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Desospitalização por iniciativa do hospital

É de grande importância que as instituições hospitalares criem comissões médicas que visam identificar aqueles pacientes aptos a participarem de programas de desospitalização.

terça-feira, 3 de setembro de 2019

Atualizado em 2 de setembro de 2019 16:25

1 - Da desospitalização - conceitos e indicações

O senso comum nos leva a acreditar que, sobrevindo o infortúnio, a doença, será no hospital que o paciente receberá o melhor atendimento. Isso acontece porque, na grande maioria das situações, se espera que com cuidados mais intensivos, e somente com a internação em um local com maiores recursos técnicos e tecnológicos, as chances de recuperação serão maiores e mais rápidas. 

As pessoas enxergam a instituição hospitalar desta forma, pois é no âmbito hospitalar que estão presentes todos os recursos humanos e de alta tecnologia. 

Todavia esta ideia é equivocada, uma vez que em determinadas situações o tratamento fora do hospital apresenta inúmeros benefícios. A desospitalização pode ser um bom recurso para todos: hospitais, planos de saúde e principalmente para os pacientes

Aos hospitais porque, muito embora estejam em sua maioria sendo remunerados pelo plano de saúde dos pacientes, poderá atender a um número maior de pacientes, na medida em que os leitos poderão ser ocupados por pacientes que de fato deles necessitam e para aqueles em que o atendimento hospitalar implicará em uma efetiva melhora de sua saúde.  

Aos planos de saúde porque, ao identificar as necessidades individuais daquele paciente, é possível diminuir o custo assistencial; e, por fim, aos próprios pacientes é essencial para que possam ser tratados de forma mais humanizada e segura, já que estarão mais perto de seus familiares e ficarão em menor exposição aos riscos inerentes a infecções presentes em todo e qualquer ambiente hospitalar. 

Pois bem, como dito, em algumas situações, a internação hospitalar pode não oferecer os benefícios esperados e, portanto, não será a melhor opção para a boa recuperação do paciente. 

Nesse contexto, é que entra em cena a desospitalização, que consiste na redução do tempo de internação com o objetivo de dar continuidade ao tratamento fora da instituição hospitalar, mas com todo o suporte necessário e com o auxílio de outras possibilidades terapêuticas. 

A desospitalização deve ser considerada quando o paciente hospitalizado, com satisfatória estabilidade clínica de seu estado de saúde necessita de: i) complemento do tratamento iniciado na hospitalização e ii) equipamentos e recursos médicos para suporte à vida, ou mesmo encontra-se iii) sem chance de recuperação, evoluindo para a chamada internação hospitalar prolongada ou sucessiva e iv) sem a sua recuperação plena. 

Revela pontuar que a desospitalização é uma tendência mundial. 

Em países como a Inglaterra e Estados Unidos a utilização da infraestrutura de um grande hospital acontece apenas nos períodos mais críticos da doença, ou seja, somente é utilizado nas fases agudas e não em fases crônicas. 

Um bom exemplo é de uma pessoa que teve um acidente vascular cerebral (AVC). Na fase aguda ela fica no CTI, em média, 5 (cinco) dias após o evento. Após este período, quando ocorre a estabilização do quadro, o paciente é transferido para uma unidade de menor complexidade e, daí, para o quarto, quando ainda permanece no hospital. Nos sistemas onde a desospitalização é comum, este paciente, saindo do quadro agudo, irá se recuperar em unidades extra-hospitalares. 

No Brasil, alternativas são oferecidas aos pacientes e suas famílias para reduzir o tempo de internação, entre as quais, o já conhecido sistema de home care, no qual toda a estrutura hospitalar é montada na casa da pessoa e/ou seus familiares. 

O objetivo da desospitalização não é dar alta precoce ao paciente. É, ao contrário, fornecer todo o suporte para que o tratamento tenha continuidade com êxito por meio de iniciativas de tratamento extra hospitalar. 

Neste contexto é importante que o estabelecimento hospitalar mantenha um serviço permanente de detecção dos pacientes que estão internados, mas clinicamente estáveis. O Hospital, então, em contato com os médicos assistentes e se a desospitalização for um caminho viável e seguro, inicia uma conversa com a família sobre essa possibilidade de tratamento longe do hospital. Quando a ideia é bem aceita por todos, é que a alta hospitalar é programada. 

Frisa-se, mais uma vez, que embora em muitos casos o hospital seja o lugar mais adequado para o atendimento, é recorrente e atual o entendimento, diante do desenvolvimento da medicina, de que várias doenças podem ser tratadas em casa, principalmente quando o quadro da paciente não sinaliza que a internação hospitalar contribuirá para a cura ou melhora de seu estado de saúde. 

