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Aplicação do princípio da insignificância na posse ou no porte de munição

Se uma pessoa possui apenas uma pequena quantidade de munição, desacompanhada de arma de fogo, a sua conduta se torna irrelevante para o mundo jurídico, pois não representa nenhuma expectativa de perigo de dano à incolumidade pública.

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Atualizado em 20 de setembro de 2019 13:51

Ter posse ou portar munição desacompanhada da arma, configuraria crime? Vamos falar sobre isso.

Primeiramente, importante falarmos um pouco sobre o princípio da insignificância. Este princípio surgiu do princípio da intervenção mínima, onde direito penal deve intervir minimamente na vida dos cidadãos.

O princípio da insignificância surgiu no Direito Romano e era representado pelo brocardo "minimis non curat praetor", ou seja, "o pretor não cuida de coisas pequenas".

Sabemos que um crime somente existe se causar lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico, visto que o tipo penal tem por objetivo proteger bens jurídicos.t

Segundo tal princípio, que foi trazido para o Direito Penal moderno pelo alemão Claus Roxin, o Direito Penal não deve se ocupar de condutas irrelevantes, que não causem o mínimo de lesão ao bem jurídico tutelado.

Isto porque sendo o Direito Penal o último recurso (ultima ratio) do qual pode se valer o Poder Estatal, a lei penal somente poderá ser utilizada em casos de extrema necessidade, para proteger os bens jurídicos mais importantes dentro de um determinado contexto social.

Desta forma, caso ocorra um "crime de bagatela", crimes que causam lesões insignificantes aos bens jurídicos, embora a conduta praticada seja típica formalmente, ou seja, o fato se amolda perfeitamente à descrição do tipo penal, falta-lhe a tipicidade material, a ofensividade, por não ter ocorrido lesão significativa a bens jurídicos relevantes para a sociedade.

Segundo Paulo Queiroz1: "O princípio da insignificância constitui, portanto, um instrumento por cujo meio o juiz, em razão da manifesta desproporção entre crime e castigo, reconhece o caráter não criminoso de um fato que, embora formalmente típico, não constitui uma lesão digna de proteção penal, por não traduzir uma violação realmente importante ao bem jurídico tutelado.".

Embora haja o entendimento de que, nos crimes de perigo abstrato, que é o caso do porte de munição, a lesão ao bem jurídico é presumida, razão pela qual não seria possível falar em ausência de tipicidade material. Não obstante, no que diz respeito particularmente aos crimes de porte e posse de munição de uso permitido e restrito, previstos nos artigos 12, 14 e 16 da lei 10.826/03, os tribunais superiores têm reconhecido a possibilidade de se afastar a tipicidade material da conduta quando evidenciada a inexpressividade da lesão ao bem jurídico tutelado.

Assim, se uma pessoa possui apenas uma pequena quantidade de munição, desacompanhada de arma de fogo, a sua conduta sem torna irrelevante para o mundo jurídico, pois não representa nenhuma expectativa de perigo de dano à incolumidade pública.

Neste sentido, julgou o STF:

HABEAS CORPUS. DELITO DO ART. 16, CAPUT, DA LEI N. 10.826/2003. PACIENTE PORTANDO MUNIÇÃO. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ORDEM CONCEDIDA. 1. A análise dos documentos pelos quais se instrui pedido e dos demais argumentos articulados na inicial demonstra a presença dos requisitos essenciais à incidência do princípio da insignificância e a excepcionalidade do caso a justificar a flexibilização da jurisprudência deste Supremo Tribunal segundo a qual o delito de porte de munição de uso restrito, tipificado no art. 16 da Lei n. 10.826/2003, é crime de mera conduta. 2. A conduta do Paciente não resultou em dano ou perigo concreto relevante para a sociedade, de modo a lesionar ou colocar em perigo bem jurídico na intensidade reclamada pelo princípio da ofensividade. Não se há subestimar a natureza subsidiária, fragmentária do direito penal, que somente deve ser acionado quando os outros ramos do direito não forem suficientes para a proteção dos bens jurídicos envolvidos. 3. Ordem concedida. (HC 133984, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 17/05/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-112 DIVULG 01-06-2016 PUBLIC 02-06-2016)

Nas turmas do STJ, o entendimento é o mesmo2

Veja-se, os tribunais superiores reconhecem a ausência de lesividade à incolumidade pública quando a munição apreendida, seja de uso permitido ou restrito, encontra-se em pequena quantidade e desacompanhada de armamento apto a deflagrá-la.

