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Prescrição: termo inicial de contagem do prazo prescricional a partir do pagamento da indenização de seguro

Não obstante, é quase um bálsamo notar que no campo jurisprudencial brasileiro, visceralmente contaminado por visão equivocada do mercado segurador, alguma mudança em tal sentido se faz vislumbrar e ecos do melhor Direito e da Justiça são proclamados em prol desse mesmo mercado, por conseguinte em prol de toda a sociedade.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Atualizado em 20 de fevereiro de 2019 14:08

Importante orientação jurisprudencial para o mercado segurador começa a ganhar fôlego no cenário do Direito brasileiro.

Trata-se do entendimento de o termo inicial da contagem do prazo prescricional iniciar-se na data do efetivo pagamento da indenização de seguro.

Grosso modo, referido entendimento se apoia na idéia de o direito nascer para a seguradora no exato momento em que ela se torna a efetiva titular da pretensão respectiva.

E a pretensão, propriamente dita, surge com o pagamento da indenização de seguro, isto é, com a sub-rogação de direitos e ações.

Até o pagamento da indenização, o segurado é o titular da pretensão contra o causador do prejuízo, mas, com o pagamento, a transferência de titularidade é imediata.

Daí, aliás, a importância do recibo de pagamento de indenização como prova instrumental da sub-rogação e da consequente titularidade.

Tendo-se em conta esse contexto, amplamente conhecido daqueles que operam o Direito do Seguro, é de fato muito consistente o entendimento, pois a seguradora não pode exercer a pretensão sem a devida titularidade, nascida com o pagamento da indenização.

Assim, ao invés da data do sinistro e/ou da data do efetivo conhecimento dos danos e dos prejuízos, as corriqueiramente aplicáveis para os termos iniciais de contagens dos prazos prescricionais, a data do efetivo pagamento da indenização de seguro se revela opção interessante, juridicamente defensável e até mesmo com razão ontológica para existir.

A repetição de decisões em tal sentido para a solução de arguição de prescrição chamou a atenção e passou a ser mais um componente na arena dos conflitos aparentes de normas, muito comuns nos casos envolvendo seguros de transportes de cargas.

Motivado pelas decisões conquistadas em casos trabalhados, levei adiante pesquisa mais atenciosa a respeito e descobri que os julgados em tal sentido, monocráticos e colegiados, são mais comuns do que o inicialmente esperado, constituindo respeitável corrente jurisprudencial.

Abaixo, breves exemplos do que ora se comenta:

Ementa: Transporte aéreo - Extravio de Carga - Inaplicável no caso concreto o Código de Defesa do Consumidor - Aplicação do Código Brasileiro da Aeronáutica; Partes legítimas para integrarem os pólos, ativo e passivo, da ação; Prescrição - Bienal - Não ocorrência - Inteligência do artigo 317 do CBA e da exegese da súmula 151 do STF quanto ao início do prazo prescricional para a seguradora - Início desse prazo da data do pagamento da indenização pela seguradora autora; rés responsáveis solidariamente pelo alegado extravio da mercadoria; Direito de regresso - Sujeição à prova do sinistro indenizado - Pagamento operado que não obsta a apreciação da prova do dano - Subrogação de direito que não modifica a necessária comprovação do mesmo; Extravio da mercadoria - Ausência de prova da sua ocorrência - Vistoria inconclusiva - Ação improcedente - Sentença reformada - Recursos providos.

(TJ/SP - Apelação 9183122-19.2007.8.26.0000; 20ª Câmara de Direito Privado; relator desembargador Cunha Garcia; data do julgamento: 2/3/09)

Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL - Ação Regressiva - Prescrição da ação que não se verificou - Aplicação do artigo 206, parágrafo 3o, inciso V, do Código Civil vigente - Termo inicial a partir do ressarcimento - Contrato de transporte de mercadorias - Obrigação assumida pela ré em transportar mercadoria e entregá-la em seu destino - Obrigação que somente poderia ser afastada se comprovado caso fortuito ou força maior - Ônus da prova que incumbia à ré (art. 333, inciso II, do CPC) - Hipótese, ademais, que a prova produzida demonstrou que, ao contrário, a transportadora não cumpriu com diligência seu ofício - Inteligência do art. 749, NCCivil - Sentença mantida - Recurso improvido, com observações.

(TJ/SP - Apelação 9228080-56.2008.8.26.0000; 14ª Câmara de Direito Privado; relatora desembargadora Lígia Araújo Bisogni; data do julgamento: 30/3/11)

Ementa: Prescrição - Ação de indenização - Contrato de seguro de transporte de mercadoria - Ocorrência de roubo de carga - Pagamento de sinistro à segurada pela seguradora - Ajuizamento da demanda por esta sub-rogada nos direitos e ações daquela - Protesto interruptivo da prescrição apresentado - Não ocorrência de citação válida neste - Marco inicial do prazo prescricional correspondente à data do pagamento do sinistro - Prazo prescrícional de um ano já alcançado - Reconhecimento da prescrição mantida - Recurso improvido.

(TJ/SP - Apelação com Revisão 9117070-75.2006.8.26.0000; 21ª Câmara de Direito Privado; relator desembargador Antonio Marson; data do julgamento: 28/3/07)

Ementa: Acidente de veículo - Regressiva - Litisconsorcio necessário com a seguradora da ré - Questão decidida em decisão saneadora, irrecorrida - Preclusão - Prescrição do pedido de regresso - Inocorrência - Termo inicial da contagem que corresponde à data do pagamento da indenização pela seguradora ao segurado - Triênio não transcorrido - Improvimento.

