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Bitcoin - uma breve análise

O diferencial do Bitcoin é a transferência da moeda de uma pessoa diretamente à outra, sem necessidade de haver uma entidade verificadora, que, no sistema tradicional, são os bancos. O seu valor, por isso, é definido pelo valor que as pessoas lhe atribuem, sendo determinado em um mercado aberto.

quinta-feira, 11 de abril de 2019

Atualizado em 9 de abril de 2019 11:53

Bitcoin, em termos simples, é uma moeda digital, não emitida por nenhum Governo. O seu código é aberto, seu design é público, não há proprietários ou controladores centrais e qualquer pessoa pode participar do seu sistema de gerenciamento coletivo1. Trata-se, nas palavras de Fernando Ulrich, citado por André Ramos, do primeiro sistema de pagamentos global totalmente descentralizado.

 

Cabe aqui uma distinção: moeda eletrônica não é sinônimo de moeda virtual. A primeira está conceituada na lei 12.865/13, que em seu artigo 6º, VI, a define como "recursos armazenados em dispositivo ou sistema eletrônico ou permitem ao usuário final efetuar transação de pagamento." Moedas virtuais, por sua vez, não são referenciadas em reais ou em qualquer outra moeda estabelecida por autoridade governamental. São descentralizadas.

 

O tema hoje é candente nas manchetes do país, atraindo inúmeros investidores, porém a bitcoin foi desenvolvida em 2008 por Satoshi Nakamoto, com a publicação do documento "Bitcoin: A peer-to-peer Eletronic Cash System"2, que, em nove páginas, apresenta a nova tecnologia e explicita o seu funcionamento. Não se sabe se Satoshi refere-se a uma pessoa, a um grupo ou a uma entidade corporativa, pois ele nunca se revelou publicamente.

 

O diferencial do bitcoin é a transferência da moeda de uma pessoa diretamente à outra, sem necessidade de haver uma entidade verificadora, que, no sistema tradicional, são os bancos. O seu valor, por isso, é definido pelo valor que as pessoas lhe atribuem, sendo determinado em um mercado aberto.

 

O sistema que dá suporte virtual (não há suporte físico) à moeda virtual é chamado de Blockchain (corrente de blocos ou registro público de transações), que registra publicamente todas as operações realizadas, como se fosse um livro-razão (ledger)3. Os registros são feitos em bloco, cronologicamente. Não há possibilidade de se alterar o registro da Blockchain, evitando-se, assim, que haja a possibilidade de uma mesma moeda virtual ou fração dela ser enviada mais de uma vez a uma mesma pessoa. Não pode haver dois titulares da mesma bitcoin ou fração de bitcoin, evitando-se, assim, o conhecido sistema do "gasto duplo"4.

 

Todos os usuários possuem uma cópia das transações realizadas, o que confere segurança ao sistema. E como todas as operações ficam registradas, não é correto se afirmar que há um anonimato no uso dos bitcoins, pois é possível se verificar as transações realizadas desde o seu início, podendo-se rastreá-las. As transações feitas no sistema blockchain são irreversíveis, não podendo a transação ser desfeita.

 

Os responsáveis por registrar, inicialmente, as informações nos blocos são os chamados "mineradores", que valendo-se do sistema computacional (físico) resolvem enigmas criptográficos. Aquele que resolver primeiro a equação, comprovando a solução do problema (proof of work), tem o direito de registrar a operação no bloco, sendo remunerado em bitcoins.

 

Contudo, cada vez os enigmas ficam mais difíceis de serem resolvidos, pelo aumento na dificuldade para se encontrar uma combinação que resolva o problema, bem como há uma redução do prêmio na proporção em que os bitcoins são minerados. Futuramente, não serão produzidos novos bitcoins. Eles foram projetados para que isso ocorresse. O limite arbitrado foi de 21 milhões de bitcoins. Após minerado o último bitcoin, os mineradores serão recompensados com taxas de serviço.

 

Quem adquire bitcoins recebe duas chaves, uma pública e outra privada. A pública é a que valida todas as transações, pois qualquer modificação na titularidade das moedas virtuais deve ser validada pela blockchain, o que garante aos usuários ou investidores que a operação é legítima. A chave privada, por sua vez, é criptografada, permitindo a identificação do usuário da chave pública, bem como o acesso a todas as bitcoins a ela relacionadas. Portanto, não há sigilo absoluto.

 

Nas palavras de Fernando Ulrich5: 

"As transações são verificadas, e o gasto duplo é prevenido, por meio de um uso inteligente da criptografia de chave pública. Tal mecanismo exige que a cada usuário sejam atribuídas duas chaves, uma privada, que é mantida em segredo, como uma senha, e outra pública, que pode ser compartilhada com todos. A transação - e portanto uma transferência de propriedade de dos bitcoins - é registrada, carimbada com data e hora e exposta em um bloco do blockchain. A criptografia de chave pública garante que todos os computadores na rede tenham um registro constantemente atualizado e verificado de todas as transações dentro da rede bitcoin, o que impede o gasto duplo e qualquer tipo de fraude".

 

Hoje temos várias outras moedas virtuais além da bitcoin, como a Litecoin, Blackcoin, Auroracoin, Ethereum, Cardano, etc. O site especializado Coin Market Cap aponta que há pelos menos 1.448 moedas diferentes, sendo a Bitcoin, hoje, a mais valiosa delas.