Isto porque, caso a arma de fogo seja apta a deflagrar a munição apreendida, haverá, efetivamente, ameaça à incolumidade pública, devendo o agente responder pelo crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo, conforme o caso. 

Assim, concluímos que a posse ou o porte de pequena quantidade de munição, desacompanhada da arma apta a deflagrá-la, poderá não ser considerado crime, em razão do princípio da insignificância.

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1 - QUEIROZ, Paulo. Curso de Direito Penal parte Geral. 11ºedição, revista, ampliada e atualizada, Editora Jjuspodivm. Pág. 87.

2AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. POSSE IRREGULAR DE MUNIÇÃO DE USO PERMITIDO. AUSÊNCIA DE ARMA DE FOGO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. POSSIBILIDADE. 1. O Supremo Tribunal Federal passou a admitir, excepcionalmente, a aplicação do princípio da insignificância quando apreendidas pequenas quantidades de munições desacompanhadas da arma de fogo, por falta de potencial lesivo concreto. Precedentes. 2. Na espécie, o acusado foi surpreendido em sua residência na posse de munição de uso permitido - 1 cartucho, calibre 22. Desse modo, considerando a quantidade não relevante de munições, bem como a ausência de qualquer arma de fogo, deve ser afastada a tipicidade material do comportamento. Precedentes.3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp 1213616/MG, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 18/09/2018, DJe 25/09/2018)

PENAL E PROCESSO PENAL. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO. NÃO CABIMENTO. POSSE DE MUNIÇÕES. AUSÊNCIA DE ARMA. IRRELEVÂNCIA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. POSSIBILIDADE. PEQUENA QUANTIDADE DE MUNIÇÃO. AUSÊNCIA DE ARTEFATO. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. ENTENDIMENTO QUE NÃO PODE LEVAR À PROTEÇÃO DEFICIENTE.

NECESSIDADE DE ANÁLISE DO CASO CONCRETO. POSSE DE 2 MUNIÇÕES DESACOMPANHADAS DE ARMA. INEXPRESSIVIDADE DA LESÃO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO, PARA ABSOLVER O PACIENTE.

1. O STF e o STJ, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.

2. Não há se falar em atipicidade em virtude da apreensão da munição desacompanhada de arma de fogo, porquanto a conduta narrada preenche não apenas a tipicidade formal mas também a material, uma vez que "o tipo penal visa à proteção da incolumidade pública, não sendo suficiente a mera proteção à incolumidade pessoal" (AgRg no REsp n.1.434.940/GO, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe de 4/2/2016). Nesse contexto, verifico que permanece hígida a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, bem como do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a posse de munição, mesmo desacompanhada de arma apta a deflagrá-la, continua a preencher a tipicidade penal, não podendo ser considerada atípica a conduta.

3. Passou-se a admitir, no entanto, a incidência do princípio da insignificância quando se tratar de posse de pequena quantidade de munição, desacompanhada de armamento capaz de deflagrá-la, uma vez que ambas as circunstâncias conjugadas denotam a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Precedentes do STF e do STJ.

4. A possibilidade de incidência do princípio da insignificância não pode levar à situação de proteção deficiente ao bem jurídico tutelado. Portanto, não se deve abrir muito o espectro de sua incidência, que deve se dar apenas quando efetivamente mínima a quantidade de munição apreendida, em conjunto com as circunstâncias do caso concreto, a denotar a inexpressividade da lesão. Com efeito, analisando os precedentes, verifico a insignificância se apresenta em situações nas quais se portava de 1 a 7 munições.

Outrossim, a Quinta Turma já considerou que a apreensão de 20 projéteis não autorizava a aplicação do mencionado princípio.

5. A situação apresentada está mais próxima das hipóteses em que se reconheceu a possibilidade de incidência do princípio da insignificância, possuindo, assim, a nota de excepcionalidade que autoriza a incidência do referido princípio, porquanto apreendidos 2 cartuchos de calibre .40, desacompanhados de arma de fogo.

6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para absolver o paciente pelo crime tipificado no art. 12 da Lei nº 10.826/03. (HC 446.915/RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 07/08/2018, DJe 15/08/2018)

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t*David Metzker é sócio advogado do escritório Metzker Advocacia.

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