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Telemedicina - Olhar crítico e breve digressão histórica

"Não se pratica bem uma ciência sem conhecer sua história" - Augusto Comte

quarta-feira, 3 de abril de 2019

Atualizado em 1 de abril de 2019 15:50

Não se pratica bem uma ciência sem
conhecer sua história
Augusto Comte

Podemos facilmente perdoar uma criança
que tem medo do escuro; a real tragédia da
vida é quando os homens têm medo da luz
Platão

A telemedicina já é uma realidade no Brasil. Não foi inaugurada pela resolução CFM 2.227/18, como muitos pensam, e que tanta controvérsia trouxe recentemente, a ponto do Conselho Federal de Medicina (CFM) preferir revogá-la antes mesmo de sua entrada em vigor.

Na década de 90, o Brasil normatizou a elaboração de laudos de eletrocardiograma a distância (posteriormente rotulada de telecardio). Passou a ser comum se realizar esse exame em domicílio, p. ex., num check up anual. Um técnico ou enfermeiro comparecia - como comparece - à residência do paciente, nele instalando os eletrodos e realizando a eletrocardiografia. Para saber se os fixadores estavam bem posicionados realizavam um teste prévio e o próprio sistema apontava eventual necessidade de ajustes. Obviamente o técnico tinha instrução para fixar os eletrodos e operar o sistema. Os dados coletados in loco eram levados ao especialista, fisicamente (geralmente num CD-ROM). Atualmente, os dados podem ser enviados virtualmente (transmissão dos dados pela internet) em parte dos serviços, em pen-drive ou num notebook/ laptop. Vê-se, assim, que há quase 30 anos já tínhamos situações em que não-médicos compareciam à residência dos pacientes, para realizar exames médicos, que seriam ultimados a distância, em outro momento. Nem por isso houve aumento de erros médicos nesses exames. Vale uma espiada dessa história na Dissertação de Mestrado da Dra. Sumaia Georges El Khouri, defendida na Faculdade de Medicina da USP, em 2003, com o título "Telemedicina: análise da sua evolução no Brasil", a partir da página 1451. Mais de 160 mil exames como esse foram realizados à época. O Incor, da FMUSP, foi um dos protagonistas da ideia, e os frutos colhidos foram motivo de reverência e de modelo para outros países do Globo. Cabe registrar que, lamentavelmente, em 2015, o CREMESP se posicionou, ainda que apenas pontualmente, contra essa prática específica2, enquanto outros Conselhos, mais vanguardistas, eram, em termos gerais, mais permissivos a essas novas interações3.

Em 1999 o Brasil passou a incorporar, em suas normatizações, os 28 termos da Declaração de Tel Aviv, anunciada na 51ª Assembleia Geral da Associação Médica Mundial, realizada naquele ano, que trata das "Responsabilidades e Normas Éticas na Utilização da telemedicina". Veja que a norma é de alcance internacional, aderida pelo Brasil, inaugurada no século passado por um país notoriamente cioso e superlativamente crítico com questões éticas que envolvem o ser humano: Israel.

Há 18 anos, em São Paulo, o CREMESP editou norma (resolução 97/01) que regulou preceitos éticos na divulgação de temas relacionados à saúde na mídia digital. Depois disso, houve regulação do tema em outros Conselhos Regionais, até sobrevir normatização unificada pelo CFM.

Em 2002, ainda que de forma incipiente, entre outras novidades de atuação a distância, o CFM inaugurou a telecirurgia, por meio da resolução 1.643/02, importante marco nacional da telemedicina. Desde lá, ainda que com protocolos específicos, se realizam cirurgias com uso de robôs, a distância. Na primeira telecirurgia realizada no Brasil, o paciente padecia de varicocele, estava internado no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, acompanhado por uma equipe médica local, mas o médico que efetivamente realizou a cirurgia (Prof. Louis Kavussi), estava no Hospital John Hopkins, em Baltimore, nos Estados Unidos4. Os protocolos foram aceitos pelo CREMESP e pelo CFM.

Nesse mesmo ano de 2002, o CFM já havia editado as resoluções 1.638 e 1.639, além da 1.643 retro mencionada, que tratam, respectivamente, (i) da definição de prontuário médico e torna obrigatória a criação da Comissão de Revisão de Prontuários nas instituições de saúde, aprova as "Normas Técnicas para Uso de Sistemas  Informatizados  para  a  Guarda  e  Manuseio  do  Prontuário  Médico", inserindo a questão digital na guarda de informações, (ii) dispõe sobre o tempo de guarda dos pontuários, estabelece critérios para certificação  dos  sistemas  de informação  e  dá  outras  providências  e (iii) a última resolução define  e  disciplina  a  prestação  de  serviços  por meio da telemedicina, tendo sido, com o dito, o primeiro marco efetivo no Brasil a tratar do assunto.

Com essas resoluções, os laudos de exames e as respectivas imagens passaram a ser acessíveis pela internettelemedicinaEssa possibilidade começou a ocorrer, pontualmente, por meio de respostas permissivas, vindas dos Conselhos Regionais, a consultas formuladas por hospitais e laboratórios clínicos, duas delas, inclusive, representadas por este subscritor (representando um Hospital e um Laboratório Clínico) e que desaguaram na resolução CFM 1.821/07, que previu a possibilidade, controversa à época, de prontuários médicos não mais terem que ser registrados em papel, podendo se dar, doravante de forma exclusiva, por meio eletrônico. O custo para se guardar essa torrente de papeis era altíssimo, sem contar no espaço, logística, os documentos emboloravam como tempo, eram comidos por traças e muitos ficavam esmaecidos. Mas havia críticas ferrenhas contra essa nova prática, inclusive com requintes conspiratórios. Aventava-se que, mesmo com certificação própria, a forma digital permitiria adulterações de imagens e laudos, submetendo o paciente a toda ordem de vulnerabilidade e potenciais desmandos por parte de eventuais médicos mal-intencionados, que poderiam alterar os dados para se protegerem em caso de discussão judicial ou ética sobre algum eventual erro médico ou conduta antiética. Atualmente, até declarações de imposto de renda, petições e sentenças judiciais se dão dessa forma. A certificação digital evita fraudes, ainda que seja impossível evitá-las completamente, mas isso também ocorre com documentos em meio físico, que, aliás, são muito mais vulneráveis. À época, para ver aprovada essa prática, fui sabatinado, em Plenário no CFM. As perguntas que me foram feitas insinuavam a possibilidade de se institucionalizar um mecanismo de falcatruas em hospitais e laboratórios. Felizmente, conseguimos a aprovação, tratamos a fundo sobre certificações e sistemas de segurança, implementando a prática que já existia em dezenas de países e hoje é habitualmente utilizada no Brasil.

