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Recuperação judicial, preservação ou calote legalizado?

Há uma necessidade de mudança, principalmente na postura dos credores, evitando todas as características do calote, pois muito embora hoje se obtenha êxito com um devedor, resguardando assim o seu direito de crédito, isso poderá desencadear uma crise considerável com o surgimento de outros devedores, que muitas vezes foram preteridos pela sua ausência de conhecimento e aparelhamento jurídico.

quinta-feira, 11 de julho de 2019

Atualizado em 10 de julho de 2019 16:45

Conforme dados do Serasa Experian, divulgados pelo Jornal Nacional no dia 5/6/19, mais de 63 milhões de Brasileiros "têm pelo menos alguma conta que não conseguem pagar".

Os motivos para esse panorama são os mais diversos, recessão da economia, crises políticas, falta de investimentos públicos e privados, desemprego, dentre outros que cada dia assolam a sociedade.

A dívida, como qualquer problema do nosso dia-a-dia, tem solução e essa se resume a uma só palavra: PAGAR.

Atualmente, esse verbo vem sofrendo contornos distorcidos, principalmente com o aumento das recuperações judiciais. Não só as grandes empresas sofrem com essa sistemática, que muito embora seja legal, vem absorvendo práticas bastante lesivas ao mercado.

Empresas de grande porte, principalmente as instituições financeiras, possuem jurídico próprio, estratégia de combate e negociação, bem como métodos contábeis para diminuir o impacto dessa celeuma, mas e o cidadão comum?

Imaginemos o pequeno produtor, o microempresário e demais empresas responsáveis pela cadeia produtiva de uma empresa em recuperação judicial, como podem eles, com os parcos recursos, e os sofrimentos do cotidiano (pagar folha salarial; impostos; despesas correntes; etc) sobreviver ao impacto de uma ação dessa natureza?

Os trabalhadores, diante dos inúmeros mecanismos protecionistas (sindicatos e o próprio Ministério do Trabalho) possuem o resguardo necessário e informações para atuar conjuntamente em favor dessa massa menos favorecida. Os bancos possuem corpos jurídicos qualificados e expressivos para se defender. Grandes produtores e latifundiários, bem como multinacionais, seguem o mesmo dilema das instituições financeiras.

Mas e quem sustentou a atividade empresarial das empresas recuperadas? É cada um por si e Deus por todos?

Um ditador romano Júlio Cesar em seu livro "De Bello Gallico" (A Guerra das Gálias), já ensinou que o maior segredo da guerra consiste em "dividir para conquistar".

A recuperação judicial, quando analisada nesse diapasão, consiste basicamente nisso, cada um cuidando dos seus interesses, porém com instrumentos e condições financeiras desproporcionais, demonstrando claramente a desigualdade entre os credores e consequentemente a primazia do controle processual pela empresa devedora.

No meu entender e nos quase 10 (dez) anos de advocacia voltados a empresários sadios, a Assembleia Geral que deveria consistir superficialmente na soberania das decisões dos credores sobre a empresa, quase sempre é conduzida pela própria recuperada, por um motivo bastante claro, cria-se um abismo entre os maiores credores e esse se chama plano de recuperação, onde o deságio pode chegar à 90% (noventa por cento), prazos que ultrapassam os créditos oriundos  do sistema habitacional, sem correção monetária e com carências superiores ao encerramento legal do processo.

Muito embora meu posicionamento seja pela ilegalidade desses planos, que aniquilam os créditos dos envolvidos, muitos são os julgados que mantém essa atrocidade e mais, possibilitam ainda, à margem da lei, num total ativismo judicial, suprir garantias dos credores.

Infelizmente nesse perverso sistema processual, o que se deve mais à decisões ilegais de alguns Tribunais, inclusive do próprio Superior Tribunal de Justiça, do que à sistemática estabelecida pela lei, os grandes credores obtém mudanças nos planos por meio de acordos, diante da expressividade do seu crédito e a necessidade de aprovação dos mesmos.

Mais e você, pequeno produtor e microempresário?

Muito embora para os micros empresários já haja uma classe específica, 90% (noventa por cento) das vezes, por desconhecimento ou medo de quebrarem, deixam ser representados por terceiros, escolhidos pelas próprias recuperadas, sob a promessa de que irão manter o contrato de fornecimento e melhores condições de pagamentos futuros.

Somente após a aprovação do plano, esses pequenos credores se darão conta de que as promessas ficaram no campo hipotético e que depois, sequer receberão qualquer satisfação acerca do cumprimento das mesmas.

Recentemente uma das maiores empresas no ramo de construção, voltada mais especificamente aos trabalhos públicos, cujo nome sofreu grande abalo diante das decisões dos seus diretores, no sentido de manter a corrupção em nosso país, pediu recuperação judicial. Estranho? Ou oportunismo?

Diante dos inúmeros julgados protecionistas às empresas em recuperação Judicial, dentre elas, cito como exemplo à aniquilação das garantias reais e fidejussórias pelo Superior Tribunal de Justiça, envolvendo a empresa mato-grossense, Ariel Automóveis, surge a suposta pretensão de recuperação da Odebrecht.

Complexo prever o impacto desse processo no mercado. Será que teremos um cenário idêntico ao caso da Avianca, onde houve um aumento de 140% (cento e quarenta) por cento no valor das passagens aéreas?

Com um passivo de aproximadamente R$ 98 bilhões, onde R$ 14 bilhões estão fora da recuperação judicial, por não se sujeitarem, os protagonistas da lista de credores são as instituições financeiras.

Difícil de adivinhar o que vai acontecer? Quem desejaria a quebra de um gigante nacional e ser reconhecido por isso? A pergunta é retórica, pois o modus operandi é o mesmo, os grandes sempre irão receber.

Os créditos trabalhistas terão representação sindical e Estatal, mais como fica o pequeno fornecedor com créditos abaixo de R$ 100 mil reais, com capital social de R$ 10 mil?

Certamente será mais um ouvinte rezando para receber o seu crédito, pois do contrário, também irá quebrar e nesse contexto, nem recursos para pedir sua Recuperação Judicial o mesmo terá, pois provavelmente, se ficar parado o processo o pegará e se correr, os compromissos diários o devorará.

E agora? Quem poderá lhe defender? Moro, herói nacional? Ministério Público? Chapolin Colorado ou mais modernamente, na dramaturgia em quadrinhos, os Vingadores?

Certamente nenhum deles. A resposta estará na mais castigada Carta Magna, mais especificamente em seu art. 133, que preceitua: "o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei."

As premissas de um calote consistem nas seguintes condições: a) promessas; b) medo; c) vantagens e d) parceiros.

Seria trágico se não fosse cômico e qualquer identidade com o que foi dito até o presente momento não consiste em mera semelhança.

Há uma necessidade de mudança, principalmente na postura dos credores, evitando todas as características do calote, pois muito embora hoje se obtenha êxito com um devedor, resguardando assim o seu direito de crédito, isso poderá desencadear uma crise considerável com o surgimento de outros devedores, que muitas vezes foram preteridos pela sua ausência de conhecimento e aparelhamento jurídico.

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*André Luiz C. N. Ribeiro é advogado, especialista em Direito Empresarial, sócio proprietário do escritório Marcos Antônio Ribeiro & Advogados Associados e coordenador do Núcleo de Estudos de Defesa dos Direitos dos Credores nas Recuperações Judiciais.

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