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O especialista em liberdades

Aos que se contentam em ser operadores do direito, como se estivessem operando uma máquina fria, um guindaste, há sempre os lugares comuns, os conceitos carcomidos, as liberdades de palanque, os confortáveis adjetivos. Aos demais, convido à briga substantiva.

quinta-feira, 7 de março de 2019

Atualizado em 6 de março de 2019 12:30

Quem escreve e trabalha na área costuma se dizer especializado em liberdade de expressão (o que a mim é um equívoco, pois não há uma liberdade singular, as liberdades, bem como as formas de se expressar, são sempre plurais), ou ainda, e mais corretamente, costuma se dizer especializado em liberdades públicas, gênero que contém espécies como as que protegem as formas variadas de expressão.

As liberdades públicas, no entanto, não são as únicas passíveis de receber atenção jurídica, o que se nota em Rawls, pelos comentários de Ricoeur, quando afirma que o primeiro princípio de sua teoria da Justiça é garantir as liberdades a que chama de iguais da cidadania, dentre as quais, as públicas1. Assim, os referidos autores localizam, mesmo na área cível, as liberdades públicas como ramificações de outras codificáveis.

Seja como for, ainda que sob classificação mais ampla, entendo igualmente como equivocada qualquer especialização em liberdades adjetivadas. O especialista tem de ser proeminente em liberdades substantivadas. O adjetivo apaga a essência, e burocratiza de jurídico o que é, na raiz, filosófico.

 Obviamente, não ignoro que o direito dogmático, quando trata das liberdades, quando as normatiza em seu exercício (pois não pode normatizar as próprias liberdades, apenas seu exercício)2, se vale de conceitos que adjetivam, mas o teórico, o especialista, nunca pode estar limitado a essa adjetivação. Se quer abraçar o tema, deve encará-lo em sua substantividade.

Se algum jovem estudante que me lê deseja trabalhar um dia com liberdades, ponha fora os manuais jurídicos e, de saída, apenas tenha em mente o uso das liberdades como luta contra o destino inexorável do herói homérico, percorra como ganham as liberdades conotação ética, a partir de Ésquilo, como se tornam uma luta com a samsara, para Tathagata, ou uma indeterminação que obrigará o homem a empreender em busca da graça divina, no livre arbítrio cristão.

Dedique-se a perceber que as liberdades se estão transformando a partir das sociedades modernas de massa, e que o homem, em tais sociedades, mais objeto que sujeito, mais frágil que potente, torna-se vítima de um Estado que, com seu abraço de urso, avança sobre suas liberdades com a desculpa de o proteger.

Atentos a esses desdobramentos deverão estar sempre os profissionais que conhecem a dinâmica histórica das sociedades e de suas lutas por liberdades.

Aos que se contentam em ser operadores do direito, como se estivessem operando uma máquina fria, um guindaste, há sempre os lugares comuns, os conceitos carcomidos, as liberdades de palanque, os confortáveis adjetivos. Aos demais, convido à briga substantiva.

Me enquadro entre os que são especializados em direitos substantivos. Entendo minha área como sendo a de liberdades. Sou um especialista em liberdades. E ponto final. 

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1 RICOEUR, Paul. O Justo. 1 ed. Martins fontes. 2008. P.76

2 FERRAZ JR, Tércio Sampaio. Estudos de Filosofia do Direito. 2.ed.Atlas. 2003. P.91

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t*André Marsiglia Santos é advogado especialista em Liberdades. Sócio no escritório Lourival J. Santos - Advogados, diretor jurídico da ANATEC, membro da Comissão Especial de Liberdade de Imprensa (OAB/SP), e da Comissão de Entretenimento e Mídia do IASP- Instituto dos Advogados de São Paulo.

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