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INPI e ANVISA: razões legítimas para o desuso de marcas farmacêuticas

A tendência é haver uma harmonização entre as decisões da ANVISA e do INPI, mas o caminho é longo para se chegar ao cenário ideal, com o cruzamento de informações das bases de dados dessas Autarquias e a otimização de tempo e de recursos.

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Atualizado em 22 de fevereiro de 2024 08:06

A função social da marca é de suma importância para atender aos interesses coletivos e ao desenvolvimento tecnológico e econômico do país, auxiliar o consumidor na escolha adequada do produto ou serviço de interesse, e também para não gerar um acúmulo de registros ocos na base de dados Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Esse aspecto se torna ainda mais relevante ao se levar em consideração que as opções de marcas disponíveis estão cada vez menores, em razão do aumento do número de depósitos de marcas perante o Instituto nos últimos anos. Só em 2018, o INPI recebeu 204.419 pedidos de registro de marcas, representando um crescimento de 9,8% em relação a 2017 (186.103 pedidos).

Com o intuito de consolidar a função social da marca, a lei 9.279/96, a lei da Propriedade Industrial em vigor (LPI), estabelece que qualquer pessoa com legítimo interesse pode requerer a declaração de caducidade de um registro de marca concedido e não utilizado há mais de 5 (cinco) anos e, consequentemente, tornar essa marca disponível para novo registro por um terceiro interessado.

Não obstante, existem casos em que o titular da marca fica impedido de utilizá-la por motivos alheios à sua vontade, estando esse desuso respaldado no art. 143, §1º, da LPI.

Para as marcas farmacêuticas, alguns dos entraves ao uso da marca são causados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), órgão responsável pelo registro de medicamentos no país, entre outras atribuições. Em alguns casos, a demora da Agência em registrar o medicamento justifica a impossibilidade de utilizar a marca que o identifica. Toma-se como exemplo a marca VITATY, da Zydus Nikkho, cujo registro sofreu processo administrativo de caducidade perante o INPI, o qual foi indeferido em virtude da configuração de razão legítima para o desuso, mediante a comprovação, pelo titular, da morosidade da ANVISA no registro do medicamento identificado por tal marca.

Outro obstáculo enfrentado pelas empresas é a demora da Agência em finalizar a análise do Ensaio Clínico do medicamento, como ocorreu com o medicamento identificado pela marca ESPERION, da Esperion Therapeutics. O registro dessa marca também foi alvo de processo administrativo de caducidade perante o INPI, o qual foi igualmente indeferido devido à caracterização de razão legítima para o desuso, uma vez que o titular comprovou que a análise do ensaio clínico do medicamento identificado pela referida marca ainda não havia sido finalizada pela ANVISA.

Mais uma hipótese de razão legítima para o desuso se refere a marcas que identificam medicamentos imunoterápicos. Conforme prevê a lei 6.360/76, em seu Art. 5º, §4º, reiterado pela Resolução da ANVISA 92/00, os medicamentos imunoterápicos (entre os quais se incluem vacinas) devem ser identificados sempre pela denominação constante na Farmacopéia Brasileira, não podendo ostentar "nomes de fantasia". Foi o caso da marca VARIVAX, da Merck, Sharp & Dohme1, cujo registro também sofreu processo administrativo de caducidade perante o INPI, que o manteve em vigor em razão da demonstração do desuso por motivos alheios à vontade do titular, qual seja a vedação legal supramencionada.t

Outro problema no âmbito das duas Autarquias é o indeferimento no INPI e o deferimento na ANVISA de uma mesma marca/nome de medicamento, o que ocasiona o uso da marca sem registro e, em outros casos, o indeferimento na ANVISA e o deferimento no INPI, o que ocasiona o desuso da marca registrada por uma razão legítima, qual seja o indeferimento do nome do medicamento na ANVISA. Esse ponto traz grande fragilidade ao titular da marca/nome do medicamento, uma vez que a ausência de homogeneidade entre tais decisões acarreta o dispêndio de tempo e de recursos para a empresa.

Nesse sentido, a fim de evitar o registro de nomes de medicamentos semelhantes que possam induzir os médicos, farmacêuticos e consumidores a erro ou confusão, a Resolução da ANVISA 59/14 trouxe algumas hipóteses proibitivas na criação de nomes de medicamentos, tais como (i) a parte da denominação comum do fármaco, (ii) abreviaturas, letras isoladas, sequências aleatórias de letras, algarismos arábicos ou romanos, sem significado evidente ao consumidor ou que não possuam relação com as características do produto e (iii) palavras ou expressões que valorizem uma ação terapêutica sem comprovação clínica, e que possam induzir o consumidor a entender que tal medicamento teria efeito terapêutico superior a outro medicamento de igual composição.

Posteriormente, com o objetivo de tornar suas decisões mais alinhadas às decisões do INPI, a ANVISA publicou a Orientação de Serviço 43/17, na qual foi instituído o procedimento de pesquisa na base de dados do INPI pela autoridade decisória da ANVISA, a Gerência Geral de Medicamentos e Produtos Biológicos (GGMED), para a verificação da existência de pedido de registro ou registro do nome do medicamento como marca (Art. 3º, III). Foi também instituído o procedimento de análise de colidência gráfica e fonética pela GGMED, assim como é feito pelo INPI.

Com isso, a tendência é haver uma harmonização entre as decisões da ANVISA e do INPI, mas o caminho é longo para se chegar ao cenário ideal, com o cruzamento de informações das bases de dados dessas Autarquias e a otimização de tempo e de recursos.  

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1 - Mesmo após decisão judicial permitindo o uso da referida marca para vacina, esse nome de medicamento foi indeferido pela ANVISA em razão do deferimento de nome de medicamento idêntico (para produto diverso) solicitado posteriormente, mas deferido antes do trânsito em julgado da ação judicial, devido à ausência de proibição legal ao seu deferimento.

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Natália Maranhão

Natália Maranhão

Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, 2009. Pós-graduada em Propriedade Intelectual pela Fundação Getulio Vargas (FGV), São Paulo, 2013. Pós-graduada em Branding e Marketing pela Business School São Paulo (BSP), São Paulo, 2017. Sócia do escritório Gusmão & Labrunie - Propriedade Intelectual.

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