(TJ/SP - Apelação 9231187-45.2007.8.26.0000; 26ª Câmara de Direito Privado; relator desembargador Vianna Cotrim; data do julgamento: 27/10/10)

Ementa: Seguro - Responsabilidade Civil - Regressiva de cobrança -Acordo celebrado pela autora segurada - Desembolso e postulação de ressarcimento da Seguradora ré - Alegação de falta de anuência da seguradora aos acordos - Falta que implicaria descumprimento a condição prevista na apólice - Falta de cobertura securitária para indenização por danos morais. Sentença de improcedência Recurso parcialmente provido. 1. Pronuncia-se a prescrição em relação à cobrança regressiva do valor de R$ 11.200,25, pago em 17/12/03, mais de um ano antes do ajuizamento da ação regressiva, superado pois o prazo prescricional da ação regressiva. 2. Não há prescrição a reconhecer, no alusivo ao valor de R$ 200.000,00, pago em agosto, setembro, outubro e novembro de 2005, ajuizada que foi a ação em 3/4/06 (CC, 206, par. Io., II, "a"). 3. O termo inicial da prescrição, em casos como o presente, corresponde as datas em que pagas as indenizações objeto do pedido regressivo. 4. É puramente potestativa e, pois, inválida, a cláusula que subordina a eficácia de acordo entre o segurado e terceiro, lesado, à prévia e expressa anuência da seguradora. 5. Não pode a seguradora recusar-se ao reembolso sob fundamento de que não ter sido notificada da demanda anterior, se não traz um único e convincente elemento indicativo de que, tivesse havido sua convocação, o resultado da demanda anterior seria diverso. 6. Se a apólice de seguro cobre qualquer modalidade de "danos pessoais" ou "danos corporais", sem expressa, clara e destacada advertência de que não abrange os danos morais, estes não podem ser excluídos, em face do princípio da boa-fé objetiva. Danos morais inscrevem-se entre os danos pessoais.

(TJ/SP - Apelação 0075834-34.2008.8.26.0000; 29ª Câmara de Direito Privado; relator desembargador Reinaldo Caldas; data do julgamento: 15/9/10)

Importante esclarecer que não se trata de um posicionamento definitivo e uniforme, mas em andamento e formação. Recentemente, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, STJ, na condição de relator de um recurso especial, julgou em sentido contrário, de sublinhar.

De qualquer forma, é possível dizer que, a despeito das polêmicas, tem-se no cenário jurídico atual uma corrente jurisprudencial.

Corrente sólida, respeitável, edificada em fundamentos robustos e enérgicos, mas que ainda não é a palavra final sobre o assunto (como, aliás, possível fosse uma palavra final em se tratando de Direito).

Aliás, tão sólida que já figura no STJ - Superior Tribunal de Justiça, sendo fundamentado pelo princípio do "ACTIO NATA", ou seja, em vernáculo, o NASCIMENO DA AÇÃO (entenda-se, do direito à pretensão).

Sempre é bom enfatizar que, em verdade, para a seguradora, o direito ao exercício da ação nasce, efetivamente, com o pagamento da indenização de seguro ao segurado, oportunidade em que a pretensão é transferida pela sub-rogação.

A orientação é de as seguradoras continuarem usando os critérios já rotulados "tradicionais", comuns e sedimentados, até porque todo o mercado já trabalha em torno deles (seguradoras, corretores de seguros e segurados).

Diz o ditado popular que cautela e caldo de galinha não fazem mal à ninguém.

Em sendo possível, convém não correr riscos.

Mas, se porventura o prazo rotulado como tradicional (a data do sinistro, por exemplo) for por algum motivo ignorado, é perfeitamente possível, válido, eficiente e juridicamente aceitável a adoção do referido entendimento: início da contagem do prazo prescricional para a seguradora a partir da data do pagamento da indenização de seguro, data da efetiva sub-rogação.

Há de se esclarecer que tal entendimento não desonera de forma alguma o segurado, num dado caso concreto, de velar pela acuidade da questão da prescrição, sendo que a não observação do prazo e a inércia quanto alguma medida para sua preservação implicará eventual perda do direito à indenização (exceção pelo contrato não cumprido e ofensa à cláusula geral de não poder o segurado prejudicar o direito do segurador). Ora, o fato de se poder usar uma arma de defesa, um remédio, não desqualifica o injusto civil-contratual.

Não obstante, é quase um bálsamo notar que no campo jurisprudencial brasileiro, visceralmente contaminado por visão equivocada do mercado segurador, alguma mudança em tal sentido se faz vislumbrar e ecos do melhor Direito e da Justiça são proclamados em prol desse mesmo mercado, por conseguinte em prol de toda a sociedade.

Termino enfatizando que esta breve manifestação tem o propósito de mostrar uma tendência atual, uma corrente jurisprudencial que poderá e deverá ser aproveitada em casos concretos, casos especiais, mas que, ao menos por enquanto, não deve ser erradamente ampliada e considera a versão final de um assunto sempre polêmico e distante de um entendimento pacificado.

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t*Paulo Henrique Cremoneze é sócio do escritório Machado, Cremoneze, Lima e Gotas - Advogados Associados.

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