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Cesar Asfor Rocha: reconhecimento internacional é bom para o país

Neste artigo, Cesar Asfor Rocha, ex-presidente do STJ, detalha como o projeto de digitalização da Justiça brasileira serviu de exemplo para vários países do mundo. Ele também discorre sobre o papel da Justiça para resgatar a imagem brasileira no exterior.

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Atualizado às 09:07

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O Brasil enfrenta uma das mais severas crises de imagem institucional da história. Mas não é de hoje que a percepção internacional sobre o país vem se deteriorando. Em 2013, a revista Economist publicou uma capa com o Cristo Redentor voando desgovernado. Simbolicamente, aquele foi o marco inicial da derrocada. Desde então, o país parece ter encarnado o hit do compositor baiano Moraes Moreira e, a cada novo tropeço, os estrangeiros entoam: "lá vem o Brasil, descendo a ladeira".

Zelar pela nossa boa reputação é ou deveria ser uma das atribuições imanentes aos cargos de quem chefia os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Posso falar com propriedade sobre a Justiça. Quando fui ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e corregedor-geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), compreendi que, além de executar minhas funções mais imediatas, como tocar os processos e projetos de cada órgão, também era necessário estar atento às percepções do mundo lá fora sobre os serviços conduzidos dentro do gabinete.

A qualidade e a celeridade do trabalho são o ponto de partida para cuidar da imagem do tribunal. As decisões de um juiz têm o poder de mudar a vida das pessoas, empresas e instituições envolvidas em um litígio. No STJ, o impacto é ainda maior. Decidir é criar jurisprudência e abrir precedentes para outros casos similares. Omitir-se é atrasar a vida do país. A consistência do processo decisório cria a segurança jurídica necessária para a manutenção da harmonia social e para que os investimentos aportem e vicejem.

Em 2008, quando assumi a presidência da corte, ficou ainda mais claro para mim que era possível contribuir ativamente para criar uma percepção positiva da estrutura jurídica brasileira lá fora. Isso se deu de maneira muito natural. Ouso dizer, até mesmo, que obter destaque internacional foi um caso de pura necessidade.

Explico: meu primeiro objetivo como presidente era modernizar radicalmente o Judiciário nacional. Simples assim. Como o que eu pretendia executar nunca havia sido feito em lugar nenhum, tivemos que ser os primeiros do mundo a fazer. E foi desse jeito que as coisas começaram a sair do papel.

Em 2009, iniciamos a digitalização do acervo de 300 mil processos físicos do STJ e de todas as novas ações. Para sair do mundo analógico, criamos um sistema virtual que conecta os tribunais, as partes e os cidadãos brasileiros. Sabíamos do ineditismo desse feito. A curiosidade de entidades internacionais e de outros países com a revolução que estava sendo conduzida por aqui trouxe reconhecimento e respeito.

A Justiça brasileira, por meio do STJ, ganhou prêmios importantes. A BDJur, Biblioteca Digital Jurídica do tribunal, tornou-se o repositório brasileiro mais bem colocado nos rankings internacionais, à frente da biblioteca digital da Universidade de São Paulo (USP). A corte ampliou a participação em missões internacionais. Convênios com os tribunais de outras nações foram firmados.

Em 2010, um memorando com o Banco Mundial foi assinado. O órgão passou a incluir o projeto de modernização em seu programa de ação e aprendizagem sobre transparência judicial e responsabilidade na América Latina e região caribenha. A missão havia sido cumprida.

Cesar Asfor Rocha: foco no meio ambiente

No livro 21 Lições Para O Século 21, o historiador Yuval Noah Harari considera o colapso ambiental uma das três grandes ameaças do nosso tempo. Para deter esse risco, afirma, seria necessária uma união global.

Quando presidi o STJ, caminhamos em sintonia com as tendências de proteção às florestas. O tribunal assinou um convênio com a Comissão Mundial de Direito Ambiental da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) para a criação de um portal onde seriam publicadas as decisões sobre o meio ambiente.

Naquela época, o direito ambiental era uma realidade muito nova e complexa, algo ainda em construção no país. Por isso, era importante publicar novas decisões. Foram julgadas mais de 3 mil ações na área. A jurisprudência ficou mais consolidada. E, mais uma vez, fugimos do isolamento para alçar um importante papel de protagonismo no direito ambiental no mundo.

Frise-se, aliás, essa é uma área do direito que não domino com a mesma intimidade que outras. A função do líder, contudo, não é deter o conhecimento absoluto sobre determinada coisa. É reconhecer sua importância e priorizá-la. Foi o que tentei fazer.

Cesar Asfor Rocha: uma questão de protagonismo

De maneira muito simplificada, ter a boa reputação contribui para o país conquistar espaço nos foros de discussão internacionais onde decisões de impacto global são tomadas, viabiliza variados tipos de acordos com outros países, atrai investimentos estrangeiros, turistas e abre novos mercados para produtos nacionais.

À frente do STJ, fiz muitos movimentos para inserir o tribunal na comunidade jurídica internacional. A solidez institucional e a digitalização dos processos foram fundamentais para transformar a corte em uma referência mundial, tanto em termos de jurisprudência quanto em gestão administrativa.

Um passo importante, nesse caminho de internacionalização, foi ter sido eleito presidente da Comissão Conjunta de Poderes Judiciários Europeus e Latino-Americanos, órgão multilateral de cooperação que representa 41 países das duas regiões e é integrado por tribunais superiores de justiça e por conselhos de magistratura.

Em 2010, o STJ sediou a I Conferência Mundial sobre Transparência, Ética e Prestação de Contas dos Poderes Judiciários. O evento contou com a participação de 45 países e teve apoio do Banco Mundial. Durante o encontro, foi assinado um convênio com a Organização das Nações Unidas (ONU) para o combate mais efetivo ao crime organizado transnacional.

Outros eventos de grande porte foram realizados pelo tribunal. Outros acordos de cooperação e convênios também foram pactuados com nações amigas. E, agora, há muito a se fazer nesse sentido para que o Brasil volte a reconquistar o seu protagonismo.

Outro artigo sobre Cesar Asfor Rocha

Cesar Asfor Rocha é letrista de sucesso de Fagner

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