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Os dividendos intercalares, à conta de lucros correntes do exercício, podem ser declarados com periodicidade inferior à semestral, caso haja reserva legal em monta que os ampare?

É absolutamente defensável que a declaração de dividendos intercalares com periodicidade inferior à semestral possa tomar como parâmetro a existência e o limite da reserva legal da companhia.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Atualizado em 2 de outubro de 2019 17:40


O artigo 204 da lei 6.404/76 (LSA) reza que a companhia, desde que previsto no estatuto social, poderá levantar balanços semestrais e declarar os respectivos dividendos, por deliberação dos órgãos de administração.

O §1º do mesmo dispositivo estabelece que, havendo disposição estatutária que o permita, a companhia poderá levantar balanços e declarar os respectivos dividendos em períodos menores que um semestre, desde que o total dos dividendos pagos em cada semestre do exercício social não exceda o montante das reservas de capital.

Há quem defenda1 que o montante a limitar o total de intercalares de um semestre não precisa ser apenas o da reserva de capital, podendo ser também o das reservas de lucros.


Indo além, muito embora a reserva legal seja espécie do gênero reserva de lucros, sabe-se que a lei lhe dispensa uma maior proteção, tal como se observa, por exemplo, no parágrafo único do artigo 189 da LSA, que chega a destacá-la do grupo, como se sequer a ele pertencesse.

Então, o que se pretende com esse esboço é demonstrar que a reserva legal, especificamente ela, também pode servir também de amparo à declaração de dividendos intercalares em periodicidade inferior à semestral, tal como serve ope legis a reserva de capital.

Assim, entendendo que, por força do que dispõe o artigo 182, §4º da LSA, a reserva legal é espécie do gênero reserva lucros, e que, apesar dos termos restritivos do parágrafo único do artigo 189 da LSA, a finalidade da reserva legal é praticamente a mesma da reserva de capital, qual seja a integridade do capital social, não há razão para negar a possibilidade de declaração de intercalares com periodicidade inferior a um semestre caso exista reserva legal em montante que a ampare.

Em última instância, os intercalares não confirmados em balanço ao final do exercício darão vez a prejuízos acumulados, e tanto a reserva legal quanto a reserva de capital podem, por expressa determinação dos artigos 193, §2º, e 200, I, respectivamente, ambos da LSA, ser utilizadas para absorvê-los.

Aliás, vale notar que o artigo 200, I, da LSA, ao referir-se à ordem de preferência das reservas para absorção do prejuízo acumulado, estabelece que, antes de ser utilizada a de capital, devem ser esgotadas as de lucros, fazendo expressa referência ao parágrafo único do artigo 189 da LSA, que, por sua vez, refere que a reserva legal deve ser utilizada com tal finalidade apenas após serem esgotadas as demais reservas de lucros.

Então, antes de ser utilizada a reserva de capital para a absorção dos prejuízos acumulados, devem ser esgotadas as demais reservas de lucros e, após elas, a reserva legal. Se assim o é, no que importa ao presente estudo, indicada está uma ordem de prioridade entre a reserva legal e a reserva de capital, sendo esta mais relevante que aquela, já que a LSA lhe dispensa uma maior proteção.

Portanto, já que o artigo 204, §1º, diz que o saldo da reserva de capital pode servir de limite para a declaração de intercalares com periodicidade inferior a um semestre, indicando que ele poderá ser utilizado para compensar eventuais prejuízos decorrentes dessa declaração, não haveria qualquer razão para excluir essa mesma vocação à reserva legal, que é uma reserva a que a lei dispensa menor proteção e que foi até legalmente eleita como aquela que deve ser esgotada antes da reserva de capital para a absorção de prejuízos acumulados.

Caso se pretenda argumentar que o legislador, ao eleger a reserva de capital, e não a reserva legal ou qualquer outra, como proteção do capital em casos do tipo, almejava um patamar superior de proteção, considerando que, pela mesma razão exposta acima, antes de ser atingida a reserva de capital, para absorção de prejuízos, por exemplo, terá sido a legal, é preciso ter presente que, por outro lado, a reserva de capital, ao contrário da legal, que só pode ser utilizada para absorção de prejuízos e para incorporação ao capital social (193, §2º), pode ser também utilizada para outros fins, tais como para resgate de ações ou de partes beneficiárias, para reembolso e mesmo para compra de ações (art.200).

Então, dada a inegável vocação das duas reservas à proteção do capital social, e dado que a lei, se por um lado elege a reserva de capital como merecedora de maior proteção que a reserva legal (artigo 200,I, cc art. 189, parágrafo único), por outro dispensa, em casos concretos, menos proteção à primeira em relação à segunda (art. 200 vis a vis 193, §2º), é absolutamente defensável que a declaração de dividendos intercalares com periodicidade inferior à semestral possa tomar como parâmetro a existência e o limite da reserva legal da companhia.

 

1 Luiz Antônio de Sampaio Campos, Algumas Notas sobre a Utilização do Lucro do Exercício em Curso: Dividendo e Recompra, Marcelo Veira Vom Adameck (Corrd.), Temas de Direito Societário e Empresarial Contemporâneos, p. 432

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*Pedro Pontual Marletii é diretor jurídico do grupo econômico Brennand Energia desde 2004, membro do conselho de administração das Eólicas Sento Sé desde 2012, presidente da comissão de estudos das Sociedades Anônimas da OAB/PE de 2013 a 2014, presidente da comissão de Direito da Energia da OAB/PE de 2015 a 2018.

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