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Hierarquia entre leis e normas infralegais na relação entre Direito Contábil e Direito Tributário

Em um cenário como esse, por mais que se deva repelir a prevalência de uma instrução normativa sobre uma lei, ou seja, de um instrumento hierarquicamente inferior sobre um superior, passa-se a questionar se a forma como se enxerga uma antiga diretriz deve ou não ser modificada, para que se mantenha, ao menos, minimamente aplicável.

quarta-feira, 5 de junho de 2019

Atualizado em 3 de junho de 2019 17:25

O direito tributário, como muitos ramos do conhecimento, possui algumas diretrizes que se encontram enraizadas no seu estudo e na sua aplicação. Veja-se, por exemplo, a economia, que, bem ou mal, analisa a eficiência na alocação dos recursos, seja de forma mais depurada tecnicamente, seja de forma mais bruta.

Nessa área do direito, o princípio da legalidade se mostra como uma verdadeira pedra de toque, no sentido de que os principais aspectos do tributo devem estar previstos em lei; dentre aqueles aspectos, situam-se o fato gerador, a alíquota, a base de cálculo e outros.

Porém, já não é de hoje que as chamadas normas infralegais - ou seja, instruções normativas, portarias, atos declaratórios e outras normas que não propriamente as leis - promovem importantes modificações nessa seara, fazendo que sua importância cresça a cada ano.

Tome-se, exemplificativamente, a instrução normativa 1.771, de 2017, que realizou algumas alterações na instrução normativa 1.753, de 2017, que, por sua vez, tem por objetivo disciplinar os efeitos tributários das mudanças de critérios e práticas contábeis, especialmente com a edição de novos Pronunciamentos Técnicos do Comitê de Pronunciamento Contábeis - CPC.

Enquanto a instrução 1.753 possui um espectro de atuação extremamente amplo, visando a, resumidamente, regulamentar os efeitos de alguns CPC no que tange à tributação, a instrução 1.771 se restringe ao Pronunciamento 47, que trata, em síntese, do reconhecimento da receita advinda de contratos com clientes, fazendo que essa escrituração reflita exatamente a real prestação contratada - por exemplo, ao se adquirir um carro, com revisão "grátis" nos cinco anos seguintes à compra, é difícil crer que a revisão seja, de fato, gratuita, há, em verdade, um estudo do vendedor, no qual são analisados os "defeitos" recorrentes do veículo e estimados os respectivos valores para o reparo de cada um dos "defeitos"; esse valor global dos reparos é, de certa forma, computado no preço do veículo, logo, não há gratuidade nas futuras revisões.

Ocorre que, dentre as alterações realizadas, a instrução 1.771, da mesma forma que os enunciados infralegais contábeis, criou uma nova subconta contábil para fins de apuração do Imposto de Renda e da Contribuição sobre o Lucro, qual seja: "ajuste de receita bruta". Logo, a partir da edição daquela instrução, coexistem a receita bruta (decreto-lei 1.598, de 1977), suas deduções (também previstas no decreto-lei 1.598) e os ajustes de receita bruta (dispostos unicamente na instrução 1.771).

Nos dois primeiros casos, receita bruta e deduções de receita são conceitos com implicações contábeis e tributárias, previstos necessariamente numa lei (na prática), enquanto que os ajustes possuem efeitos primordialmente tributários e estão previstos, de forma exclusiva, num ato hierarquicamente inferior à lei. Isto é, passa-se a ter instruções normativas que replicam os ditames das leis e, muitas vezes, instituem novas "obrigações", sem qualquer respaldo na lei, e tais inovações se tornam de cumprimento inevitável, sob pena de imposição de eventual multa por descumprimento da legislação tributária.

Em um cenário como esse, por mais que se deva repelir a prevalência de uma instrução normativa sobre uma lei, ou seja, de um instrumento hierarquicamente inferior sobre um superior, passa-se a questionar se a forma como se enxerga uma antiga diretriz deve ou não ser modificada, para que se mantenha, ao menos, minimamente aplicável.

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*Edison Fernandes é sócio advogado do escritório Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados.

*Jorge Ferreira é advogado associado do escritório Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados.

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