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O acordo da Odebrecht no Peru, para continuar executando obras iniciadas e suspensas pela Lava Jato

Essas obras paradas ou suspensas ou pior, se fossem canceladas, causariam irreparáveis prejuízos para o país, e que, com sabedoria, a sua continuidade, pela Odebrecht, poderia ser mantida.

quinta-feira, 14 de março de 2019

Atualizado em 12 de março de 2019 17:48

Migalhas Latinoamérica publicou nota informativa sobre acordo de reparação de danos (em 22/1/19), entre membros da Fiscalia (Ministério Público), uma Procuradoria ad hoc (especialmente designada pelo Estado) e representantes legais e especiais de escolha da Odebrecht. O ato deveria ocorrer no dia 4/2/19.

Dentro outros, o acordo abrangeria estes tópicos:

I) conhecer quais os funcionários públicos peruanos, além dos então conhecidos, receberem subornos da empresa;

II) previsão de que um executivo da empresa e outros cinco colaboradores brasileiros iriam ser interrogados, ainda no mês passado para confirmarem as delações (já com caráter oficial);

III) condição importante para a subsistência da empresa, é que, mesmo sendo investigada, a empresa, confessando, colaborando e reparando, poderia continuar com as obras (então paralisadas) referentes aos importantes projetos de altíssimos interesses sociais, políticos, econômicos e financeiros, como o da Costa Verde, a Estrada Interoceânica  (trechos II e III), a Via Expressa para os ramais 1 e 2 do Metrô de Lima.

Asseguro, com tranquilidade, porque há mais de 10 anos, com regularidade, visito o Peru, que essas obras paradas ou suspensas ou pior, se fossem canceladas, causariam irreparáveis prejuízos para o país, e que, com sabedoria, a sua continuidade, pela Odebrecht, poderia ser mantida. E acrescento: prejuízos já senti ao constatar que o país sofreu com a paralisação da Costa Verde. Ela é a continuação do trecho existente e esplêndido, indo em direção ao local que alojará os competidores dos Jogos Pan-americanos, em julho deste ano. O trânsito, em muitas horas caóticos, vai parar e, se imaginarmos com esse evento, o que pode ocasionar: logo, prejuízos sociais, sanitários e psicológicos, até com repercussão à imagem da organização e reflexos políticos, se sentirão e se sofrerão.

O acordo com a empresa, inicialmente, foi previsto pela reparação com a soma de 610 milhões de Soles (cambio de 1 USD= 3 soles) e mais 65 milhões de Soles pelo "Caso Chovas" (outra negociata de monte inferior).

Entre os dias que foram noticiadas a data do acordo e a sua realização, ainda mais constatei, porque lá me encontrava, uma vergonhosa disputa política (ou não) entre membros da Fiscalia, inclusive com a violação de lacres, portas de gabinetes, afrontamento à privacidade ministerial, restrição válida e competente sujeita ao controle judiciário maculado etc... Tudo noticiado e comentado, com extrema lucidez e clareza, em artigos, como relembro o do professor Andrés Calderón (Opinión, 14/1/19).

Deste "pasticcio" resultou, surpreendentemente, que a assinatura do acordo foi postergada para o dia 14/2/19, em São Paulo, na sede do Consulado do Peru.

Chamado o "Acordo de Colaboração Eficaz", o documento seria firmado com representantes e ex-funcionários da empresa. Tivemos acesso a informações confiáveis e relemos do texto, cláusulas que tais:

a) o acordo implicaria tanto a empresa como pessoa jurídica e seus executivos que se encontravam no Peru durante os projetos de infraestrutura nos quais ocorreram e provocaram atos de corrupção;

b) esse acordo, quando assinado e homologado, propiciará aos fiscais promotores utilizar as provas e as informações comprovadas, para continuar nas investigações e, sobretudo, conhecer a verdade sobre atos de corrupção e seguir processando os responsáveis, dentro da lei;

c) surpreendentemente os mesmos funcionários da empresa, processados e delatores, poderão, se requisitados, testemunhar contra os réus no Peru;

d) no país, foram pagos USD 32 milhões e o acordo resultará em reembolso de USD 182 milhões, ou seja, a proporção entre o acordo e o suborno será de 5.51, somente superado, ao que consta no Peru, em seus informes, pelo do Brasil, onde a proporção foi de 6.85, para um total de suborno de USD 349 milhões e o valor do acordo de USD 2.390 (acrescento: "se non è vero,  è bene trovato");

