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Caso de Brumadinho: a mineradora poderá valer-se do limite de indenização oriundo da reforma trabalhista?

A invocação do teto indenizatório do § 1º do art. 223-F da CLT é totalmente descabida.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Atualizado em 14 de outubro de 2019 18:16

Paira rumores sobre a possibilidade jurídica de a mineradora causadora da catástrofe ambiental ocorrida em Brumadinho vir a invocar o limite de indenização por dano extrapatrimonial pelos danos sofridos por seus funcionários.

O sinistro consistiu no rompimento de uma barragem que enterrou, com lama e sangue, centenas de pessoas, de animais, de residências, de estabelecimentos comerciais e também de sonhos na região da cidade de Brumadinho/MG no final do mês de janeiro de 2019. Entre os que partiram, estavam inúmeros funcionários da mineradora proprietária da dissolvida barragem.

Nesse contexto, indaga-se: poderia a mineradora escusar-se a pagar mais do que 50 vezes o salário contratual de cada funcionário vitimado a título de indenização por dano moral, sob a alegação de que se trataria de acidente de trabalho e de que o inciso IV do § 1º do art. 223-G da CLT, nascido com a famosa reforma trabalhista, preveria esse teto?

Entendemos pelo total descabimento da aplicação do teto da CLT.

Em primeiro lugar, mesmo em relação aos empregados da mineradora, o sinistro em pauta caracteriza um acidente de trabalho apenas de modo reflexo. Ele, na verdade, representa um dano causado pelo fato de a mineradora ter arriscado exercer uma atividade ambientalmente perigosa à comunidade local e aos próprios funcionários. O fundamento do dever de indenizar aí não será a relação trabalhista, e sim a responsabilidade objetiva por danos causados pelo exercício de atividade potencialmente perigosa a terceiros com exploração do meio ambiente. Em outras palavras, o caso em pauta não trata de responsabilidade trabalhista por acidente de trabalho, e sim de responsabilidade por dano ambiental. Nesse ponto, recorda-se que a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, baseada na teoria do risco integral e direcionada a indenizar também as pessoas naturais e jurídicas que foram vítimas da catástrofe ambiental. É nesse sentido a orientação do STJ, que, ilustrativamente, assegurou indenização a pescadores vítimas de tragédia ambiental com base no regime de responsabilidade civil por dano ambiental (STJ, REsp 1114398/PR, 2ª Seção, DJe 16/2/12). Enfatize-se que é irrelevante se a mineradora teve ou não culpa pela tragédia, pois sua responsabilidade é objetiva com base na teoria do risco integral. Portanto, o fato de o caso em pauta fundamentar-se em responsabilidade civil por dano ambiental, e não em responsabilidade por acidente trabalhista, já afasta por si só a aplicação da CLT, com o seu teto indenizatório, para a discussão relativa à indenização por dano moral às vítimas da catástrofe ambiental, mesmo nas hipóteses de a vítima ser uma funcionária da mineradora.

Em segundo lugar, o teto indenizatório da CLT chocaria com o princípio constitucional da isonomia se fosse aplicado ao caso em pauta. É que, se admitir a aplicação desse teto contra os funcionários que tenham sido vítimas, chegaremos à indigesta conclusão de que, pelo mesmo fato (a letal inundação de lama), as vítimas haveriam de receber indenização diferente conforme sejam ou não funcionárias da mineradora. Portanto, uma interpretação conforme à Constituição impediria a aplicação do teto indenizatório da CLT ao caso em pauta.

Em terceiro lugar, ainda que se admitisse que a hipótese é de responsabilidade trabalhista por acidente de trabalho, o teto indenizatório para o dano extrapatrimonial não seria aplicável para os casos de morte de funcionários, pois o inciso IV do § 1º do art. 223-G da CLT prevê limite de indenização apenas quando o credor é o funcionário ofendido, e não terceiros que, por reflexo, sofreram o dano por ricochete. Basta observar a redação do referido dispositivo, que insistentemente cuida do ofendido como credor da indenização, ofendido esse que só pode ser o empregado, que é parte da relação trabalhista. O teto indenizatório aplica-se apenas a indenizações por "danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho": terceiros não são partes dessa relação de trabalho e, portanto, não são alcançados por esse limite previsto na CLT. Ora, se o funcionário faleceu afogado em meio ao lamaçal, seus familiares é que haverão de pedir indenização por dano extrapatrimonial na condição de vítima indiretas, que sofreram o dano por ricochete.

Portanto, a invocação do teto indenizatório do § 1º do art. 223-F da CLT é totalmente descabida. Aliás, diante do contexto de grande comoção social que ronda o caso e tendo em vista o inequívoco dever moral que a mineradora tem de não opor resistência à indenização plena das vítima, entendemos que a invocação desse totalmente descabido argumento pela mineradora em eventual processo judicial atolará a sua empreitada judicial com a lama da má-fé, a recomendar a imposição de multa por litigância de má-fé na forma da lei processual.

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*Carlos Eduardo Elias de Oliveira é doutorando, mestre e bacharel em Direito. Advogado-parecerista. Consultor legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Processo Civil e Direito Agrário (único aprovado no concurso de 2012). Ex-Advogado da União. Ex-assessor de ministro do STJ. Professor de Direito Civil, Direito Notarial e de Registros Públicos.

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