Naquele ano de 2007, o CRM-PR se pronunciou pela viabilidade de criação de uma empresa específica de telemedicina, criticando outros Conselhos Regionais que pretendiam uma "reserva de mercado"5. Foi muito simbólico.

Em 2009, o CFM editou um novo Código de Ética Médica, que previa a telemedicina no seu art. 37, parágrafo único6.

No mesmo ano de 2009, o CFM editou a resolução CFM 1.890/09, que define e normatiza a Telerradiologia. Na ocasião, regulou-se a possibilidade de transmissão de imagens e relatórios à distância em diversas modalidades7.

Ainda em 2009 o próprio CFM passou a permitir aconselhamento genético a distância, "tendo em vista o escasso número de médicos especialistas em genética no Brasil". Como sabemos, esse tipo de assunto é bastante delicado, porque pode levar um casal, que deseja ter filhos, a não os ter ou a assumirem riscos, às vezes elevados, de os filhos terem sequelas. Mesmo assim, o CFM permitiu esse aconselhamento a distância. A resolução não dá margem à discussão: "(...) podemos inferir que o aconselhamento genético pode ser considerado e realizado utilizando-se os recursos da telemedicina"8. Esse caso foi igualmente simbólico, porque não  havia médico algum ao lado dos pacientes orientados a distância, por webcam. Certo ou errado, esta já é uma prática no nosso País há mais de uma década.

Em 2010 a telemedicina chegava de forma efetiva aos exames de Diagnóstico por Imagem, com pareceres favoráveis para se laudarem exames a distância (ex. Parecer CRM-PR 2165/10, aprovado em reunião plenária 2446 de 9/3/10 - CÂM III). Vale se atentar a uma passagem desse parecer, que faz referência a diversas legislações anteriores, que fundamentavam a possibilidade dessa prática. Vê-se que, em 2010, já havia um arsenal de normas a respeito do tema, que hoje, nove anos depois, é tratado como sendo uma "novidade"9.

Em 2013 o CRM-PA tutelou o uso da telemedicina em locais de mineração, sem auxílio médico local, e citou a Petrobras S/A como tendo sido a empresa pioneira no Brasil a fazer uso amplo da telemedicina, em plataformas marítimas10.

Em 2014 a telerradiologia foi melhor regulamentada pelo CFM (resolução 2.107/14).

Em 2016, o CREMAM, do Amazonas, não considerou haver qualquer tipo de irregularidade no fato de médicos, situados em MG e em SP, poderem laudar exames realizados no AM. Mais do que permitir a prática, complementou que esses médicos não precisavam estar inscritos no CRM do Amazonas, mas apenas nas circunscrições de suas efetivas atuações, onde estavam registrados originariamente11.

No mesmo ano de 2016, o CRM-MG autorizou que um médico generalista pudesse acionar um especialista, à distância, para auxiliar no diagnóstico e terapêutica, obviamente distribuindo a responsabilidade desses atos aos médicos envolvidos, na medida de suas atuações12. Aliás, cabe relatar que mesma situação já havia sido tratada pelo CRM-ES em 2013 (Processo Consulta CRM-ES 019/13), mas só foi aprovada em 2017, com nova numeração13.

Em 2017, o vanguardista CRM-PR proferiu parecer histórico, que convido o leitor a lê-lo. Nele, se registrou o óbvio: cabe ao médico saber, no caso concreto (e responder pessoalmente por sua escolha), se deve ou não assistir o paciente a distância14.

No mesmo ano de 2017, o CRM-MG não apenas endossou o uso da telemedicina, como foi além: disciplinou a guarda dos dados, obrigando que o médico que atuasse a distância também guardasse os dados da consulta num prontuário paralelo do paciente, mesmo sem examiná-lo pessoalmente15.

Em 2018, o mesmo Conselho Mineiro chegou a tratar de envio de dados (alertas, em verdade) de dados do paciente por aplicativos de smartphones. Sensível à tecnologia, os conselheiros mineiros não demonizaram a ideia, mas acabaram por vedá-la porque os dados dos pacientes deveriam obedecer a protocolo específico, da NGS2 (Nível de Garantia de Segurança 2), que só é certificada pela SBIS/CFM (SBIS -Sociedade Brasileira de Informática em Saúde/ CFM - Conselho Federal de Medicina). Apenas por essa questão formal (porque há aplicativos, cá entre nós, que contam com segurança muito mais aprimorada e rigorosa do que esse nível 2 de segurança do SBIS/CFM NGS2 na transmissão segura de dados, como a criptografia ponto-a-ponto), em respeito ao CFM, o Conselho local opinou pela proibição de recebimento de alertas de pacientes por essa via16 que, hoje em dia, até tribunais utilizam para intimar partes e advogados, mesmo em processos judiciais sigilosos e criminais17. Aqui, paira uma curiosidade: desde 2017 o CFM já havia aprovado o uso de Whatsapp®, Telegram® e congêneres, para esta finalidade18, proibida até então, por vedação explícita do Código de Ética Médica, que permite atendimento médico por telefone e a distância apenas se o paciente estiver em situação de urgência (clamar por atendimento rápido) ou de emergência (risco iminente de vida)19. A miscelânea de Pareceres (que têm efeito vinculante: ou seja, precisam ser cumpridos pelos médicos e empresas médicas20) é tamanha que, muitas vezes, nem os próprios CRMs acompanham o que o CFM preconiza/ determina. No caso exemplificado, o próprio Conselho Regional acabou por descumprir determinação prévia, do CFM, que já havia autorizado o uso desses aplicativos de smartphones. Mostra-se sintomática, assim, a necessária compilação desses temas numa única resolução, o que foi tentado, agora, em 2019.

