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Novos rumos da Lei Maria da Penha

A Lei Maria da Penha ainda continua gerando novos fatos sociais e produzindo consequências por vezes inusitadas, que propiciarão novas intervenções dos Poderes Legislativo e Judiciário para avaliar sua correta e eficiente incidência.

domingo, 29 de setembro de 2019

Atualizado em 30 de setembro de 2019 07:04

A Lei Maria da Penha vem produzindo, de forma reiterada, inúmeras alterações em seu texto originário introduzindo, ao longo do tempo, verdadeiros tentáculos flexíveis, com a função de fechar o cerco protetivo às vítimas que se encontram em situação de violência doméstica e familiar. Dificilmente uma lei consegue tamanha façanha. Talvez a explicação resida na continuidade delitiva doméstica, contando, inclusive, com acentuado crescimento no número de feminicídios, apesar de toda advertência encartada a respeito. Assim, a cada nova investida, apresenta-se um acréscimo à lei para inibir a nova modalidade agressiva ou até mesmo para garantir maior segurança à mulher agredida, como, por exemplo, as últimas alterações relacionadas com a imediata apreensão da arma de fogo em poder do agressor e a garantia de prioridade nos processos judiciais de separação e divórcio em que a mulher figure como vítima de violência doméstica.

Assim é de se concluir, antecipadamente, que a Lei Maria da Penha (11.340/06), continua a produzir efeitos em todas as áreas do Direito, de forma a encarar a triste realidade brasileira: a crescente violência doméstica, familiar, encontrada nos lares de diferentes classes sociais brasileiras. Além do que, pela sua extensão protetiva, consegue tutelar direitos de outras pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade doméstica, mesmo não sendo mulheres.

Basta ver que, em recente decisão, a 6.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que o afastamento da mulher de seu trabalho para se proteger de violência doméstica, equipara-se a auxílio-doença, levando-se em consideração que se trata de ofensa à integridade física ou psicológica da vítima, representando verdadeira enfermidade, em razão da interpretação teleológica da Lei Maria da Penha. Tal hipótese, apesar de previsível e de coadunar com a proteção legislativa, não foi incorporada na listagem dos benefícios previdenciários previstos no artigo 18 da lei 8.213/91. Desta forma, permanece o vínculo empregatício com a interrupção do contrato de trabalho por até seis meses e o INSS deve arcar com a responsabilidade de subsistência da mulher, vez que o Estado assumiu a obrigação de proteção à mulher contra toda forma de violência (art. 226, parágrafo 8º da CF).1

Como corolário desta incessante tarefa, a lei 13.871/19, de forma inteligente e até mesmo coerente com o pensamento da população brasileira, atribuiu ao agressor que praticou atos de violência a obrigatoriedade de ressarcir o SUS por todos os tratamentos dispensados à vítima de violência doméstica e familiar, além dos dispositivos de segurança por ela utilizados.2

É importante observar, até mesmo pela leitura filosófica, que o sistema protetivo do Estado, pela sua estruturação de sociedade organizada, deve manter um equilíbrio entre o serviço prestado e o ônus para a execução. Se determinada pessoa necessita de um atendimento na área da saúde e, preenchidas as exigências legais, a ela não poderá ser negado até mesmo em razão da isonomia, da dignidade da pessoa e da solidariedade que devem reger a convivência humana. Seria a união de esforços de todo um grupo social, em sistema corporativo, para amparar aquele que necessita dos préstimos da saúde pública.

Se, porém, o mal foi provocado culposa ou dolosamente por alguém, este tem o comportamento recriminado e a sociedade se empenha no direito de exigir o quantum despendido para reparar o dano provocado. É, sim, uma forma ética e justa de recompor o prejuízo público, no âmbito do tão apregoado comprometimento social. Não só nos serviços de saúde prestados, mas também todos os dispositivos de segurança utilizados para o monitoramento da mulher que se encontra em iminente perigo, terão que ser ressarcidos pelo agressor. O mesmo raciocínio de recomposição de dano deve ser feito com relação ao INSS, referente às despesas pagas a título de auxílio-doença à mulher agredida no âmbito doméstico.

É de se acentuar que a recomposição prevista na novatio legis é independente daquela que pode ser pleiteada perante o juízo criminal, tanto pelo Ministério Público como pela ofendida na peça delatória inicial, limitando-se a uma tutela cognitiva abreviada, vez que, provada a violência doméstica, o dano é presumido, de acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (tema 983).3

De qualquer modo, resta evidente que a Lei Maria da Penha ainda continua gerando novos fatos sociais e produzindo consequências por vezes inusitadas, que propiciarão novas intervenções dos Poderes Legislativo e Judiciário para avaliar sua correta e eficiente incidência.

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1 Disponível aqui.

2 Disponível aqui.

3 Disponível aqui.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de justiça aposentado/SP, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, reitor da Unorp, advogado.

 

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