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Material cirúrgico: a escolha é do médico, e ponto

Um estudo realizado pela Faculdade de Medicina da USP mostra números recordes na instauração de processos contra planos de saúde só no Estado de São Paulo.

segunda-feira, 3 de junho de 2019

Atualizado em 30 de maio de 2019 15:04

Quando falamos em Código de Defesa do Consumidor (CDC), segundo a definição do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), ele é uma lei abrangente que trata das relações de consumo em todas as esferas: civil, definindo as responsabilidades e os mecanismos para a reparação de danos causados; administrativa, definindo os mecanismos para o poder público atuar nas relações de consumo; e penal, estabelecendo novos tipos de crimes e as punições para os mesmos.

Ou seja, é uma lei que protege o consumidor, que é a parte hipossuficiente da relação comercial, uma vez que nem tudo que envolve tal relação pode ser de pleno domínio da parte que adquire o produto. Esta relação se instaura em diversos serviços, até numa relação médico-paciente. E a principal falta dos profissionais médicos nos dias de hoje, perante o judiciário, é não prestar contas para o entendimento de tudo que pode suceder à terapia proposta. Dá-se a isso o nome de negligência informacional.

Ainda na área da saúde, quem nunca sofreu, ou pelo menos não conhece alguém próximo que tenha sofrido algum desatino por parte do seu seguro saúde/ convênio médico?

Um estudo realizado pela Faculdade de Medicina da USP mostra números recordes na instauração de processos contra planos de saúde só no Estado de São Paulo. Entre janeiro e junho de 2011, foram registrados, no Tribunal de Justiça de São Paulo, 3.300 casos semelhantes, enquanto que no ano de 2017, no mesmo período, este número foi a 14.623, representando percentualmente uma elevação de 386% em números de casos num período de 6 anos.

Queridos leitores, isto é um absurdo, por tudo que isso possa representar! Por mais que  o  IDEC,  junto  à  Agência  Nacional  da  Saúde  (ANS) sejam  órgãos controladores de atos abusivos, e por que não atentatórios contra o consumidor, parece-me que os planos de saúde insistem em erros, como desrespeitar o contratante com inesperadas "não coberturas", sejam elas nas urgências ou mesmo em procedimentos eletivos. Estes últimos com uma recorrência pasmosa entre todos os processos contabilizados pelos Tribunais de Justiça.

Respostas indignas como "este material não está coberto", "o senhor pode checar no contrato que este tem não tem cobertura" ou ainda "o procedimento foi autorizado, mas o material não" são algumas das pérolas infelizmente lidas por nós, que sempre tentamos arduamente operar o Direito com dignidade.

Mas quem tem o "poder" da solicitação do material? Quem tecnicamente tem competência para declarar o material certo ou errado para um procedimento médico? Quem é, juridicamente falando, o responsável técnico por qualquer material introduzido no corpo de outrem, num procedimento médico-cirúrgico? Muito bem, senhores, acho que chegamos facilmente a uma única possibilidade de resposta: é sim do MÉDICO, munido de toda sua expertise, toda e qualquer responsabilidade na introdução de materiais no paciente, sejam estes materiais presentes apenas ao longo do procedimento cirúrgico, como por exemplo, os próprios materiais cirúrgicos, seus cuidados e sua esterilização; sejam estes materiais de característica permanente, assim como próteses ortopédicas ou até mesmo stents para manter uma artéria coronária aberta. O médico é capaz de entender esta indispensabilidade, e não o plano de saúde.

Recentemente, participei de um caso muito emblemático, que por ética, seu nome e profissão não serão citados, mas que aqui sirvam de exemplo para mais um dos milhares de impropérios dos nossos planos de saúde.

João, 47 anos, ex-atleta, tinha diagnosticado desde seus 36 anos uma coxo-artrose de quadril esquerdo, doença degenerativa da articulação que não tem cura. Pode, quando muito, estacionar. Ele fez de tudo para "empurrar com a barriga" este procedimento, até que chegou o momento em que não conseguia sequer amarrar o cadarço de seu sapato do pé esquerdo. Passou em três especialistas, que foram uníssonos: Prótese de quadril! Entendendo que se tratava de um homem jovem, esportista, em pleno vigor de sua profissão, o ortopedista escolhido por João não teve dúvida: indicou a colocação da prótese de quadril via anterior (uma via de acesso que não corta musculatura e cuja recuperação nopós-operatório é espantosamente mais rápida). Solicitou assim o material por via anterior, o melhor hospital e todas as condições para que a cirurgia ocorresse com sucesso. Resposta do convênio: procedimento autorizado para colocação da prótese de quadril esquerdo via LATERAL (que é a mais estudada), e tudo isso foi liberado a 72 horas do tal procedimento cirúrgico. João e seu ortopedista não se conformaram. Não era o certo. Em 36 horas, uma liminar judicial garantiu a cirurgia pretendida, e João operou. Em três semanas estava sem as muletas e hoje voltou a viver e treinar normalmente. Abaixo, um trecho desta sentença:

"Havendo cobertura para a cirurgia, não se mostra, ao menos nesta análise perfunctória, razoável arecusa da ré em fornecer o material prescrito pelo médico responsável, mormente considerando que foi apresentada justificativa para a técnica escolhida para a cirurgia, por ser "minimamente invasiva e não causar desinserção muscular e desenvolver melhor grau de mobilidade articular no tempo possível" (fls.24 e relatório médico de justificativa de fls. 26).

Assim, defiro o pedido de tutela de urgência para que a ré, no prazo de 48hs, autorize/forneça a prótese solicitada pelo médico responsável, discriminada no relatório de fls. 24 ("Prótese Total do Quadril Esquerdo - Via anterior - AMB 52.22.005-2 TUSS: 30724058"), sob pena de multa diária de R$ 2.000,00 (dois mil reais), limitada ao valor de R$50.000,00."

Em caso de dúvida, consulte o CDC, entre em contato com IDEC ou ANS e, é claro, fale com um bom advogado.

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*Mario Warde é cirurgião plástico formado pela USP. Estudante de Direito e doutorando em Direito Processual.

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