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COAF muito além das instituições financeiras

Desenvolver um programa estruturado é responsabilidade daqueles que movimentam recursos financeiros e realizam transações que importam na circulação de bens e valores, ou seja, todo e qualquer segmento da economia.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Atualizado em 14 de fevereiro de 2019 15:36

Ao ter o nome confirmado para o Ministério da Justiça, o juiz Sérgio Moro, agora ministro responsável pela pasta, intensificou o debate e seu compromisso com a efetiva prevenção e combate aos crimes previstos na Lei de Prevenção à Lavagem de Dinheiro (9.613/98).

Como uma de suas primeiras ações, Moro solicitou a transferência da coordenação do Conselho de Controle das Operações Financeiras, o COAF, para seu ministério e, logo na primeira semana de janeiro, reformou seu estatuto, ampliando os poderes de fiscalização e controle do órgão.

No Brasil, a prevenção e combate à lavagem de dinheiro, sempre foi muito associada às instituições financeiras, apesar do artigo 9º, da Lei de Prevenção à Lavagem de Dinheiro, prever um rol extenso de pessoas (as "pessoas obrigadas"), que devem ter controles de monitoramento de operações e auxiliar o COAF na identificação de situações consideradas suspeitas e/ou atípicas.

Apesar das instituições financeiras terem maior probabilidade de serem envolvidas em esquemas que visam dar aparência lícita a recursos decorrentes de infrações penais nos últimos meses, diversas operações deflagradas pelas autoridades revelaram que a lavagem de dinheiro vai muito além do uso e intermediação de instituições financeiras para o engajamento das partes em uma série de atos para ocultar a verdadeira origem de recursos.

São inúmeros os exemplos da ampliação do escopo de atuação do COAF, todos bem recentes, que povoam as manchetes dos principais jornais.

Mercado de grãos (Operação Ceres, que investiga lavagem de dinheiro decorrente de crimes contra a ordem tributária no chamado "cinturão dos grãos", no estado de Minas Gerais); de joias (Operação Hashtag, um dos desdobramentos da Lava Jato, que envolve o ex-governador do Rio de Janeiro e famosas joalherias brasileiras); doações de fiéis de congregação religiosa (caso dos bispos da igreja Renascer, que, conforme alegam as autoridades, misturavam ganhos ilícitos dos crimes de concussão com dinheiro, lícito, dos fiéis); pagamentos de notas frias emitidas por empresas sem substância econômica e cujo o beneficiário final é um agente público ou pessoa a ele ligada (situação vista na Lava Jato, Mensalão e Banestado).

Uso de terceiros; empresas offshore; transações em países em que não há controle da origem de capitais que transitam pelo sistema financeiro; esquemas sofisticados que envolvem importações fictícias; aquisição de imóveis para desvio de recursos públicos; artifícios, esquemas sofisticados e infinidade de partes.

Com tantas possibilidades e criatividade daqueles que desejam ocultar a origem ilícita dos seus ganhos, o COAF, mesmo com todo o empoderamento e melhorias, não é capaz de detectar e prevenir esquemas sem a ajuda das chamadas pessoas obrigadas. Às pessoas obrigadas é imposto o dever de ter políticas e controles efetivos de monitoramento para o reporte tempestivo de situações suspeitas e/ou atípicas.

Caso, após esse rigoroso controle, não sejam identificadas quaisquer situações, o COAF deve receber, a cada ano, até 31 de janeiro, a declaração negativa de ocorrência de operações suspeitas e/ou atípicas.

É através dessa declaração que o COAF (i) assegura que as pessoas obrigadas têm um programa efetivo de prevenção à lavagem de dinheiro, de acordo com seu perfil e volume de operações, sob pena de estarem fazendo uma declaração falsa ou imprecisa (afinal, como declarar que não ocorreram situações se a pessoa obrigada não possui qualquer controle); e (ii) cruza as informações das declarações negativas com eventuais reportes que tenham sido realizados ao longo do ano.

A não entrega da declaração sujeita à pessoa obrigada, a sanções e multa pecuniária. Em 2017, o órgão divulgou que a soma das multas pecuniárias aplicadas alcançou o valor R$ 7,6 milhões de reais. Os números de 2018 ainda não foram divulgados, mas a expectativa é que o volume e o valor das multas aplicadas tenham crescido significativamente.

De 2017 a 2018, segundo dados do COAF, o número de comunicações encaminhadas pelas pessoas obrigadas saltou de, aproximadamente, 1,5 milhão para 3 milhões, representando crescimento da ordem de 100%. O total histórico de comunicações recebidas pelo COAF é de 17 milhões, em 20 anos de existência, completados no ano passado. Ou seja, as comunicações de 2018 representam mais de 20% do total histórico.

A tendência de 2019 não é diferente, considerando o cenário político e os diversos pronunciamentos sobre a importância do tema pelas autoridades, em especial pelo Ministério da Justiça, que tem o assunto como prioridade.

Os números e percentuais em progressão acelerada demonstram que a conscientização envolvendo o combate e a prevenção à lavagem de dinheiro chegou a todos os setores. Desenvolver um programa estruturado é responsabilidade daqueles que movimentam recursos financeiros e realizam transações que importam na circulação de bens e valores, ou seja, todo e qualquer segmento da economia. 

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*Livia Cunha Fabor é advogada da área de compliance do escritório Martinelli Advogados.

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