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Extinção da Justiça do trabalho: utopia ou realidade?

O ponto central da discussão aventada são os murmúrios que vem ganhando força acerca da extinção da Justiça do trabalho brasileira e a sua incorporação à Justiça Federal trazidos pelo atual governo do presidente Jair Messias Bolsonaro.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Atualizado em 14 de outubro de 2019 17:57

É de praxe que a rotatividade no poder implique na mudança do plano de governo e, não raro, na corrente ideológica e política adotada para a sua efetivação. Isso a princípio não é algo negativo. Todavia, a radicalização das medidas adotadas pode vir a se tornar um problema. Sobretudo, quando as ações por parte de nossos governantes venham a agravar uma crise de instituições que há anos vem se estendendo aos olhos da sociedade.

A Justiça do trabalho é reconhecida pela ciência do direito1 como sendo um ramo autônomo, no qual, inclusive, houve a estruturação através de normas e princípios que lhe são próprios e o seu desenvolvimento através de um vasto campo doutrinário composto por operadores do direito da mais alta qualidade técnica e de excelência incomparáveis.

Tanto é assim, que o ramo justrabalhista brasileiro está entre um dos mais conceituados no cenário mundial. Nesse ponto em específico surgem inúmeras falácias no sentido de desprestigiar a existência dessa Justiça especializada, dentre as quais a que mais se sobressalta é a de que ela não existiria em países desenvolvidos e com uma economia significativa, de modo que a sua manutenção seria um empecilho ao desenvolvimento econômico do Brasil.

Argumentos nesse sentido não passam de jargões de senso comum proferidos por quem realmente não entende do assunto. O simples fato de haver um ramo especializado em matéria trabalhista compondo a organização judiciária de diversos países do mundo, desconstrói as alegorias firmadas nesse sentido. Países esses organizados tanto no sistema da civil law, como é o caso do Brasil, quanto da common law.

Dentre as nações mais renomadas mundialmente e que possuem tribunais e cortes especializadas, vale aqui citar a França e a Inglaterra, as quais curiosamente afirmaram-se como possuidoras de grandes papéis, senão de protagonistas, no espetáculo da formação e desenvolvimento do direito do trabalho.

O ponto central da discussão aventada são os murmúrios que vem ganhando força acerca da extinção da Justiça do trabalho brasileira e a sua incorporação à Justiça Federal trazidos pelo atual governo do presidente Jair Messias Bolsonaro.

A desconstrução do ramo justrabalhista não geraria de pronto uma redução com gastos na máquina pública, o que é visado pelo atual governo. Muito pelo contrário, transferiria grande parte das despesas de financiamento e manutenção para a própria Justiça Federal, a qual por si só já exige um gasto elevado de aproximadamente R$ 11 milhões por ano2, seja qual fosse o meio para viabilizá-la, diante do enorme corpo de servidores, os inúmeros processos em trâmite pelo país e vasta composição de recursos utilizados, os quais de alguma forma acabariam por ficar sem destinação útil e se perderiam.

Além disso, a existência da justiça especializada em atender e resolver conflito de interesses entre os polos do contrato de trabalho é salvaguardada em normas previstas na Constituição Federal, consoante ao regime econômico liberal por ela adotado, de modo que a adoção de medidas que visem a sua extinção está em nítida afronta ao texto constitucional, sendo assim eivados de pura ilegalidade.

Tratando-se de números, a Justiça do trabalho é um dos segmentos do Poder Judiciário que possui o trâmite de ações mais célere no país, visto que a verbas trabalhistas discutidas são marcadas pelo caráter alimentar, o que denota uma maior conclusão do rito processual até o efetivo recebimento pela parte, a qual na maioria das vezes consiste em trabalhadores que se encontram em situações de extrema necessidade e, devido as circunstâncias, se viu na necessidade de buscar o amparado da tutela jurisdicional.

Portanto, nessa breve exposição, não é crível, mas sim utópico, que o governo atual consiga cumprir com sua proposta até mesmo tida como atentatória em desfragmentar e assim trucidar com um dos ramos da Justiça que possui a construção de sua matéria de forma tão marcante no curso da evolução humana e que a acompanha desde seu surgimento. Aqui estamos falando no sentido puro e simples da acepção do termo trabalho.

Foi necessária uma força colossal para o surgimento da Justiça do Trabalho quando do governo de Getúlio Vargas em 1941 e será necessária uma força ainda maior, imensurável entre meros mortais e desconhecida em tempos atuais, para desvanecê-la.

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1 O termo "ciência do direito" surgiu quando dos estudos científicos realizados pelas correntes doutrinárias alemãs pertencentes a chamada Escola Histórica, em meados do século XIX (Tércio Sampaio Ferraz Júnior, A ciência do direito, São Paulo, Atlas, 1980, p. 18; Ronaldo Poletti, Introdução ao Direito, São Paulo, Saraiva, 1991, p. 64). Deveras, há que se frisar que por longos anos a até então ciência jurídica era usualmente chamada de Jurisprudência. Essa denominação fora empregada originariamente em Roma, na qual seus jurisconsultos eram encarregados pela prática da referida ciência, lhe conferindo um tratamento um tanto quanto divino - divinarum et humanarum rerum notitia, justi, justi atque injusti scientia (Maria Helena Diniz, Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, São Paulo, Saraiva, 3ª edição, 1991, p. 198). Ainda, algumas correntes científicas a intitulam como sendo dogmática em sua natureza, já que suas fontes são formais, tais como Códigos, Leis, Tratados, etc. (Paulo Dourado de Gusmão, Filosofia do Direito, Rio de Janeiro, Forense, 1ª edição, 1985, p. 20).

2 Fonte: Conselho Nacional de Justiça - Justiça em Números 2018.

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*Giovana Stinglin Caetano é bacharel em Direito pelo Centro Universitário Curitiba - Unicuritiba e advogada militante em direito do trabalho. Sócia do escritório CSM Advogados Associados.

*Matheus Portes Andrade é graduando do curso de bacharelado em Direito pelo Centro Universitário Curitiba - Unicuritiba - Curitiba/PR e colaborador do escritório Moro | Bório Mancia Sociedade de Advogados.

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