e) constrangedor, a meu sentir, que a empresa, pessoa jurídica, "admitindo sua responsabilidade", mas de corrupção, nos projetos mencionadas e negociados com o Estado, a tornará em "colaboradora eficaz" e entregar provas e prestar testemunhos, quantos necessários, dos ditos atos de corrupção;

f) colocar à disposição todos os seus arquivos virtuais que foram utilizados para encobrir o pagamento de subornos do caixa 2, bem como "obrigada a garantir que seus funcionários testemunhem" e, ainda, reparar, pagando o Estado o que venha a ser apurado, mas, os "bonzinhos" fiscais não usarão as informações captadas contra a empresa, a dar "placet" à empresa a participar de novas licitações com o Estado e permitir que recupere suas operações (aqui pergunto: obras paralisadas devem sofrer reajustes financeiros, logo, vão acontecer "aditivos contratuais", que não comento), e, "quantum satis", para vigorar, o Judiciário deverá homologar o acordo, para passar a vigorar.

Alvissareiro que os fiscais peruanos foram eficientes e, comprovadamente, sem receios ou sem dar trégua levaram a juízo 15 pessoas físicas e 4 pessoas jurídicas, entre elas, empresas peruanas consorciadas com a Odebrecht.

Envolveram e investigaram, caso a caso (obras mencionadas antes), donde estão comprometidos os ex-presidentes Alan Garcia, Ollanta Humala, Pedro Pablo Kuczynski e Alejandro Toledo (este conhecido aqui em São Paulo. Há uma década, eu lhe perguntei quando fez palestra em uma entidade patronal, porque detinha residência e passaporte norte-americano. Não respondeu, mas, agora, a Fiscalia solicitou que fosse extraditado, após fugir).

"Grosso modo", são réus, em cada obra, ainda um ex-governador regional, Felix Moreno e Jorge Acurio Tito; um ex-Ministro das Comunicações, diversos "laranjas", doleiros, a ex-prefeita de Lima, Susana Villarán, empresas de consultoria, e personagens de "lobby" local.

Quero lembrar que a Odebrecht, em 27 de junho de 2018, noticiado no "Peru 21", às 10:45, de 5/2/19, enviou um relatório elaborado por advogados brasileiros à Promotoria Nacional, lamentando que ele atrapalhava suas atividades e as presumidas violações com o Ministério Público peruano.

Mas, a empresa, já então, não cumpria o primeiro acordo, datado em 4/1/17! As queixas e as agruras são que a Odebrecht, contra o ex-presidente Toledo, a ex-prefeita Villarán, o ex-presidente Garcia e outros tantos, não houve "entorpecimento nas investigações", e que resultaram na troca de vários fiscais e, então, com Felini, "la nave va"...

Bom, finalmente, o jornalista Luis Paredes, em 16/2/19, no conhecido "Los peruanos del Lava Jato", noticiou que a empresa firmara, no Consulado do Peru em São Paulo, anos antes, um acordo de "benefícios e colaboração eficaz", com os fiscais da equipe especial da Lava Jato peruana, sem resultados eficazes.

Muito proveitosa para os leitores peruanos e para os interessados no estrangeiro que Paredes, fez uma enquete de várias fontes, aproveitando o acordo, ganhando a verdade e a justiça, para que "a reparação e a permissão para que a Odebrecht operando no Peru" são, apesar do longo tempo para ser cumprido (15 anos com garantia de um fideicomisso). Sem êxito, todavia, há opiniões divergentes, sobretudo da esquerda.

Na esperança que ainda seja homologado o bendito acordo pela juíza Maria de Los Angeles Alvarez, que se aterá - segundo informações obtidas por este autor - e deverá se restringir ao procedimento de controle da legalidade, em suas 1000 páginas, para ter eficácia. Ita speratur!

E, começando, no dia 10/3/19, o Primeiro Domingo da Quaresma, foi lido o texto de Lucas 4, 1-13, destacado o último versículo: "Terminada toda a tentação, o diabo afastou-se de Jesus, para retornar no tempo oportuno". Para quem no Peru?

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*Jayme Vita Roso é advogado e fundador do site Auditoria Jurídica.

Jayme Vita Roso

 
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