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Os fins justificam os meios?

Assim como os fins, os meios podem ser ilícitos, imorais; ou lícitos, escorreitos, tudo a depender da situação concreta, isto é, da conformação, ou não, do caso à norma jurídica, à Constituição Federal.

quarta-feira, 24 de julho de 2019

Atualizado em 22 de julho de 2019 12:11

Os fins justificam os meios? Essa pergunta, de conotação jurídica e social, contém insondáveis significados, de difícil apreensão. Esse tema voltou a ser discutido por conta das supostas conversas entre autoridades públicas, levado a cabo por escutas telefônicas obtidas sem autorização judicial, no caso denominado Lava Jato, no qual juiz federal e procurador da República teriam encetado diálogos, a respeito de procedimentos a serem tomados, nas investigações e apurações criminais, em andamento na vara federal em que ambos atuavam, em Curitiba/PR. 

O problema que se coloca é se as escutas telefônicas, feitas sem autorização judicial, divulgadas amplamente na mídia, seriam meio de prova idôneo para nulificar os atos realizados nas ações criminais a que tais diálogos se referem.

Em direito processual, normalmente, os meios são adrede conhecidos, determinados por normas jurídicas, por procedimentos jurídicos, que são programas, logicamente ligados, com defesas, produção de provas, visando ao resultado, de natureza pública (Direito Constitucional, Administrativo, Tributário, Ambiental, Penal e Processo Penal etc),  ou de interesse privado (Direito Civil, Empresarial, Consumidor etc).

Quanto aos fins, sobretudo no Direito Público, podem ou não ser de conhecimento cediço: o que é o fim de interesse público, ou social? Qual o significado desse conceito? Açambarcaria  quais situações jurídicas concretas, propriamente? A resposta pode ser dada, a princípio, na verificação dos bens e valores protegidos pelas normas jurídicas, como a moralidade, o ambiente, a boa-fé, a dignidade da pessoa humana; a propriedade; a livre iniciativa; a cultura etc.  

Assim como os fins, os meios podem ser ilícitos, imorais; ou lícitos, escorreitos, tudo a depender da situação concreta, isto é, da conformação, ou não, do caso à norma jurídica, à Constituição Federal.

Logo, ambos, fins e meios, encontram-se entrelaçados; desvios graves de parâmetros normativos de uns ou outros propiciam declarações de nulidades de atos jurídicos, de direito público, ou privado, por parte da autoridade competente.

Contudo, para que essas declarações de nulidades tenham validade jurídica, devem estar de acordo com os meios jurídicos colocados à disposição da autoridade pública; noutro dizer, na hipótese de procedimento de identificação da nulidades de atos jurídicos, necessária a observância dos meios, ou instrumentos, da ordem Direito, sob pena de nulidade do próprio ato que determinou a ilegalidade e, evidentemente, dos atos que lhe são subsequentes.

Em suma, os fins não justificam os meios, no Regime Democrático de Direito; excessos gravosos podem nulificar atos jurídicos. Porém, a identificação e verificação de meios, ou fins, ilícitos, imorais, requerem, por conta do princípio do devido processo legal, o cumprimento da Constituição e das leis, ou seja, o atendimento do processo, ou programa, determinado no Direito, e a finalidade própria consagrada nas normas.

Por mais que o clamor social deseje dado resultado prático, às autoridades públicas compete atender à Constituição e às leis, com os procedimentos administrativos, ou judiciais, apropriados, nos moldes conformadores do Direito; caso contrário, seria o caos jurídico, o menoscabo ao regime jurídico brasileiro! Resultados práticos só podem advir do comando da ordem jurídica!

A finalidade pública de anular atos por supostos excessos praticados por autoridades não pode suplantar os meios jurídicos adequados do procedimento de apuração e verificação dessas mesmas irregularidades.

Daí porque, as polêmicas escutas telefônicas, embora possam ser consideradas verídicas por parte de algumas, ou várias, pessoas e, assim, objeto de discussões éticas e políticas; no campo do Direito, propriamente, em virtude da falta de autorização judicial, não servem como meio de prova para anular os atos realizados nas ações criminais!

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*Heraldo Garcia Vitta é juiz federal aposentado, advogado, consultor, professor de Direito. Mestre e Doutor (PUC-SP)

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