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A opção pela mediação ou arbitragem nas desapropriações - Alterações promovidas pela lei 13.867 de 2019

Passados seis dias da publicação da lei em comento, ainda é muito cedo para prever quais serão suas reais consequências no mundo da desapropriação, mas não deixo de enxergar com bons olhos as modificações por ela lançadas. Isto não significa dizer, porém, que a lei geral de desapropriação está renovada, mas sim que um pequeno e importante passo foi dado.

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Atualizado em 30 de agosto de 2019 13:47

A necessidade de se estabelecer um procedimento administrativo prévio à fase judicial da desapropriação não é de hoje. Como dizia Eurico Sodré, ainda nos idos de 1945, nos seus comentários ao decreto-lei 3.365 de 1941: "Possui esta lei alguns senões [...]. Manteve, também, em suspenso o procedimento administrativo para declaração da utilidade pública, deixando assim de baixar normas uniformes para todas as autoridades circunscricionais do país, relativas à elaboração e aprovação dos planos preliminares de obras e serviços, exposição dos motivos determinantes dos decretos declaratórios, financiamento das desapropriações [...]. Essas omissões, entretanto, poderão ser melhor atendidas quando se estruturar de maneira definitiva a administração pública, ainda em via de organização".1

Pois bem. Caminhando setenta e oito anos para frente, o nosso legislador, agora, como que num despertar de um sono profundo, finalmente se dispôs a regular (ainda que de modo mínimo e insuficiente), sobre um procedimento administrativo prévio à fase judicial das desapropriações. É o que se fez por meio da lei 13.867 de 2019, oriunda do PLS 135/17, de autoria do senador Antônio Anastasia, cuja redação final assim restou:

Art. 1º O DL 3.365, de 21 de junho de 1941, passa a vigorar com as seguintes alterações:

"Art. 10. (VETADO)." (NR)

"Art. 10-A. O poder público deverá notificar o proprietário e apresentar-lhe oferta de indenização.

§ 1º A notificação de que trata o caput deste artigo conterá:

I - cópia do ato de declaração de utilidade pública;

II - planta ou descrição dos bens e suas confrontações;

III - valor da oferta;

IV - informação de que o prazo para aceitar ou rejeitar a oferta é de 15 (quinze) dias e de que o silêncio será considerado rejeição;

V - (VETADO).

§ 2º Aceita a oferta e realizado o pagamento, será lavrado acordo, o qual será título hábil para a transcrição no registro de imóveis.

§ 3º Rejeitada a oferta, ou transcorrido o prazo sem manifestação, o poder público procederá na forma dos arts. 11 e seguintes deste DL."

"Art. 10-B. Feita a opção pela mediação ou pela via arbitral, o particular indicará um dos órgãos ou instituições especializados em mediação ou arbitragem previamente cadastrados pelo órgão responsável pela desapropriação.

§ 1º A mediação seguirá as normas da lei 13.140, de 26 de junho de 2015, e, subsidiariamente, os regulamentos do órgão ou instituição responsável.

§ 2º Poderá ser eleita câmara de mediação criada pelo poder público, nos termos do art. 32 da lei 13.140, de 26 de junho de 2015.

§ 3º (VETADO).

§ 4º A arbitragem seguirá as normas da lei 9.307, de 23 de setembro de 1996, e, subsidiariamente, os regulamentos do órgão ou instituição responsável.

§ 5º (VETADO)."

Art. 2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação e aplica-se às desapropriações cujo decreto seja publicado após essa data."

O que fez a nova lei, portanto, foi dar novos ares aos lamuriosos termos do vetusto artigo 10 do DL 3.365 de 1941, o qual dispunha que a desapropriação deveria ser intentada mediante acordo ou judicialmente. Agora, o que faz o decreto repaginado é obrigar, no nosso entendimento (afinal, utiliza-se o verbo no imperativo: "deverá"), o expropriante a tomar as medidas necessárias para que a desapropriação promovida se encerre por meio de um acordo administrativo.

Para isso, impõe a lei seja feita uma notificação do administrado, pela qual o expropriante deverá apresentar não só o decreto de utilidade pública e a planta ou descrição dos bens, mas também uma proposta de aquisição pela via administrativa, que, caso aceita, redundará naquilo que a legislação alienígena convenciona chamar de "expropriação amigável".

Esta imposição de se promover uma "expropriação amigável" acaba se traduzindo, parece-me, numa condicionante para que o expropriante possa intentar a ação judicial, caso o particular decline da oferta. É dizer, em outras palavras, que o legislador estabeleceu a utilização de uma via administrativa, sem a qual carecerá o expropriante do interesse de agir, o que forçará os Tribunais locais a extinguirem o feito sem resolução do mérito (vide artigo 330, inciso III, do NCPC).

Isto não é de todo ruim, muito pelo contrário. Como ressaltei em artigo publicado ainda no início deste ano, a condução das desapropriações pela via administrativa tem muito a acrescentar, pelo que sugiro a leitura do mesmo. Agora, como recentemente debati com os Membros da Comissão de Estudos sobre Desapropriação do IASP,2 é certo que determinados motivos deverão conduzir ao afastamento do que acima foi dito, pois, por exemplo, no cenário brasileiro, a regularização fundiária é um problema complexo, de modo que não é tão simples para o gestor público localizar o proprietário do bem, se é que este mesmo existe. Outro problema, também, é a atuação dos órgãos de controle, os quais muitas das vezes questionam de formo arbitrária os acordos administrativos. Tratam-se de discussões por vir.

O que é fato, no entanto, é que já não poderá mais o expropriante, nos casos ordinários, dispensar o uso da via administrativa, ainda que a mesma não tenha sido disciplinada de forma complexa, com a criação de um amplo espaço de discussão tanto sobre o mérito do ato administrativo quanto sobre a justa e prévia indenização.

Já no que se reporta à escolha pela via da mediação ou pela via arbitral, julgo extremamente salutar. Há mais de década, mediação e arbitragem pedem passagem no cenário brasileiro, tornando a solução das desavenças sociais mais céleres. Em verdade, a utilização da via arbitral, no cenário estrangeiro, é caso antigo, como se pode verificar do Código das Expropriações de 1999 de Portugal, no seu artigo 38.3

Julgo, todavia, que a redação dada pela lei brasileira limitará a utilização dessas vias aos particulares que detenham maior capacidade econômica, já que os parágrafos que atribuíam ao Poder Público o custeio da mediação ou da arbitragem acabaram recebendo veto presidencial, o que parece implicar no pagamento dos custos pelo particular. Ademais, outro importante passo para que o Artigo 10-B seja aplicado diz respeito à necessária organização dos órgãos expropriantes, no sentido de que deverão elaborar cadastros das instituições especializadas.

Enfim, passados seis dias da publicação da lei em comento, ainda é muito cedo para prever quais serão suas reais consequências no mundo da desapropriação, mas não deixo de enxergar com bons olhos as modificações por ela lançadas. Isto não significa dizer, porém, que a lei geral de desapropriação está renovada, mas sim que um pequeno e importante passo foi dado.

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1 SODRÉ, Eurico. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública. 2. ed. São Paulo. Saraiva e Cia. Livraria Acadêmica. 1945. p. 35.

2 Instituto dos Advogados de São Paulo

3 Aliás, a partir da leitura das considerações do PLS 135/17, é possível constatar que a legislação peruana sobre desapropriação influenciou na inserção destas modalidades de solução alternativa de conflitos.

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*Eduardo Ribeiro Alves de Moraes Sarmento é advogado, mestre em Direito Público pela Universidade de Coimbra.

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