual de Mediação Judicial. 6. ed. Brasília: CNJ, 2016.

7 WARAT, Luis Alberto. Ecologia, psicanálise e mediação. In: _____ (Org.). Em nome do acordo: a mediação no Direito. Buenos Aires: Angra, 1998.

 

 

8 VASCONCELOS, Carlos Eduardo. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. 5. ed. ver., atual. e ampl. Rio de janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017, p. 163-164.

9 KING, Norman. Os primeiros cinco minutos: como um bom começo pode determinar o êxito de uma entrevista, uma negociação, uma venda. Tradução de Felipe Rajabally. São Paulo: Nobel, 1991, p. 54.

10 ALMEIDA. Tânia. Caixa de ferramentas em mediação: aportes práticos e teóricos. São Paulo: Dash, 2014.

11 URY, William. Como chegar ao sim com você mesmo. Tradução de Afonso Celso da Cunha. Rio de Janeiro: Sextante, 2015, p. 94.

 

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*Juliana Ribeiro Goulart é advogada e mediadora extrajudicial.

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