Em outras palavras, o atendimento domiciliar equivale ao prestado pelo hospital, porém, com a vantagem de ser feito em casa e sem os riscos de um ambiente hospitalar. No que diz respeito aos hospitais, com a desospitalização, existe uma diminuição da média de permanência dos doentes no ambiente hospitalar, e, consequentemente, o aumento do número de leitos disponíveis para atendimento à população, sem prejuízos para os pacientes. 

2 - Dos benefícios da desospitalização 

 

Em que pese toda a discussão acerca da desospitalização de paciente é imperioso ressaltar que, inicialmente, este deve reunir todas as condições para que lhe seja determinada a alta hospitalar, ou melhor dizendo, seja candidato a passar por uma comissão hospitalar que certificará estar ela apta a receber a alta hospitalar. 

Como dito acima, a desospitalização não se trata de uma 'alta precoce'. Ao contrário, compreende o fornecimento de todo o suporte para que o tratamento tenha continuidade em casa/residência por meio da 'assistência domiciliar'. 

Outro ponto de extrema importância, a participação da família é extremamente necessária para que o processo de desospitalização se torne uma realidade, pois será necessária a intervenção quando sobrevier a alta médica e hospitalar. 

Muitos são os casos de simples recusa dos familiares em participar e/ou concluir o programa de desospitalização, promovida pelas instituições hospitalares e/ou planos de saúde, sem qualquer justificativa razoável, o que acaba, sem querer, ir contra o interesse da paciente que se vê internada em ambiente hospitalar por meses ou anos ininterruptos, sem qualquer convívio familiar, e ficando sujeita a processos infecciosos hospitalares e fortuitos sem que haja qualquer necessidade para tanto. 

Em casos mais complexos, é necessária a intervenção judicial, com a participação efetiva do Ministério Público. O papel das instituições hospitalares e dos planos de saúde não é tarefa fácil, pois, como dito acima, infelizmente temos ainda a acreditar que somente no hospital é que o paciente receberá o melhor atendimento. 

Em recente processo judicial que tivemos a oportunidade de conduzir - naturalmente que abarcado por sigilo médico não podemos detalhar - pedimos que a família fosse conduzida a participar da comissão de desospitalização que poderia ou não levar à alta hospitalar de um determinado paciente. 

Distribuída a ação, a tutela de urgência não fora deferida e no decorrer da ação de conhecimento a paciente, que se encontrava internada há mais de 4 anos, veio à óbito por evolução desfavorável ao quadro clínico. 

Muito embora não se tenha chegado ao conhecimento de mérito na ação, o Ministério Público, sensível à situação judicializada, assim se manifestou favorável à tese apresentada: 

"Nesse sentido, conforme ressaltado por reiteradas vezes pelo autor, o que pretende a Instituição de Saúde por meio da presente demanda não é a imediata desospitalização da paciente, mas sim a efetiva participação de seus familiares no prosseguimento do referido processo, que poderá seguir por caminhos diversos, a depender das análises médicas que serão realizadas por equipe multidisciplinar. 

Assim, a partir do início do processo e da cooperação dos familiares da XXXXXXXXXXXXXX, com a reunião das informações necessárias para a avaliação das condições ideais de tratamento, a Comissão instalada especificamente para tanto, poderá concluir pela necessidade de manutenção da paciente no ambiente hospitalar ou então pela possibilidade de melhoria em sua qualidade de vida ao ser assistida em casa por sua família. 

Além disso, ressalta-se ainda que no Formulário de Desospitalização constante à peça de ID XXXXXX96, o médico responsável, Dr. XXXXXXXXXXXX, ao relatar o quadro clínico atual da paciente, consignou expressamente que ela apresenta condições para receber alta. Senão vejamos: 

"Paciente em estado vegetativo persistente sem contato efetivo com o meio. Encontra-se em uso de ventilador mecânico portátil (LTV) sem possibilidade de desmame. Quadro clínico estabilizado neste estudo confirmado. Tem condições clínicas de alta para com cuidados domiciliares com suporte ventilatório ou unidade de cuidados prolongados." 

Desse modo, com base nesta constatação - aliada ao suporte a ser fornecido pela Operadora XXXXXXXXXXX (ID XXXXX45), e ainda ao fato de não se tratar de decisão definitiva de imediata desospitalização, mas sim de início de um procedimento que representa uma simples tentativa de melhoria na qualidade de vida da idosa - é possível concluir não haver óbice à tal providência, motivo pelo qual o Ministério Público opina pela procedência dos pedidos, face à ausência de elementos técnicos que indiquem a impossibilidade de realização do Programa de Desospitalização pela Instituição de Saúde." 

Concluindo, é de grande importância que as instituições hospitalares criem comissões médicas que visam identificar aqueles pacientes aptos a participarem de programas de desospitalização. Lembramos, ainda, a importância que este processo conte com a participação efetiva dos familiares, planos de saúde, assistente social, tudo visando um único objetivo, o bem-estar do paciente. 

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*Matheus Torres Dias é sócio fundador do escritório Torres, Machado & Conrado Sociedade de Advogados.

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