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Os limites da ação penal

O país necessita de um ambiente de negócios previsível, seguro e receptivo aos investidores. Espera-se que os Tribunais possam estabelecer os necessários refreamentos a este exorbitante uso do direito penal na esfera tributária.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Atualizado em 7 de outubro de 2019 16:39

A portaria 1750, de novembro de 2018, prevê, em seu artigo 16, que a Receita Federal divulgará, em seu site, o nome do contribuinte cuja a conduta tenha sido objeto de representação penal junto ao MPF. Esta portaria vem logo após o STJ decidir, através de sua 3ª seção, no HC 399.109, que o mero inadimplemento de tributos indiretos se subsume ao crime de apropriação indébita tributária. Significa que o contribuinte que declarou o tributo, isto é, agiu às claras e sem dolo, mas que por qualquer razão não o recolheu, não só será processado criminalmente como terá seu nome estampado no site da Receita Federal.

Estamos assistindo, na verdade, a exacerbação de uma longa narrativa que, deliberadamente, borra as fronteiras entre o direito tributário e o direito penal. Não é de hoje que se verifica que a mera falta de recolhimento de tributos, ou a divergência de entendimento entre contribuinte e fisco, dá ensejo a autos de infração e representações penais ao Ministério Público para que este inicie a persecução criminal.

Ora, o dever de realizar a apuração dos tributos envolve análise complexa de diversos aspectos da uma legislação confusa e contraditória. Ao interpretá-la, o contribuinte se vê obrigado a extrair sentido legal destes textos e a se posicionar diante de verdadeiras charadas, como deduzir ou não determinada despesa da base do IRPJ e da CSLL, adjudicar créditos de PIS e Cofins sobre insumos, submeter mercadorias à substituição tributária no ingresso ou na saída do estabelecimento em operações internas ou interestaduais, adjudicar créditos de ICMS sobre produtos intermediários, reter ou não o ISSQN sobre pagamentos a fornecedores e assim sucessivamente. Pois se alguma destas decisões resultar em não pagamento ou pagamento a menor de determinado tributo, aí estará a Fazenda para exercer sua potestade, não só aplicando a multa e a responsabilização pessoal dos sócios e administradores, como quiçá, para realizar a representação fiscal para fins penais junto ao Ministério Público. Representação esta que, doravante, segundo a mencionada portaria 1750, constará do site da Receita Federal.

Agrava este cenário uma fiscalização que pouco atua no sentido de orientar o contribuinte, tendo presença mínima na hora da prevenção e máxima na hora da repressão. Como, após ter seu nome exposto publicamente, poderá o contribuinte explicar que responde a um processo criminal pelo fato de, por exemplo, ter deixado de submeter determinado produto à substituição tributária? Ou por ter adjudicado determinado crédito sobre produtos intermediários? Mesmo os juízes, que lidam com tais matérias, frequentemente precisam recorrer a perícias para poder chegar a um veredito, como esperar a presunção de boa-fé de terceiros que nada conhecem do assunto? O contribuinte decerto poderá, posteriormente, ingressar com ação judicial e inclusive afastar a acusação a si dirigida, mas já sob o signo da intempestividade, pois a persecução penal já será do conhecimento de todos.

O direito penal é dotado de normas de rejeição pública, isto é, seus regramentos atuam quando todas as outras normas já falharam, constituído uma espécie de "última ratio". Por isso é tão grande a repercussão de uma ação penal, ela carrega em si a reprovação de toda a sociedade sobre determinada conduta. A banalização do uso do direito penal, ao invés de robustecer sua eficácia a diminui, pois retira das normas penais o caráter de grave reprovação social que elas contêm. Mas no Brasil, a ação penal na esfera tributária vem sendo utilizada quase como meio indireto de cobrança. Assustado com a ação penal, o contribuinte realizará o pagamento do tributo, mesmo que o entenda indevido. O direito penal tributário deve perseguir o espaço axiológico de repressão à fraude, abuso sistemático e planejado contra a ordem tributária.

Os demais casos devem ser tratados pelas normas de direito tributário e pelo regular processo fiscal. A maior adesão dos contribuintes ao sistema tributário depende de sua simplificação, transparência e do retorno dos serviços públicos, não de feixes e açoites penais.

O país necessita de um ambiente de negócios previsível, seguro e receptivo aos investidores. Espera-se que os Tribunais possam estabelecer os necessários refreamentos a este exorbitante uso do direito penal na esfera tributária.

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*Sergio Lewin é advogado e sócio de Silveiro Advogados.

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