Ainda em 2018 o CFM também aceitou que médicos utilizassem APPs específicos para atender pacientes em suas casas21.

Também em 2018, o CRM-PR autorizou a confecção de laudos eletrônicos a distância, nas especialidades de Eletroencefalografia e Radiologia22, conquanto que no local do exame também tivessem profissionais da área, no contato direto com o paciente, ainda que não fossem especialistas.

Agora, em 2019, se consolidou e se deram rótulos às várias modalidades de tratativas médicas a distância, por meio da resolução CFM 2.227/18, que é tratada nesse breve artigo, valendo citar: (i) teleconsulta, (ii) teleinterconsulta, (iii) telediagnóstico, (iv) telecirurgia, teleconferência, (v) teletriagem médica, (vi) telemonitoramento, (vii) teleoirentação e (viii) teleconsultoria. Essa norma também regulou diversos aspectos que já haviam sido superados por alguns precedentes éticos, unificando entendimentos ainda dissonantes entre os vários CRMs.

Houve, entretanto, uma catarse criada no meio médico contra essa resolução, diante "das preocupantes novidades inauguradas", a ponto do CFM ter optado por revogá-la, antes mesmo que entrasse em vigor. E houve muita discussão, em parte por quem não conhece o assunto e a história da telemedicina no nosso próprio País.

Compreendo as preocupações, dado que a relação médica a distância exige cautelas especiais. Qualquer descuido dos médicos quanto à escolha açodada ou, de forma geral, imprudente dessa via, poderá sujeitá-los a ações judiciais indenizatórias e processos éticos, caso não devessem ter atuado a distância. Mas, mesmo assim, lamento a forma abrupta como essa revogação ocorreu.

É fato que alguns assuntos já poderiam ter sido regulamentados ou, como normalmente ocorre nesse tipo de codificação, contar com Anexos que especificassem a forma de atuação em cada uma das modalidades, de maneira mais apurada.

De toda forma, como visto pela digressão acima, a mera demonização da telemedicina conta com um contingente de pessoas - incluindo médicos - desinformados.

Fato é que a maior parte do que foi trazido na novel e precocemente natimorta resolução, como visto, já era realidade amplamente praticada Brasil afora, inclusive endossada, em diversas questões, pelos próprios Conselhos Regionais de Medicina, do Oiapoque ao Chuí. Estamos falando de precedentes que datam de 1990, editados desde o CRM-RS até o CRM-AM, tendo aqui se pincelado apenas uma parte deles, para ilustrar e trazer as fontes. De novidade mesmo, constata-se que pouca coisa houve nessa "controvertida" resolução CFM 2.227.18.

Indo para os detalhes - porque, como diz o adágio popular, o diabo mora neles - as críticas mais importantes à resolução foram as seguintes:

 

  1. O fato de estar escrito, agora em norma, que o médico pode atender o paciente a distância, ainda que em situações excepcionais, causou alvoroço na comunidade médica (e essa é apenas uma das modalidades da telemedicina: a teleconsulta), receosa de o profissional incorrer em possível erro por não realizar exame clínico direto no paciente, que poderia não ser assistido da melhor maneira, por essa via. A ausência de exame clínico direto seria algo inadmissível em Medicina.
  2. Suscitou-se, ademais, o receio de se mercantilizar a Medicina por meio dessa tecnologia, já que ofertaria acesso fácil e rápido a médicos disponíveis pela internet para atender pacientes potenciais, sucateando a profissão, como se fosse um serviço de atendimento telefônico qualquer.
  3. Aventou-se, também, o risco de poder ocorrer vazamento de informações do paciente, incluindo imagens do seu corpo, já que a consulta a distância seria inteiramente gravada, por determinação da própria resolução.
  4. Também houve crítica de que essa tecnologia seria uma elitização da Medicina, infactível de ser implementada num país como o Brasil, que sequer possui cobertura integral e de qualidade de internet em todo o seu território.

Por essas e outras reações, o CFM preferiu abortar, por ora, essa novel legislação.

Enfrentemos essas críticas. Primeiramente, repise-se que, concordando ou não, muitas delas já foram superadas, como foi visto e fundamentado acima, pelos Conselhos Regionais, ao longo das últimas três décadas.

Especificamente, tratemos de cada uma delas e as dividiremos em outros subitens, se iniciando pela última crítica:

 

