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Investigação defensiva: não basta dar a bola, é preciso ensinar a jogar

Incumbe-se ao advogado, desde o primeiro encontro com seu possível cliente, examinar o "como", "quem", "quando", debruçar-se sobre documentos, questionar, questionar novamente, não se preocupando, em um primeiro momento, com a capitulação jurídica, mas sim com a dinâmica de acontecimentos.

segunda-feira, 15 de abril de 2019

Atualizado em 12 de abril de 2019 12:35

Contorcionismos teóricos e superinterpretação do texto legal, que se tornaram habituais nas razões de decidir das mais variadas Cortes do país, podem levar os mais desavisados a renegar a importância dos fatos no deslinde de qualquer persecução penal. Discute-se dogmática material, processual, políticas públicas, questões éticas e morais... E se esquece da justiça ao caso concreto.

Incumbe-se ao advogado, desde o primeiro encontro com seu possível cliente, examinar o "como", "quem", "quando", debruçar-se sobre documentos, questionar, questionar novamente, não se preocupando, em um primeiro momento, com a capitulação jurídica, mas sim com a dinâmica de acontecimentos. Afinal, "tão só a pesquisa quanto ao fato autoriza a elaboração de defesa técnica, daí o poder de uma particularidade levar à absolvição"1.

Nesse contexto, veio em boa hora o provimento 188/18, do Conselho Federal da OAB, que dá regulamentação inicial a chamada investigação defensiva. A efetivação do princípio constitucional da ampla defesa, considerando a importância do advogado dominar o fato, passa necessariamente pela possibilidade do profissional angariar elementos de informação e provas que subsidiem as teses defensivas.

Em um sistema acusatório, no qual a gestão da prova é realizada primordialmente pela acusação e defesa, bem como diante da necessidade de se provar a alegação deduzida em Juízo, conforme determina o art. 156, do Código de Processo Penal, surge por consequência o poder-dever do advogado de realizar a investigação defensiva.

Poder, por lógica, que deve ser equiparado ao do Ministério Público no bojo dos Procedimentos de Investigação Criminal, referendado pelo Supremo Tribunal Federal em repercussão geral2, como por exemplo de colher depoimentos, requisitar documentos, dados e informações, disponíveis em órgãos públicos e privados, tudo isso sempre em prazo razoável.

Nesse contexto é a recente decisão da 1ª Auditoria Militar do Estado de São Paulo, que deferiu pleito de advogados para que fossem entregues documentos requeridos no âmbito do provimento 1883. Importante precedente, sem dúvida, mas não se deve perder de vista que a efetivação do poder-dever de investigação defensiva passa pelo fortalecimento e independência da advocacia para exercício do mister, sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário.

Um dos grandes exemplos do fortalecimento da investigação defensiva realizada pelos advogados é a Itália, que após sofrer profunda reforma no Código de Processo Penal, em 1988, conferiu à defesa posição ativa na gestão e busca de provas em favor do investigado ou acusado. Reforma essa não só de cunho legislativo, mas também de desenvolvimento do profissional para a execução da investigação.

A esse respeito, vale destacar o portal eletrônico www.indaginidifensive.it, no qual são compilados obras doutrinárias e julgados acerca da investigação defensiva, bem como modelos dos principais atos que podem ser executados ao longo desse procedimento4.

Por seu turno, o dever do advogado não se limite aos clientes, na busca da reconstrução da dinâmica de acontecimentos e de provas que subsidiem as teses defensivas. Vincula-se ainda à própria administração da justiça, por força do art. 133, da Constituição Federal, na medida que a investigação defensiva deve ser concebida como procedimento preparatório formal e que, como tal, sua legalidade depende do rígido cumprimento de requisitos legais e das garantias individuais.

A paridade de armas entre acusação e defesa, tão cara no sistema acusatório, passa não só pela possibilidade de se investigar, mas também pela responsabilidade que se tem sobre tal investigação. A licitude dos elementos lá colhidos depende, por exemplo, da preservação da cadeia de custódia de determinada prova, ou ainda da observância de requisitos processuais para se colher depoimentos, inclusive o compromisso com a verdade e as restrições para funcionar como testemunha.

Não basta dar a bola. É preciso ensinar a jogar.

Passadas as comemorações, justificáveis e louváveis, da publicação do mencionado provimento, a advocacia precisa se mobilizar para que a investigação defensiva seja melhor regulamentada, seja no âmbito legislativo, como também no âmbito da própria Instituição, o que passa pela disseminação de palestras, debates e cursos de capacitação profissional.

O provimento 188 está aí, pronto para ser utilizado. Mas quem sabe manejá-lo? Qual o procedimento a ser adotado? Como os Tribunais irão lidar com os elementos de convicação angariados nos procedimentos defensivos? E principalmente, como irão lidar como eventuais inconsistências?

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1 PITOMBO, Antonio Sergio Altieri de Moraes. Vinte anos, liberdade: duas décadas de escritos sobre a advocacia, prisão e liberdade. São Paulo: Singular, 2015, pg. 105.

2 RE 593727, Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 14/05/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-175 DIVULG 04-09-2015 PUBLIC 08-09-2015.

3 Processo nº 0006752-47.2018.9.26.0010 - 1ª Auditoria Militar da Justiça Militar do Estado de São Paulo.

4 MACHADO, André Augusto Mendes. A investigação criminal defensiva. 2009. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

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*Caio Ferraris é sócio do escritório Fachini, Valentini e Ferraris Advogados.

 

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