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Natal sem fake news, Eudes Quintino

Natal sem fake news

Com o cálice transbordando, elevo um brinde a você para que seu Natal seja repleto de notícias boas e verdadeiras e que, num ambiente de espiritualidade franciscana, contagie a todos que caminham com você.

domingo, 23 de dezembro de 2018

Atualizado em 4 de outubro de 2019 17:52

Em tempos de fake news, quando você não conhece a veracidade de uma notícia, muitas vezes acobertada por ingredientes interessantes e que inevitavelmente chamam a atenção e, de forma sutil, escondem sua origem espúria e suas maléficas intenções, todos temos que ficar vigilantes. Uma boa leitura, em princípio, traz um convite prazeroso ao leitor que, de antemão, se imagina navegando em mares remansosos e se deliciando nas ondas alquímicas da prosa e poesia. Mas agora que o homem já se aventurou e produziu embriões com DNA modificados em laboratório, que seria a última trincheira considerada indevassável, exige-se um maior cuidado, uma cautela redobrada, pois pode acontecer que você, na realidade, não seja você mesmo. Sim, porque carrega um latifúndio deambulatório chamado corpo humano, mas traz dentro de si uma pessoa que não seja você mesma. A essência reside no interior. Vejo que Platão tinha razão quando advertia a humanidade com o nosce te ipsum, no sentido de vasculhar seu interior para constatar se você é você mesmo.

Assim, neste dúbio clima, nesta crise da ipseidade, como é costume dos humanos, venho apresentar meus votos de final de ano, não pessoalmente, mas pela escrita que, pode acreditar, não carrega qualquer indício de fake news. O texto é clean, como dizem os bons revisores, sem qualquer conotação duvidosa. Poderia até mesmo, num WhatsApp instantâneo, curto, com palavras abreviadas, aproveitando a carona de uma imagem do momento, transmitir a você as palavras-chaves do clima: alegria e felicidade. Nada melhor para festejar a realidade do homo digitas. Mas, acredito que seria por demais vazio, banal até, vez que desacompanhado de palavras circunstanciais, aquelas que acompanham a pompa dos ingleses para que, todas elas somadas, formem um círculo refinado onde você poderia se deliciar com os contornos da prosa, traçados propositadamente. Um e-mail acarretaria o mesmo problema, além do que eu colocaria o computador à minha disposição para que ele seja o instrumento de minha fala. Uma mensagem natalina, seguida de votos para um novo ano de sucesso, não é uma missão que possa ser delegada às máquinas. Nem digo enviar um cartão, aquele adquirido na livraria com os votos todos formatados sem que você tenha lançado nele suas palavras, a não ser seu nome. Mas essa possibilidade vem se extinguindo com o tempo. A roda da história girou. Os próprios comerciantes sabem que os tempos mudaram, que são outros e nós com eles, como já preconizava o poeta Virgílio.

Com o Natal e a aproximação do novo ano as pessoas mudam o seu ritmo e procuram, já com certa espiritualidade, contabilizar afetos, somar as conquistas e apagar ressentimentos. É, por assim dizer, um período de purificação, em que a alma já contrita escolhe o caminho do perdão e abre a trilha do esquecimento por onde são lançados os estilhaços de malfadadas ações. É momento de renascimento, em que você vai se fundir no seu próprio eu que renasce. É tempo de acolhimento, de otimizar e aperfeiçoar os sentimentos. De abraços, de laços de amizades. De apreço, aceitação e celebração.

Com o nascimento fica delimitado o ponto de partida, mas a vida, em toda sua extensão é que vai apontar o rumo da chegada. Cabe a você escolher entre o viver em abundância em Canaã, onde leite e mel jorram à farta e ficar bem próximo para buscar o pote de ouro que se esconde na ponta do arco-íris e ali fazer a contemplação do belo, ou esconder-se nos labirintos de sua memória, inatingíveis pelos seus fatigados neurônios. É, por assim dizer, um cabo de guerra entre o bem e o mal. E a escolha é exclusivamente sua. Mas não se esqueça, como profetizava o poeta latino Horácio, que a breve duração da vida não nos permite alimentar longas esperanças.

As ideias, apesar de gastas, também são recicláveis. Ajustadas às suas necessidades são perfeitas e apropriadas. Melhores até que as novas que demandam um longo tempo de maturação, além do que desconhecem que as intempéries são necessárias para o aperfeiçoamento. Pode observar que cada passo, meticuloso e seguro, parece procurar as pegadas deixadas pelo anterior, justamente para não se afundar nas areias movediças da vida. Por onde alguém passou há sempre a margem de segurança de se chegar incólume ao destino. Daí que não se pode desprezar as mais singelas lições de vida. O homem, segundo o pensamento do filósofo grego Protágoras, é a medida de todas as coisas.

Com o cálice transbordando, elevo um brinde a você para que seu Natal seja repleto de notícias boas e verdadeiras e que, num ambiente de espiritualidade franciscana, contagie a todos que caminham com você.

Um novo ano venturoso com a harmonia sempre presente para que você possa se aproximar do sereno equilíbrio do corpo e alma e vislumbrar os moinhos postos à sua frente. Não precisa combatê-los ou derrubá-los. Basta contorná-los.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de justiça aposentado, reitor da Unorp, advogado.

 

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