  1. A ausência de internet de qualidade (velocidade, constância e de cobertura em todo o território), que de fato ocorre no Brasil, não é um fator obstativo para o exercício da telemedicina em diversas de suas modalidades. Quando tratamos dos Estados Unidos, p. ex., há a falaciosa impressão que todo aquele país é inteiramente coberto por sinal de internet e de qualidade. Isso não é uma verdade. A região central do território norte-americano é carente de sinal em sua maior parte, mormente em região de campo. Mesmo nas costas, é comum haver episódios climáticos que impeçam a transmissão de dados e até de eletricidade, por dias a fio. Idem no Canadá e no México, que já utilizam a telemedicina de forma ampla e também são países com dimensões continentais. Ciente disso, tal qual ocorre por lá, a própria resolução previu situações em que a teleconsulta pode ser realizada, preferencialmente, "on line", ou seja, ao vivo (síncrona) mas, se isso não for possível, previu que poderá se dar de forma assíncrona, pela qual o paciente ou um profissional local - generalista ou outro profissional de saúde, não necessariamente um médico - posta suas dúvidas, imagens e queixas colhidas do paciente, e o especialista, em outro momento e em outro lugar, receberá a mensagem/ imagens, as analisará e devolverá com suas considerações, formulando mais perguntas e/ou fará suas preconizações. Em caso de telecirurgia, obviamente, tal qual já ocorre em protocolos, ambos os centros médicos terão que contar com aparatos que garantam a estabilidade da transmissão de dados, preferencialmente contando com sinal por satélite e cabos, com sistemas de redundância na hipótese de ocorrerem falhas técnicas num dos sistemas. A resolução trata do pré-requisito da tecnologia necessária, que obviamente precisa ser regulamentado. Afinal, como já ocorre hoje, ninguém simplesmente instala um robô cirúrgico sem as autorizações das Agências e Órgãos Regulatórios respectivos. E ninguém o opera sem certificação própria. A resolução também condiciona que, ao lado do paciente, deve estar um médico especialista da área em questão (neurocirurgião, cirurgião-ortopedista etc.), além, obviamente, de anestesista(s). Esses profissionais podem até auxiliar na cirurgia (abrindo e fechando o campo cirúrgico etc.), e estão em prontidão caso precisem intervir, na ocorrência de eventual falha no sistema, mal súbito do paciente ou do médico que está atuando a distância. Ou seja, o paciente estará num centro cirúrgico sendo assistido por médicos, também localmente.
  2. Respondendo a outras críticas, a telemedicina está longe de ter sido criada para atender uma elite ou que traria uma elitização da Medicina. Ao contrário. O objetivo é se poder atender pacientes que estão situados em locais que não contam com hospitais nem assistência médica especializada, a despeito de já utilizada até por planos de saúde23. É esse o alvo principal da resolução. Da mesma forma que o Brasil implantou o Programa "Mais Médicos", a nova tecnologia visa, primordialmente, suprir a falta de profissionais nos rincões do País, mas com profissionais de qualidade.
  3. O médico não precisa - nem deve - atender o paciente sem examiná-lo. Ao menos a primeira consulta deve ser presencial, como exige a resolução, salvo exceções que, com o perdão da redundância, são excepcionalíssimas e, como visto acima, já existem, valendo citar o uso da telemedicina sem médico local em plataformas marítimas, em regiões de mineração sem fácil acesso, no aconselhamento genético em locais que não contam com nenhum especialista na área e para se laudar exames por especialistas que não existem onde se situam os pacientes. Pacientes, contudo, com doenças crônicas, já com tratamento em curso ou com algum tipo de ferimento leve, talvez sejam elegíveis para atendimento a distância, relembrando que o médico deve vê-lo pessoalmente em intervalos inferiores a 120 dias, como exige a resolução. Caberá ao especialista analisar se é, ou não, hipótese de atendimento a distância. Ele jamais estará obrigado a fazê-lo. A resolução traz faculdade ao médico, sob sua responsabilidade pessoal, de poder atender o paciente a distância. É ululante que caberá ao esculápio avaliar cada situação e responder por eventuais erros que cometa, inclusive pela escolha eventualmente equivocada dessa forma de atuação, como, aliás, já foi assim decidido por parte de vários CRMs, conforme precedentes, alguns deles reproduzidos nas notas de rodapé desse artigo. Não há novidade alguma nisso.
  4. Quanto à alegada mercantilização da Medicina que essa resolução poderia trazer, esta acusação não resiste a uma digressão perfunctória do que ocorre em diversos países, valendo citar o exemplo do Canadá, do México e dos Estados Unidos. Neste último país, há plena liberdade de propaganda, p. ex., aos profissionais liberais, incluindo os médicos.  Impressiona como o Brasil está anacrônico nessa questão, talvez por conta de nosso histórico latino, arraigado a burocracias e regulações excessivas. Nos Estados Unidos, médicos fazem aparições diversas na mídia visando apresentar os seus serviços e ofertam telefones e sites para contatos; e a profissão não é sucateada por conta disso. Lá, o médico (assim como outros profissionais) pode expor estatísticas de êxito em suas atividades, fotos antes e depois de procedimentos estéticos, mostrar aparelhagem e apresentar novas tecnologias, conquanto que aprovadas pelos seus Órgãos Regulatórios. Sucateamento é tudo que não há por lá... Essas iniciativas devem ser encaradas com bons olhos pelos Conselhos Éticos daqui, e encarados como incentivo aos profissionais, ensejando que se aprimorem e, assim, prestem um serviço cada vez melhor à população, e, porque não, instá-los a praticá-los de forma mais eficiente do que os seus concorrentes. Quem ganha com isso é o paciente! Aqui, essa dinâmica e forma de promoção é vista como antiética. É um tema tabu nos Conselhos Éticos. Médicos não podem apresentar novidades tecnológicas pela internet nem pela imprensa leiga, não podem mostrar os seus aparelhos nem anunciar o uso de uma técnica exclusiva sua24, sob pena de serem acusados de sensacionalismo e mercantilização da Medicina. Sequer o médico pode expor um autorretrato no seu ambiente de trabalho, com os seus apetrechos de trabalho25! A profissão não será sucateada por conta disso. Ao contrário... É sucateada, isso sim, pelo péssimo nível de algumas faculdades, cujo Governo e MEC fazem vistas grossas, permitindo que se multipliquem de forma explosiva. Isso sim é um desserviço à nação, à sociedade e aos pacientes. E deveria ser objeto de manifestação contundente por parte da comunidade médica, muito mais importante do que a forma como os profissionais vendem o seu peixe, conquanto que, obviamente, sejam verdadeiros os seus dados e haja respeito ao paciente e autorização regulatória para uso da aparelhagem e da tecnologia que eles divulgam.
  5. Quanto ao exame clínico, para além de ser obrigatório na primeira consulta, quem tem oportunidade de se relacionar com bons médicos sabe que, muitas vezes, só de lhes narrar um evento médico, eles já detectam se o seu colega está acertando ou errando o diagnóstico ou se está indicando a melhor conduta ou preconizando algo quem apenas pelo histórico, não é o ideal. Melhor seria se o paciente, no caso exemplificado, pudesse ser atendido por esse bom médico, mesmo que, episodicamente, a distância, numa consulta eventualmente menos custosa. Caso houvesse dois médicos (no local do paciente e o especialista, a distância), ambos - como já ocorre - poderiam atuar em conjunto no atendimento médico. É óbvio que o ideal é contar com hospitais completos no maior número possível de cidades, e que contenham ótimos profissionais das mais diversas especialidades (full medical service). Mas isso é utópico, mesmo em países desenvolvidos. Não estamos conseguindo, sequer, mesmo ofertando boa remuneração inicial26, incentivar os nossos médicos a se mudarem para os rincões do Brasil27, porque eles não desejam ir a locais sem infraestrutura, sem hospitais, longe das universidades e dos grandes centros. Não faltam médicos no Brasil. Faltam bons médicos e boa infraestrutura para que eles possam se interiorizar. Vale a leitura do artigo de autoria do Dr. José Júlio Seabra Santos, presidente do CREMESE e Membro da Sociedade Brasileira de Clínica Médica (SBCM)28. O exame clínico, a despeito de crucial, de nada adianta se ninguém vai lá fazê-lo no paciente! Toda essa carência de acesso médico desigual no Brasil exige humildade, por parte dos médicos, para alterarem convicções e postulados anacrônicos e utópicos. Há que se haver enfrentamento e saídas factíveis que, como primeira prioridade, tragam atendimento ao ser humano desassistido. Sejamos honestos: atualmente paira uma enorme hipocrisia na relação médico-paciente. Tenho mantido conversas acirradas com médicos sobre esses assuntos, que resistem à "novidade" da telemedicina. É notório - e os médicos acabam confirmando - que na maioria flagrante das consultas não mais se realizam exames clínicos da forma tão meticulosa como se fazia antigamente, em consultas que duravam de uma hora e meia a duas horas por paciente, época em que não existiam tantos aparatos auxiliares para se realizar diagnóstico, como há hoje. Aposto que o leitor, com 45 anos ou mais, entenderá bem o que eu digo. Obviamente que o bom profissional deve colher a anamnese pessoal e familiar do paciente e, sempre que possível, o examinar. Ninguém discute isso. Nem a resolução, que exige uma primeira consulta pessoal e visita em intervalos inferiores a 120 dias.
  6. Por outro lado, concordo em ajustar a questão do registro dos dados dos pacientes, que poderá contar com imagens de seu corpo, p. ex. Seria de todo útil se exigir uma forma criptográfica de transmissão dos dados do paciente e senhas robustas para o acesso ao seu prontuário. Ainda melhor, poderia, simplesmente, se abrir mão da exigência de se gravar a consulta inteira. Hoje, mesmo presencialmente, as consultas não são gravadas, contando apenas com registros do médico no prontuário do paciente. E os Conselhos de Medicina já se pronunciaram, aliás, no sentido de que o paciente não pode gravar a consulta sem a permissão expressa do médico, que pode sumariamente vedar a gravação. E isso vale até para partos, que já algum tempo estão na moda serem filmados29. Certo ou errado, já há esse entendimento consolidado. Por que, então, uma consulta a distância deveria ser integralmente gravada, correndo-se o risco de se expor o paciente? Alguns ajustes podem ser aplicados à redação da referida resolução.