 

Embora as transações com moedas virtuais sejam feitas de usuário a usuário (peer-to-peer), com a transferência de bitcoins entre compradores e vendedores, é comum, ao menos no Brasil, a utilização dos serviços de exchanges, que são empresas especializadas na intermediação da negociação das moedas virtuais, permitindo aos seus clientes, de forma facilitada, adquirir, vender e manter os Bitcoins em sua costódia.

 

Ao se cadastrar em uma exchage (www.mercadobitcoin.com.br, por exemplo) é necessário que o usuário envie cópia de documentos pessoais e comprovante de residência. Assim, é possível, pelas vias adequadas, a identificação dos usuários por meio de consulta aos registros das empresas, o que não ocorre nas transações entre particulares.

 

Validado o cadastro, o usuário transfere dinheiro (em reais) de sua conta bancária para a conta da exchange vinculada ao seu registro e, confirmado o depósito, poderá adquirir bitcoins ou frações dela (até a oitava casa). Após a aquisição, o usuário recebe a sua chave secreta, privada (private key - pk), podendo armazená-la em uma private wallet(carteira privada), um dispositivo externo que armazena bitcoins, que pode ser adquirido em sites especializados, com isso evitando-se que terceiros acessem a chave e, por consequência, o bitcoin. Se preferir, o usuário pode armazenar o bitcoin na própria exchange.

 

Na seara jurídica, há divergências quanto à natureza do bitcoin, centrando-se as principais correntes em sua qualificação como: a) moeda; b) ativo; c) meio de pagamento; ou d) como uma nova categoria de moeda. Contudo, não deve ser considerado um título de crédito eletrônico, eis que não possui os requisitos necessários à sua definição legal, conforme previsto nos artigos 887 a 926 do Código Civil brasileiro.

 

A Receita Federal, a partir de 2017, passou a considerar as criptomoedas como bens incorpóreos. O contribuinte deve informar, em seu imposto de renda, o bitcoin, ocorrendo a tributação do ganho do capital em 15% recorrente da alienação mensal a partir de R$ 35.000,006. Em outubro de 2018, a Receita abriu consulta pública, finalizada em 19 de novembro, com o intuito de colher sugestões para implementar um processo de monitoramento das operações de empresas que compram e vendem criptomoedas.

 

O intuito da Receita é exigir que as exchanges entreguem dados de seus clientes mensalmente. O órgão informou que apenas o Bitcoin, em dezembro de 2017, movimentou R$ 4 bilhões. A prestação de informações envolvendo criptoativos se daria pelo sistema eletrônico do órgão (E-CAC)7. Em todo o mundo há uma tendência à criação ou ao aperfeiçoamento do controle de transações financeiras envolvendo os criptoativos.

 

Uma vez que seja sacado das exchanges, o bitcoin retorna à conta bancária do destinatário, tratando-se, portanto, de dinheiro. Nesse caso é difícil o seu rastreamento, por envolver a questão o sigilo fiscal. Porém quando ainda está na exchange, como moeda virtual, pode haver a sua penhora pelo Poder Judiciário, por meio da expedição de ofício, em ação própria (execução, por exemplo) às empresas responsáveis.

 

Nada há, na lei, que impeça tal providência, sendo esta a previsão do artigo 835 do Código de Processo Civil, que dispõe sobre a ordem de preferência dos bens no caso de penhora. As exchanges não são instituições financeiras, motivo pelo qual não é possível a utilização do sistema de penhora on-line (Bacen-Jud) para a constrição de criptoativos em nome do devedor. Contudo, nada impede, como já dito, o envio de ofícios, pelo Poder Judiciário, visando a obtenção de informação de moedas em nome do devedor, possibilitando-se a sua penhora.

 

Dificuldades práticas irão se apresentar a partir da efetivação de tal medida, caso sejam encontrados valores em nome do devedor. Assim, por exemplo, no caso de efetivada a penhora de bitcoins, a quem caberia a sua guarda? E em relação às medidas de segurança, como as relativas à chave privada, como se poderia garanti-la? Deveria o Judiciário desenvolver um sistema próprio para a manutenção de criptoativos penhorados? E quanto à responsabilização por danos causados, como avaliá-lo?

 

A título de curiosidade, recente decisão do Tribunal de Justiça do Estado de SP (processo 2202157-35.2017.8.26.0000), em voto do desembargador Milton Paulo de Carvalho Filho, relator do recurso, entendeu que "Por se tratar de bem imaterial com conteúdo patrimonial, em tese, não há óbice para que a moeda virtual possa ser penhorada para garantir a execução. "

 

Outras dificuldades deverão ser enfrentadas, como o uso de bitcoins para a prática de atos ilícitos, principalmente para o pagamento de transações no mercado negro e o uso da Blockchain para espalhar conteúdo ilegal, como pornografia infantil ou danoso, como malwares8.

 

Assim, a principal característica do Bitcoin, que é a sua descentralização, também se torna o principal desafio para as autoridades públicas de todos os países.

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1 Fonte: Carvalho, André Ramos de: "Direito Empresarial". Ed. Método, 3º edição, 2018.

2 Artigo completo em inglês

4 Para mais informações, confira

5 Ulrich, Fernando: "Bitcoin, a moeda na era digital". LVM Editora.

6 Fonte

7 Fonte

8 Códigos ou programas maliciosos destinados a infiltrar-se em um sistema de computador alheio de forma ilegal com o intuito de causar danos ou roubar informações

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*Fábio Coutinho de Andrade é advogado.

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