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A NBR ABNT 16280/14, alterada em agosto de 2015, afronta o artigo 1.348, V, do código civil?

Não há como negar que os seus já citados dispositivos possuem um conflito aparente com as normas do Código Civil.

quinta-feira, 11 de abril de 2019

Atualizado em 9 de abril de 2019 10:49

Quando o titular ou possuidor de uma unidade autônoma em condomínio edilício resolver realizar uma reforma ou obras de acréscimo/decréscimo em seu apartamento, sala, sobrelojas etc, deverá observar, sem exclusão da legislação administrativa (seja no âmbito municipal, estadual ou federal),duas normas importantíssimas, cuja inobservância poderá colocar em risco toda a coletividade, seja do prisma dos danos materiais e/ou do risco à saúde e à vida dos demais condôminos.

 

A primeira dessas normas é o código civil, que em seu artigo 1.336 prescreve os deveres dos condôminos, onde o seu inciso II diz que estes não podem "realizar obras que comprometam a segurança da edificação".

 

A segunda norma, não menos importante, é a NBR 16.280:14 aprovada pela ABNT que trata da "Reforma em edificações - Sistema de gestão de reformas - Requisitos", que traz em seu bojo, dentre outras coisas, classificações técnicas, conceitos, requisitos de gestão, incumbências, tabelas indicativas da capacidade técnica de prestadores ou fornecedores exigidas para cada tido de reforma.

 

A primeira edição da NBR 16.280 datada de 18/3/14, que veio em excelente hora, foi motivada, infelizmente, por uma tragédia que assolou a cidade do Rio de Janeiro no ano de 2012 com a queda do Edifício Liberdade, onde se registraram várias mortes, pessoas desaparecidas e vários feridos.

 

Dentre várias criações relevantíssimas, ela traz a figura do "plano de reforma" o qual deverá obedecer a um critério técnico-profissional, contemplando itens como preservação dos sistemas de segurança, meios que protejam os usuários da edificação, descrição de processos, definição dos responsáveis etc, requisitos estes expostos no item 4 da norma.

 

Nesta primeira edição da NBR 16.280 o item 6.1 (que trata das incumbências ou encargos do responsável legal da edificação - leia-se "síndico") dizia, em apertada síntese, que o síndico deveria: "d) encaminhar a proposta de reforma para análise técnica e legal" e "e) formalizar, com base na análise, resposta à solicitação nos seguintes termos e justificativas (aprovado, aprovado com ressalvas ou rejeitado)".

 

Em agosto de 2015 a NBR 16.280 recebeu sua primeira alteração, onde foram suprimidos/substituídos as letras "d" e "e" do citado item 6.1, dando a impressão de que o síndico, na qualidade de responsável legal pela edificação, estaria dispensado de realizar uma análise mais aprofundada do plano de reforma ou até mesmo de submetê-lo a um profissional habilitado para análise.

 

Tanto isso é verdade que no final do item 6.1.1 a mesma norma diz o seguinte: "No caso do condomínio edilício será de responsabilidade do proprietário, possuidor ou responsável legal pela unidade a realização da reforma, e não do síndico (sendo nosso o grifo), quando a obra for em espeço privativo. O proprietário, possuidor ou responsável legal pela unidade contratar profissional habilitado que deverá assumir a responsabilidade técnica pelas obras e cumprir o plano de reforma, e todas as normas internas, que interfiram na segurança da edificação, pessoas e sistemas".

 

Antes de aprofundarmo-nos na análise da eventual afronta ao código civil, cabe analisar aqui, ainda que em pouquíssimas linhas e sem a pretensão de esgotar o assunto, a natureza jurídica da Entidade que elaborou a tão festejada norma técnica, qual seja, a ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas.

 

A ABNT é uma associação civil sem fins lucrativos, que teve seu reconhecimento como entidade de utilidade pública através do artigo 5º, da lei 4.150 de 21 de novembro de 1962, onde o Estado poderia editar e criar normas técnicas através de um agente delegatário do seu serviço, informando, por exemplo, que alguns setores da economia deveriam observar obrigatoriamente as suas elaborações. Logo, suas normas regulamentadoras ou regulamentares não têm força de lei.

 

Visto isso, o assunto relativo à responsabilidade civil de qualquer pessoa, seja ela física ou jurídica, é da competência privativa da União legislar sobre esse assunto, como se verifica do artigo 22, I, da CF, o qual ora transcrevemos: "(...) Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho".