Em reportagem recente, veiculou-se que "76% dos hospitais nos Estados Unidos usam a telemedicina (...). Já na Inglaterra, um serviço de cuidados a distância para idosos com doenças crônicas reduziu em 15% as visitas de emergência; em 20% as admissões hospitalares; em 14% a ocupação de leitos hospitalares; e em 45% as taxas de mortalidade"30.

Confiram: diminuição de 45% na taxa de mortalidade decorrente do uso da telemedicina! E sem médico local! Não se precisaria dizer mais... Basta humildade para se aceitar o óbvio, aquilo que já está em prática no Brasil, ainda que haja ignorância por grande parte dos profissionais acerca desta realidade, que já conta com dados estatísticos auspiciosos em outros países e, como visto, diversos precedentes nacionais, autorizativos da telemedicina.

Quando há mudanças em normas, sempre haverá resistência por parte de alguns setores da sociedade. Foi assim com a legislação que proibiu o fumo em aviões e restaurantes, acusada de ser fascista. Bem mais remotamente, quando se permitiu o tráfego de aeronaves sobre as propriedades privadas, isso foi visto como perigoso e violador dos princípios inerentes à vida humana - inclusive dos habitantes em terra - e à propriedade privada, "invadida" pelo sobrevoo das aeronaves. Quase que esse meio de transporte foi coibido.

Seja nas ciências, seja nas artes, devemos estar abertos às novidades e aos anseios do povo, em cujo seio vigem os ideais de justiça, de bem-estar, de modernidade e de progresso. São elas que impulsionam a humanidade, ainda que tragam efeitos colaterais, alguns importantes, como quedas de aviões em cidades. Nem adentremos, aqui, em todos os reflexos advindos dos aplicativos de smartphones, das redes sociais e dos ainda incipientes carros autônomos.

A verdade é que não devemos paralisar o contínuo e necessário progresso da ciência, em especial da ciência médica, por focarmos apenas nos potenciais malefícios e efeitos adversos que as novidades possam trazer. Obviamente precisamos ser cautelosos e é necessário sopesar os prós e contras, tal qual os médicos já fazem ao receitar um exame que emite irradiação ou quando ministram tratamentos à base de antibióticos, anti-inflamatórios, opioides ou indicam quimioterapias e cirurgias. Toda nova tecnologia, praticamente, traz ínsito algum tipo de risco e vulnerabilidade. Ela, entretanto, assim como a legislação respectiva que a regula, exigem critério para utilização e devem ir se ajustando e se aprimorando no tempo.

Ao que interessa ao tema posto, não é à toa que tantos países do mundo, como documentado acima, já implantaram a telemedicina, incluindo países em desenvolvimento, como o México, e em moldes parelhos aos que o CFM tentou compilar aqui no Brasil. A telemedicina é uma realidade em Israel, no Japão, nos Estados Unidos, México e Inglaterra, para citarmos apenas os que mais a utilizam, sendo amplamente debatida nas Universidades, inclusive nacionais, há muitos anos31.

Ao aprovarmos regulação nesse sentido, estaremos seguindo os postulados da modernidade e atendendo aos nossos semelhantes que não contam com aparato médico algum.

A situação atual: a Associação Médica Brasileira apresentou inúmeras sugestões de alterações e está aberta uma plataforma para receber sugestões de mudanças32. Oxalá não demore muito para se editar uma nova norma.

Agora que já houve a revogação da resolução, que se propicie um ambiente de debate mais amplo das "novidades" que se pretendem ver consolidadas e normatizadas e que se aperfeiçoe o texto, para nova edição.  E que sejamos menos hipócritas com relação a práticas que, em larga medida, já são aplicadas no dia a dia e estão dando muito certo no mundo e, ainda que parcialmente e com preconceitos, também no Brasil.

