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O STF e a inversão de fases licitatórias como "normas específicas": Uma análise econômica consequencialista

A inversão permitiu que os recursos utilizados no processo fossem otimizados, uma vez que, nesse rito, toda documentação da habilitação é apresentada apenas pelos licitantes exitosos, após o julgamento das propostas.

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Atualizado em 4 de abril de 2019 09:49

Há algumas semanas, o STF reconheceu a repercussão geral no julgamento do RE 1188352, que trata do Tema 10361: "Competência legislativa para editar norma sobre a ordem de fases de processo licitatório, à luz do art. 22, inciso XXVII, da Constituição Federal.". O dispositivo citado prevê que é competência privativa da União legislar sobre normas gerais de licitação, a contrário senso, os demais entes federativos podem legislar sobre normas específicas.

No caso, discute-se a constitucionalidade dos dispositivos de lei distrital que inverteram as ordens das fases de habilitação e de julgamento. Em outras palavras, busca-se verificar se a ordem das fases estabelecidas na lei 8.666/93 consiste em uma norma geral ou especial, diante da inexistência de consensos mínimos que definam, com segurança, os critérios jurídicos classificatórios.

Essa inversão é, sem dúvidas, uma das inovações mais replicadas pelos diplomas sobre contratações públicas editados2 em reação à ineficiência da lei 8.666/93. A inversão permitiu que os recursos utilizados no processo fossem otimizados, uma vez que, nesse rito, toda documentação da habilitação é apresentada apenas pelos licitantes exitosos, após o julgamento das propostas. Com isso, a declaração de constitucionalidade pode parecer vantajosa para a administração e para os licitantes, contudo é preciso ampliar a fotografia para observar melhor a questão para que as consequências econômicas da decisão possam ser, também, avaliadas.

A primeira possível consequência econômica é a perda de competitividade. Licitantes de maior porte que possuam mais suporte jurídico tenderão à concentrar a participação, pois serão capazes de se organizar melhor para participar de processos que tenham procedimentos distintos. Por outro lado, empresas plenamente capazes de executar o objeto com qualidade podem ficar de fora apenas por não terem à disposição uma assistência jurídica mais qualificada.

Trata-se de uma circunstância alheia às condições específicas daqueles processos licitatórios que resulta em uma barreira à livre concorrência.  Essa lógica contraria uma das principais finalidades da licitação: selecionar a melhor proposta, resultante da concorrência entre os licitantes.

Ademais, a literatura econômica3 aponta a necessidade de clareza nas regras do jogo. Uma das principais críticas ao ambiente de negócios no Brasil é, justamente, a presença de inúmeras normas tratando sobre uma mesma questão. Desse modo, a padronização e unificação de regras procedimentais tornam as normas mais claras para os players fazendo com que possam se concentrar melhor nos aspectos materiais da proposta.

Uma eventual declaração de constitucionalidade poderia, ainda, abrir caminho para inovações procedimentais ineficientes e antieconômicas. No caso, é inegável que a inversão na ordem dessas fases poderia trazer uma otimização de recursos, contudo nada garante que todas as mudanças porvir tenham o mesmo resultado positivo.

Portanto, diante da insuficiência de parâmetros jurídicos para julgar o caso, torna-se fundamental considerar os aspectos econômicos das alternativas decisórias, em especial sob uma ótica consequencialista mais ampla. Permitir que estados, municípios e distrito federal possam alterar livremente o procedimento da ordem das fases da licitação contraria a própria razão de ser das licitações: selecionar a melhor proposta a partir da competitividade entre os licitantes. Assim, espera-se que o STF amplie a fotografia e seja capaz de enxergar a complexa dinâmica econômica em torno desse debate.

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1 Clique aqui.Acesso em 31 mar 2019

2  Essa tendência pode ser observada no Regime Diferenciado de Contratação (art. 12 da Lei 12.462); na Lei do Pregão (art. 4º da Lei 10.520) e na Lei das Parcerias Público-Privadas (art. 13 da Lei 11.079/04)

3  FRIEDMAN, M. Capitalismo e liberdade. Tradução de Afonso Celso da Cunha Serra. 1ª Ed. Rio de Janeiro: LTC, 2017, p. 15-20. MISES. L. V. As seis lições. Tradução de Maria Luiza Borges. 7ª edição. São Paulo. Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2009, p. 20-21.

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*Vinícius dos Santos Silva possui experiência profissional na área de Direito, especificamente temas do Direito Administrativo: Licitações e Contratos Públicos, Infraestrutura e Regulatório.

 

 


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