 

Diante do que foi aqui tratado não nos resta dúvida que a referida NBR 16.280, com a alteração de agosto de 2015, extrapolou os limites de sua atribuição, legalmente reconhecida, tratando de responsabilidade civil, matéria esta que é privativa da União.

 

Talvez os mais desavisados possam questionar o seguinte: Como o Código Civil, na parte que trata do condomínio edilício, não deixa claro sobre essa responsabilidade específica do síndico acerca das obras em unidades autônomas, logo ele não poderia ser responsabilizado por eventuais danos causados pelo responsável pela unidade autônoma, estando correta a "exclusão" da sua responsabilidade pela NBR 16.280.

 

Nada mais equivocado! O artigo 1.347 do Código Civil diz claramente que o síndico, escolhido pela assembleia para administrar o condomínio, tem como competência, dentre outras, "diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores", ex vi, inteligência do inciso V, do artigo 1.348 do mesmo codex.

 

Nas brilhantes palavras do professor Pedro Elias Avaad, referindo-se ao aludido inciso V, do artigo 1.348, diz que "Esse, na acepção mais simples, é o resumo do poder de polícia atribuído ao síndico, no gerenciamento, vigilância e fiscalização da conservação e da segurança do edifício. Trata-se de função administrativa".1

 

Fica evidente, assim, caber ao síndico o exercício do poder de polícia2, fiscalizando no sentido mais amplo da palavra qualquer reforma que seja realizada dentro edificação, ainda que seja em uma área privativa, cabendo ao responsável pela obra submeter à apreciação daquele órgão (o síndico) o plano de reformas antes mesmo do seu início. Vale lembrar, que as unidades privativas também guarnecem itens que são propriedades comuns, tais como colunas primárias e vigas. 

Ao contrário do que subentende-se da já referida norma da ABNT, em nosso entendimento, salvo melhor juízo, deve sim o síndico submeter o plano de reformas à um profissional habilitado quando não tiver conhecimento técnico para tanto, sob pena de ser responsabilizado por sua omissão.3

E não é só isso, durante a execução das obras o síndico tem o poder/dever de fiscalizar se tudo está sendo executado dentro do que foi proposto no plano de reformas, pois não raras as vezes observamos que muitos projetos são alterados pelos condôminos até mesmo à revelia dos profissionais que o assessoram na sua criação.

 

Concluindo essas breves palavras, acreditando que o intuito da norma tenha sido a desburocratização do procedimento para obras, não há como negar que os seus já citados dispositivos possuem um conflito aparente com as normas do código civil, cuja resolução desse choque se dá pela adoção de um dos critérios clássicos de resolução da antinomia jurídica, qual seja, o da hierarquia.

 

Sendo o código civil norma hierarquicamente superior à norma regulamentar da ABNT, continua o síndico tendo o poder/dever de aprovação do plano de reforma, caso em que seja autorizada uma reforma que coloque em risco a segurança ou a vida dos demais membros da coletividade, ainda que o plano seja assinado por profissional habilitado contratado pelo responsável pela obra (condômino ou possuidor), o síndico poderá ser responsabilizado civil e até criminalmente, conforme o caso.

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1 Avaad, Pedro Elias, Condomínio em edificações - 3ª ed., ver. e atual. - Rio de Janeiro, 2018, Forense, p. 136.

2 Schreiber, Anderson, Manual de Direito Civil Contemporâneo - Ed. Saraiva - São Paulo, 2018, p. 769, "O Síndico é o órgão executivo do condomínio, incumbindo-lhe a administração geral da edificação, a polícia interna do condomínio, o cumprimento das disposições legais, convencionais ou regulamentares (...)" (sendo nosso o grifo).

3 Pereira, Caio Mário da Silva, Condomínio e Incorporações, Atualização Sylvio Capanema de Souza; Melhim Namem Chalhub - Editora Forense, 2018, 13ª ed., livro digital produção Ozone, pos. 3916/3924. O mestre Caio Mário em sua obra referindo-se ao síndico diz que ele "Exerce a polícia interna do condomínio, opondo-se a que qualquer dos coproprietários realize atos contrários aos estabelecidos na convenção ou capazes de molestar os consortes. (...) E, como representante que é, responde pela má execução das incumbências, como pela omissão culposa (...)."

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*Roberto Bigler é advogado.

 

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