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Justiça Trabalhista Agônica?

Como solucionar conflitos de tão grande dimensão na ausência de uma Justiça Trabalhista neutra e intimamente ligada à construção pacífica de um Estado democrático? A ciência nega a possibilidade e a arte cinematográfica documenta a sua história.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Atualizado em 15 de outubro de 2019 18:14

A imprensa tem noticiado que a Justiça do Trabalho está sendo levada ao cadafalso, o que somente poderá ocorrer com o desprezo à ordem constitucional.

A norma jurídica preambular, ou seja, aquela primeira que indica a caminhada de todo o sistema constitucional, impõe que a sociedade democrática seja submetida ao princípio da solução pacífica dos conflitos. Espelha o propósito de perseguir a paz entre as pessoas, entre as empresas e entre os órgãos públicos.

Portanto os capítulos III e IV do corpo constitucional, sob a norma preambular, instituem os órgãos públicos que terão o poder-dever de solucionar os conflitos.

É errado dizer que o Estado está sobre a sociedade civil. Ao contrário, a sociedade civil está sobre o Estado do qual é a sua mãe, conforme destacou Alfredo Buzaid em seu "Do Mandado de Segurança". Stassinopoulos afirmou em seu Tratado que o cidadão livre tem a faculdade de fazer o que quiser, menos o que for proibido por lei. Reversamente, todos os servidores do Estado estão proibidos de agir salvo quando autorizados pela lei. Isso num regime democrático!

Os conflitos não solucionados pacificamente pelas partes deverão ser resolvidos pelos órgãos neutros da Justiça. Ainda em nossos dias, várias questões até então consideradas insolúveis, foram resolvidas com grande sucesso com reconhecida atuação da Justiça e dos órgãos do Ministério Público. Vale a pena registrar pelo menos três.

A doença de chagas foi praticamente eliminada após a Promotoria de Justiça, lutar na Justiça, no sentido de seu "agravamento" implicar o reconhecimento de "moléstia ocupacional" indenizável. A mortandade anônima chagásica praticamente desapareceu. Fomos testemunhas do fato.

Os leprosos eram detidos e internados à força na cidade de Cocais, no Estado de São Paulo, proibidos de lá saírem enquanto não alcançassem a sua até então dificílima cura. Não se tratava de um hospital, mas de uma pequena cidade instalada para deter leprosos. A Justiça, louvada nos enormes trabalhos desenvolvidos pelo grande médico Luiz Marino Bechelli, derrubou os muros de Cocais. Somos testemunhas dos fatos.

Finalmente, foi enorme a luta desencadeada para proibir o transporte de trabalhadores rurais sobre caminhão. O número de acidentes era monstruoso. Mortes incontáveis. Hoje esse transporte foi proibido tendo em conta as decisões da Justiça colhidas, especialmente, como resultado do trabalho desenvolvido pelos promotores de Justiça Marcelo Pedroso Goulart e Antônio Alberto Machado. Somos testemunhas dos fatos.

O vibrante livro "Atualidades e Tendências - Direito e Processo do Trabalho", editado por várias juristas, sob a coordenação das doutoras Amanda Barbosa, Andréia Bugalho e Luiza dos Santos, reflete juridicamente o tão grave problema, indicando que há a impossibilidade matemática de ser encontrada solução pacífica para essas questões se ocorrer a condenação e a execução da Justiça Trabalhista à pena de morte.

Dois filmes documentam historicamente o problema. O primeiro recebeu o título de "Os Companheiros", dirigido por Mário Monicelli, tendo como ator principal Marcelo Mastroiani, prêmio do cinema católico em 1963. O segundo recebeu o nome de "A Árvore do Tamanco", dirigido por Ermano Olmi, protagonizado por pessoas comuns, e, ainda assim, tornou-se o filme mais premiado da história do cinema: Palma de Ouro, 1978, França; BAFTA, 1980, Reino Unido; Prêmio César, melhor filme estrangeiro; Prêmio Donatello, 1979, Itália, melhor filme do ano; Academia Japonesa de Cinema, 1980, melhor filme de língua estrangeira; Prêmio NYFCC, 1979, Nova York, melhor filme de língua estrangeira.

Como solucionar conflitos de tão grande dimensão na ausência de uma Justiça Trabalhista neutra e intimamente ligada à construção pacífica de um Estado democrático? A ciência nega a possibilidade e a arte cinematográfica documenta a sua história.

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*Sérgio Roxo da Fonseca é professor livre docente da UNESP/FRANCA (aposentado).

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