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Arquivo Nacional e a proteção de dados

Logo que começamos a construir o texto já fica evidente que o acesso às informações dos estrangeiros por qualquer cidadão é indevido, configurando uma afronta ao direito constitucional à privacidade - principalmente, por conter dados sensíveis.

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Atualizado em 14 de outubro de 2019 18:12

Recentemente a curiosidade veio à tona quando veicularam em vários meios de comunicação que o site do Arquivo Nacional disponibilizava informações pessoais de qualquer estrangeiro que tenha desembarcado no porto do Rio de Janeiro, inclusive dados pessoais sensíveis, como convicção religiosa (já no conceito definido pela Lei Geral de Proteção de Dados). O banco de dados conta com cerca de 750 mil registros, desde o ano de 1875.

Conforme informado pelo Arquivo Nacional, os dados são disponibilizados para viabilizar o desenvolvimento da pesquisa sobre a imigração no Brasil, permitindo que pesquisadores possam dispor dessa ferramenta. No entanto, outra finalidade é aberta ao entregar as informações ao cidadão que queira utilizá-la para conhecer suas origens e buscar sua identidade.

Vale analisar essa ferramenta com base em nosso arcabouço jurídico que protege a privacidade.

Vamos à Lei Geral de Acesso à Informação (LAI) que dispõe sobre os dados pessoais mantidos em órgãos públicos. Naquela lei, o tratamento de dados pessoais deve ser realizado com respeito à intimidade, vida privada e demais predicados da personalidade, sendo seu acesso restrito aos agentes públicos (ou às pessoas a que tais dados se refiram) ou, em casos excepcionais, a terceiros, desde que mediante consentimento expresso do titular ou fundamentado em permissão legal.

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) autoriza o tratamento de dados pessoais para a realização de estudos por órgãos de pesquisa (adm. direita e indireta e entidades sem fins lucrativos que incluam em seu objeto a pesquisa).

Logo que começamos a construir o texto já fica evidente que o acesso às informações dos estrangeiros por qualquer cidadão é indevido, configurando uma afronta ao direito constitucional à privacidade - principalmente, por conter dados sensíveis.

Ademais, a abertura das informações ao público desvirtua a finalidade para qual aqueles dados foram coletados e armazenados em sua origem. Aliás, somente no ato de entrada do cidadão estrangeiro no país é que poderíamos identificar se existiu o consentimento daquele cidadão para a exibição e compartilhamento de seus dados a terceiros (com tranquilidade, não).

Ademais, a LGPD dispõe que, o tratamento de dados pessoais cujo acesso seja público deve considerar a finalidade e o interesse público que justificaram sua disponibilização; certo que, a curiosidade de terceiros, não é o condão para proteger a exibição de dados pessoais na internet.

Há violação da LAI e da LGPD, incontestavelmente.

Imaginando que tais cidadãos já estejam falecidos - em razão do período em que foram coletados tais dados - ainda haveria direito da personalidade a ser protegido individualmente?

Segundo jurisprudência do STJ, os direitos da personalidade se encerram com a morte da pessoa, no entanto, há uma eficácia post-mortem de alguns direitos da personalidade, merecendo assim proteção a imagem, nome, privacidade, cabendo aos herdeiros a sua reivindicação.

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*Hugo Menezes G. Neto é sócio do escritório Wygand Advogados.

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