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1 https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/5/5160/tde-24102007-143128/publico/sumaiagekhouri.pdf

2 Parecer CREMESP nº 32574, homologado na 4.506ª Reunião Plenária, realizada em 25.09.2012.

3 ex.: Parecer CREMESC 2411/15 - "Se a Telemedicina e a Telerradiologia forem exercidas de acordo com as Resoluções e pareceres supracitados, não infringem o Novo Código de Ética Médica".

5 Parecer CRM-PR nº 1872/2007, aprovado em Reunião Plenária n.º 1.936ª, de 20/08/2007 - CÂM II. - : "É da visão desse parecista que a Telemedicina é uma aquisição tecnológica inconteste da nossa profissão e já amplamente utilizada não só nos meios acadêmicos e de pesquisa, mas também, para o acesso de informações, atualização e troca de raciocínios clínicos e cirúrgicos entre os médicos detentores de especialidades e seus colegas ditos generalistas.  (...). Portanto, desde que rigorosamente sejam cumpridas as várias determinações das Resoluções do Conselho Federal de Medicina acima elencadas não há como deixar de autorizar a abertura da empresa que terá como responsável técnico o presente consulente, orientando-o de que para o legal funcionamento da mesma há que ocorrer o registro dessa junto ao Departamento de Fiscalização Profissional deste Conselho Regional de Medicina".

6 "Art. 37 (...) Parágrafo único. O atendimento médico a distância, nos moldes da Telemedicina ou de outro método, dar-se-á sob regulamentação do Conselho Federal de Medicina".

7 "Art.  4º Para efeitos de transmissão de exames e relatório à distância, esta resolução reconhece como especialista os profissionais com registro específico no CRM, nas seguintes especialidades ou áreas de atuação: a) Especialidades: 1. Radiologia e Diagnóstico por Imagem 2. Diagnóstico por Imagem: Atuação Exclusiva Ultrassonografia Geral 3. Diagnóstico    por    Imagem:    Atuação Exclusiva Radiologia    Intervencionista e Angiorradiologia 4. Medicina Nuclear b) Áreas de Atuação: 1. Angiorradiologia e Cirurgia Endovascular 2. Densitometria Óssea 3. Ecografia Vascular com Doppler 4. Mamografia 5. Neurorradiologia 6. Radiologia Intervencionista e Angiorradiologia 7. Ultrassonografia em Ginecologia e Obstetrícia".

8 Por meio da resolução CFM 8732/2009.

9 "Não há dúvida que a Informática aplicada à Medicina tem beneficiado tanto médicos como pacientes, principalmente na especialidade médica Diagnóstico por Imagem, encurtando distâncias, facilitando a comunicação entre médicos, principalmente em áreas menos especializadas, bem como a tomada de decisões mais precisas e rápidas em benefício do paciente, com o surgimento da Telerradiologia. Com o progresso  da facilidade e aperfeiçoamento no envio dessas informações à distância e mesmo para outros países, com sede de provedores em  países  diversos,  assinatura  digital,  etc.,  a  Associação  Médica  Mundial,  na  sua  51ª  Assembleia,  em  Tel  Aviv, Israel,  ocorrida  em  outubro  de  1999,  elaborou  a  Declaração  sobre  Responsabilidades  e  Normas  Éticas  na Utilização  da  Telemedicina,  sendo  que  no  Brasil  o  Conselho  Federal  de  Medicina  fez  alguns  acréscimos  em decorrência  de  peculiaridades  locais,  culminando  com  a  Resolução  CFM  1890/2009,  embasada  ainda  nas Resoluções CFM 1638/2002, 1821/2007, 1627/2002, 1643/2002, 1785/2006, 1214/85 e 1352/92, ainda o Decreto nº  20931/32  e  a  Portaria  Anvisa    453  de  1  de  junho  de  1998  para  serviços  que  empregam  radiação  ionizante. (...) A transmissão do exame deve obedecer aos requisitos de nível de garantia de segurança 2 (NGS), conforme convênio Conselho Federal de Medicina/ Sociedade Brasileira de Informática em Saúde. (...) A transmissão dos exames deve ser autorizada pelo paciente".

10 Parecer Consulta nº 008/2013 - Processo Consulta nº 152/2013: "A Telemedicina é usada desde os anos 90, inicialmente pelo Programa Espacial da NASA, estendendo-se para as demais áreas.  No Brasil a Petrobras foi uma das primeiras empresas a se utilizar desse serviço nas embarcações e plataformas marítimas. A principal aplicação da Telemedicina é quando o médico generalista necessita do parecer de um especialista, e no caso de não médicos participarem da Telemedicina, recebendo e transmitindo dados, o médico deve   certificar-se   que   esse   profissional   tem   competência   e comprometimento com a ética profissional e sempre com o consentimento do paciente. (...) Sendo assim, respondendo as questões feitas pelo Dr. A.P.A.:  1º:  Legalidade-  O serviço de Telemedicina é legal entre médicos que estão distantes entre si. 2º: Aspectos éticos- Os profissionais de saúde estão todos obrigados a guardar sigilo das informações que detêm e isso inclui a teleassistência.(...) - EMENTA: Ementa: É ética e legal a  prática  da Telemedicina desde que observados os ditames legais".

11 Consulta CREMAM nº 06/2016 - Parecer nº 12/2016, aprovado em Plenária de 29/08/2016.

12 PARECER CRM-MG nº 24/2016 - Processo-Consulta nº 5.730/2016, aprovado em Sessão Plenária do dia 26 de fevereiro de 2016 - "Diante do exposto respondemos ao consulente: 1) Sim, é ético pedir auxílio via Telemedicina; a responsabilidade da conduta é do médico assistente e do consultor na proporção de sua participação, conforme artigo 4º da Resolução CFM n.º 1643/2002".

