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Constitucionalidade, validade e oportunidade da MP 873 sobre as contribuições sindicais

Renato Rua de Almeida

Antes mesmo da aprovação da lei 13.467 sobre a reforma trabalhista, que prevê a autorização prévia e expressa do trabalhador para o desconto em folha da contribuição sindical, a jurisprudência do STF estava consolidada nesse sentido em relação aos não filiados ao sindicato.

terça-feira, 26 de março de 2019

Atualizado em 25 de março de 2019 12:43

tO ministro do STF Edson Fachin, relator das ADIns sobre os pedidos de declaração de inconstitucionalidade dos artigos da lei 13.467, de 13 de julho de 2017, que previam a facultatividade do pagamento da contribuição sindical, valeu-se do fundamento de que essa facultatividade implicaria a quebra do tripé constitucional que sustenta o modelo semi-corporativista do sindicato brasileiro.

Ora, esse fundamento do voto do ministro relator foi amplamente rejeitado pela maioria expressiva do plenário do Supremo Tribunal Federal.

Para o voto vencido do ministro relator da matéria em comento no STF, o tripé constitucional compreenderia a unicidade sindical (artigo 8º, inciso II, da CF de 1988), a representação monopolística da categoria profissional (artigo 8º, inciso III, do mesmo diploma constitucional) e a contribuição sindical obrigatória de todos os membros da categoria profissional representada (artigo 8º, inciso IV do mesmo texto constitucional de 1988), o equívoco cometido pelo voto do ministro relator do STF foi entender que a previsão da contribuição sindical obrigatória fosse constitucional, quando sempre o foi pela Consolidação das Leis do Trabalho, e, portanto, passível de revogação tornando-a facultativa, como ocorreu com a lei 13.467 sobre a reforma trabalhista.

Além do mais, com a facultatividade aprovada, restou estabelecida a lógica constitucional do modelo semi-corporativista do sindicato brasileiro, pois, ao lado da unicidade sindical, da representação monopolística da categoria profissional e do direito do sindicato profissional de arrecadar a contribuição sindical, ganhou efetividade a dimensão individual da liberdade sindical prevista pelo artigo 8º, inciso V, do texto constitucional de 1988, quando assegura ao trabalhador o direito de não se filiar ou desfiliar-se do sindicato, resultando-lhe como corolário a faculdade de não pagar a contribuição sindical.

Ora, diante do esvaziamento da arrecadação das contribuições sindicais, os sindicatos profissionais valeram-se de investidas indiretas contra essa facultatividade do trabalhador não filiado de pagar a contribuição sindical assegurada pela lei 13.467 sobre a reforma trabalhista. Para tanto, passaram a aprovar em assembleias gerais, sob o argumento de que eram soberanas e garantidas pela vontade coletiva, a obrigatoriedade do pagamento da contribuição sindical para toda a categoria profissional, inclusive para os não filiados.

Ora, antes mesmo da aprovação da lei 13.467 sobre a reforma trabalhista, que prevê a autorização prévia e expressa do trabalhador para o desconto em folha da contribuição sindical, a jurisprudência do STF estava consolidada nesse sentido em relação aos não filiados ao sindicato.

Ademais, o direito coletivo de trabalho é um direito individual de manifestação coletiva e ocorre tanto no que concerne ao direito sindical, como também em relação à negociação coletiva e ao direito de greve.

Também as cláusulas normativas de algumas convenções e acordos coletivos de trabalho passaram a prever, em razão da aprovação de assembleias gerais dos sindicatos profissionais, o desconto da contribuição sindical em folha de pagamento de todos os trabalhadores, mesmo daqueles não filiados à entidade sindical profissional.

Ora, essas convenções e acordos coletivos de trabalho foram aprovados em flagrante conflito com o artigo 611-B, inciso XXVI, da Consolidação das Leis do Trabalho, que considera ilícita a supressão ou redução da liberdade sindical do trabalhador, incluído o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos nos instrumentos coletivos.

Para completar a ilicitude, nas hipóteses de conflito com a busca de solução por meio de dissídio coletivo de trabalho, naqueles Tribunais Regionais do Trabalho, como o da 2ª Região em São Paulo,  que acatam seu ajuizamento mesmo sem comum acordo, sentenças normativas passaram a validar o desconto das contribuições sindicais, uma vez aprovadas em assembleia geral dos sindicatos profissionais, mesmo sem a autorização prévia e expressa dos trabalhadores não filiados ao sindicato profissional.

Por essas razões, o Poder Executivo federal houve por bem valer-se da prerrogativa constitucional de enviar ao Congresso Nacional a MP 873, de 1º de março de 2019, sobre a forma de se arrecadar o pagamento da contribuição sindical por meio de boleto bancário ou equivalente eletrônico, com a prerrogativa e a responsabilidade da avaliação pelo juízo de conveniência e oportunidade dos requisitos da relevância e urgência, dando assim efetividade ao direito fundamental social da dimensão individual da liberdade sindical, tal como previsto pelo já mencionado artigo 8º, inciso V, da Constituição da República.

Não se diga, ademais, que a MP 873 em comento implica interferência e intervenção do Estado na organização sindical, vedadas que são pelo artigo 8º, inciso I, do texto constitucional, porquanto tais vedações são destinadas ao Poder Executivo no exercício de suas atribuições administrativas, como ocorria anteriormente à aprovação da Constituição de 1968 pela Assembleia Nacional Constituinte, quando os sindicatos exerciam funções delegadas do poder público. Essas vedações não são destinadas ao Presidente da República no uso de suas atribuições de adotar, em caso de relevância e urgência, como no caso presente, medida provisória, com força de lei, para dar efetividade ao direito fundamental social da dimensão individual da liberdade sindical, com o envio de sua apreciação ao Congresso Nacional.

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*Renato Rua de Almeida é advogado trabalhista, ex-advogado de Sindicatos de trabalhadores, doutor em direito do trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de Paris I (Panthéon-Sorbonne) e professor aposentado com mais de 40 anos de magistério do direito do trabalho da Faculdade de Direito da PUC-SP, membro da ABDT e do IBDSCJ.

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