14 Parecer CRM-PR nº 2616/2017, aprovado e homologado na Sessão Plenária nº 4604 de 20/11/2017. A Telemedicina tem  como  meta qualificar  a  Estratégia  Saúde  da  Família  em  todo  o  território  nacional  e  alcançar  os  seguintes objetivos:  melhoria  da  qualidade  do  atendimento  na  Atenção  Básica  no  Sistema Único  de Saúde  (SUS),  com  resultados  positivos  na  resolubilidade  do  nível  primário  de  atenção; expressiva  redução  de  custos  e  do  tempo  de  deslocamentos;  fixação  dos  profissionais  de saúde  nos  locais  de  difícil  acesso;  melhor  agilidade  no  atendimento  prestado;  otimização  dos recursos dentro do sistema como um todo, beneficiando os usuários do SUS. Em seu Art.  4º, a mesma Resolução observa que a responsabilidade profissional do atendimento cabe ao médico   assistente   do   paciente.   Os   demais   envolvidos   responderiam solidariamente   na proporção em que contribuírem por eventual dano ao mesmo. No Parecer CRM-PR nº 1872/2007, o Conselheiro responsável ilustra "que a Telemedicina é uma aquisição tecnológica inconteste da nossa profissão e já amplamente utilizada não só nos meios acadêmicos e de pesquisa, mas, também, para o acesso de informações, atualização e troca   de raciocínios clínicos e cirúrgicos entre os médicos detentores de especialidades e seus colegas ditos generalistas". Aproximando-se dos quesitos feitos pelo médico solicitante do parecer, o Código de Ética Médica, em seu Capítulo I,  inciso  VIII,  alude  não  poder  o  médico,  em  nenhuma circunstância  ou  sob  nenhum  pretexto,  renunciar à  sua  liberdade  profissional,  nem  permitir quaisquer  restrições  ou  imposições  que  possam  prejudicar  a  eficiência  e  a correção  de  seu trabalho.  O  inciso  XVI  do  mesmo  Capítulo  orienta  que  "nenhuma  disposição  estatutária  ou regimental de hospital ou de instituição, pública ou privada, limitará a escolha, pelo médico, dos meios cientificamente reconhecidos a serem praticados para o estabelecimento do diagnóstico e da execução do tratamento, salvo quando em benefício do paciente". Em se tratando o SUS de um sistema  da  saúde com  inegáveis  dificuldades  de financiamento,  faz-se  necessário, em  prol  do  paciente, que  inovações  assistenciais  em conjunto  com  a  gestão  venham  propiciar  aumento  da  resolutividade dos  problemas  de  saúde que  se  apresentam  na  Atenção  Primária  à  Saúde  (APS).  Assim, otimiza-se a utilização dos escassos recursos. A Estratégia Saúde da Família, modelo assistencial brasileiro preferencialmente utilizado como porta  de  entrada  do  SUS,  ao  utilizar o  Telessaúde,  não  foge  a  esta  lógica  de otimização  de  recursos com  o  aumento  de  sua  resolutividade.  Até o momento a utilização  do referido  modelo  de  auxílio  assistencial  ao médico  que está  na  ponta  do  sistema trouxe resultados  bastante  positivos. São  fatos  concretos a  diminuição  das  filas  de  espera  das especialidades,  diminuição  de  encaminhamentos  desnecessários,  maior  agilidade  do  cidadão para alcançar cuidados na atenção secundária ou mesmo terciária, ditas especialidades focais, haja  vista a  contribuição  do  Telessaúde na  resolução  dos  problemas  apresentados  pelos usuários SUS ao médico que atua na Estratégia Saúde da Família. Enquanto respaldo ético-conceitual da lide apresentada, sendo o Telessaúde um meio disponível de auxílio no diagnóstico e tratamento bem como conceitualmente, segundo a Resolução  CFM  que  a  regulamenta, ter  o  objetivo  de  assistência,  educação  e  pesquisa  em Saúde, possibilitando assim evitar desnecessários encaminhamentos, citamos os Artigos 32 e 35 do Código de Ética Médica para também embasar este parecer: Art.32:  é  vedado  ao  médico deixar  de  usar  todos  os  meios  disponíveis  de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente. Art. 35:  é  vedado  ao  médico  exagerar  a  gravidade  do  diagnóstico  ou  do prognóstico,  complicar  a  terapêutica  ou  exceder-se  no  número  de  visitas,  consultas  ou quaisquer outros procedimentos médicos. Considerando  também os   princípios   doutrinários   do   SUS, universalidade, integralidade  e  equidade,    que  se  pensar  na  contínua  tensão  entre  direitos individuais  e coletivos  de  uma  população  SUS  dependente. Daí a  validade  da  aplicação  do conceito  da Justiça  Distributiva,  onde, sucintamente, "se algo deve ser distribuído,  que  a  distribuição  não seja arbitrária, ela tem que ser justa". Ou seja, de forma equânime, se os recursos e as vagas para  avaliação  com  especialidades  focais são  escassos,  imprescindível  que  se priorize, naquele momento, quem mais necessita. Importante  frisar  que  esta  medida  de  caráter  coletivo que  altera o  processo  de trabalho  local,  a  citada  "Circular", acaba beneficiando   individualmente os   pacientes referenciados à atenção secundária e terciária. Isto porquê, via de regra, os tempos de espera para se chegar ao especialista focal diminuem nos locais onde há e se utiliza mais fortemente o Telessaúde. CONCLUSÃO: Assim,  respondendo  diretamente  a  primeira  pergunta  do  médico XXX,  se a instrução  da  Secretaria  Municipal  de  Saúde  restringe  sua  conduta como  médico,  acreditamos que não. Os encaminhamentos à atenção secundária e terciária não foram proibidos de forma direta, o que não restringe a liberdade do médico em tomar as condutas que acha pertinentes. A obrigatoriedade  de  anexar  os  trâmites  junto ao  Telessaúde  para  validar  os encaminhamentos aos especialistas focais dizem respeito à normativa do processo de trabalho do  local  com  fins  de  otimizar  a  resolutividade  na  atenção  primária  e  não  tolhem  o  direito  do médico  quanto as suas  decisões  clínicas. Pelo  contrário,  funcionam  como  uma  educação médica continuada não só melhorando a eficiência e a correção de seu trabalho bem como se dá  em  benefício  do  paciente.  Desta  maneira,    concordância  com  os  incisos  do  Código  de Ética do Capítulo sobre Direito dos Médicos e não confronta a Resolução CFM nº 1643/2002. Quanto  ao  questionamento  se  é  obrigado  a  cumprir  com  a  mesma,  por  todo exposto, em linhas gerais, avaliamos que a organização do processo de trabalho implementada no referido município tem como alvo a saúde do ser humano e a coletividade, sem apresentar divergências, de maneira absoluta, à Resolução do CFM pertinente à Telemedicina tampouco aos dispostos no Código de Ética Médico aqui apresentados. O  juízo  dos  valores, no  que  tange  seus  aspectos  éticos, que  levarão  ou  não  o médico  a  acatar  a  determinação  da  Circular  da  Secretaria  de  Saúde  cabem  ser  avaliados individualmente pelos profissionais médicos envolvidos. É o parecer, s. m. j. Curitiba, 20 de novembro de 2017. Cons Dr. Julierme Lopes Mellinger".

15 Parecer CRM-MG nº 198/2017 - Processo-Consulta nº 6.020/2017, aprovada em Sessão Plenária do dia 27 de outubro de 2017: "EMENTA: Telemedicina -Resolução CFM nº 1.643/2002 -Necessidade  de  infraestrutura tecnológica  adequada  a fim de que sejam obedecidas as normas quanto à guarda, manuseio,   transmissão   de   dados,   confidencialidade, privacidade  e  garantia  do  sigilo  profissional -Todos  os médicos   que   utilizam   a   Telemedicina   devem   manter prontuários  clínicos adequados  dos  pacientes  e  todos  os aspectos   de   cada   caso   devem   estar   documentados devidamente - O especialista que é consultado através da Telemedicina  também  deve  manter  um  prontuário  clínico detalhado   das   opiniões   que   oferece   e   também   da informação que se baseou".

16 Parecer CRM-MG nº 106/2018 - Processo-Consulta nº 6.130/201, Aprovado em Sessão Plenária do dia 26 de julho de 2018.

17 11 tribunais de Justiça já usam o WhatsApp para envio de intimações; Projeto autoriza intimações judiciais por WhatsApp;  WhatsApp pode ser usado para intimações judiciais.

19 É VEDADO AO MÉDICO [...] Art. 37. Prescrever tratamento ou outros procedimentos sem exame direto do paciente, salvo em casos de urgência ou emergência e impossibilidade comprovada de realizá-lo, devendo, nessas circunstâncias, fazê-lo imediatamente após cessar o impedimento.

22 Parecer CRM-PR nº 2631/2018 - "(...) Tanto a Telemedicina como a Telerradiologia foram homologadas  com  a  finalidade de,  num País de  dimensões  continentais  como  o  nosso,  permitir  que  comunidades distantes dos grandes centros pudessem ter acesso às tecnologias mais modernas da Medicina,  mesmo  quando  não  conseguem  contar  com  um  Médico  especialista  da área.  No entanto, estamos em um País capitalista e  livre,  onde  a  abertura  de empresas é permitida, desde que cumpram todas as normas e determinações que as leis exigem. No   caso   de   empresas médicas, essas estão   também   subordinadas às Resoluções do Conselho Federal e Regionais de Medicina que têm força de lei outorgadas pela Lei nº 3268/57" (Aprovado e Homologado na Sessão Plenária nº 4636 de 22/01/2018).

29 Quanto à gravação em geral, em ambiente domiciliar ou hospitalar, o CREMESP posicionou-se por meio do Processo Consulta nº 1.468/94 no seguinte sentido: "Somos de parecer contrário à filmagem e/ou fotografia de pacientes em ambiente hospitalar e/ou domiciliar, tanto por profissional médico ou indivíduo leigo, sem autorização expressa.". No mesmo diapasão, quanto à gravação de consultas, é o Parecer-Consulta 3.863/2009: "A gravação de imagens durante a consulta médica é permitida desde que o paciente a autorize, visto ser o mesmo o mais interessado na manutenção do sigilo da mesma e o possível uso das imagens. Porém, a gravação somente poderá ser realizada com a autorização do médico, visto ter o direito constitucional de garantia sobre sua imagem.". Com relação a filmagem de partos já houve discussão que variou desde a proibição de se cobrar pela filmagem, até a própria proibição, em si, de se filmar. Em 1999, passou a ser permitido, mas respeitada permissão médica nesse sentido, conforme Parecer CFM 41/99: "Não há impedimento ético em filmagem de procedimento cirúrgico, desde que a pedido da paciente e haja autorização dos profissionais envolvidos". O Parecer Consulta CREMEPE 05/2013 complementou o seguinte: "Concluo que a o registro fotográfico e filmagem do parto vaginal ou cesárea pode ser realizado tanto pelo acompanhante ou por um profissional autorizado pela maternidade após concordância do médico. A não concordância médica cabe no sentido de assegurar a qualidade da assistência prestada, principalmente em situações especiais, em que a presença de uma pessoa estranha ao ambiente possa acrescentar risco para a saúde do binômio materno-infantil.  É de bom alvitre que o motivo desta proibição seja esclarecido à parturiente e ao seu acompanhante e registrado no prontuário. Por último, mesmo na concordância do médico pela fotografia e filmagem do parto, lhe é reservado o direito de negar que ele próprio seja fotografado e filmado."). Há também o Parecer CRM-PR 2305/2011, que assim dispõe sobre o mesmo tema, em respostas a quesitos: "I-Presença do fotógrafo, não profissional da área da saúde, na sala de parto normal ou cesárea? Resposta: Não há normativo ético que impeça a presença do fotógrafo, desde que com o consentimento prévio da gestante e da equipe médica. Bem como da direção técnica do hospital. Se o profissional for da equipe de atendimento, deverá abster-se de tal atribuição que por óbvio impede o perfeito desempenho funcional. Tudo deve ser documentado, através de consentimento informado, por escrito, dos participantes. (...) b- Para nós, nossa imagem, mostrada na internet.... Resposta: Há amplo amparo legal aos que quiserem preservar sua imagem. É uma decisão de caráter individual. Ademais a tecnologia pode modificar a imagem de maneira a não permitir a identificação do indivíduo".

32 Plataforma para receber contribuições para resolução da telemedicina está no ar 

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*Gilberto Alonso Júnior é sócio do escritório Urbano Vitalino.

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