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Patentes x cultivares

Isabella Katz Migliori e Ana Paula Celidonio

Breve esclarecimento sobre a questão de Propriedade Intelectual envolvendo as sementes de soja transgênica RR.

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Atualizado às 11:41

E, mais uma vez, as sementes de soja transgênica, agora de tecnologia denominada "Round-up Ready" (RR), da Monsanto, apareceram na mídia. Sem qualquer interesse no mérito da ação judicial em pauta, aproveita-se o ensejo para esclarecer a questão técnico-jurídica que envolve a proteção de ativos por direitos de Propriedade Intelectual (PI). Neste caso particular, os ativos são sementes transgênicas, e os direitos de PI envolvidos são patentes e cultivares

No que diz respeito à proteção por patentes, a legislação específica sobre o assunto, a lei da Propriedade Industrial (LPI), lei 9.279, de 14 de maio de 1996, expressamente exclui, por meio do artigo 18-III, a possibilidade de patentear o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microrganismos transgênicos. Dessa forma, ainda que sementes de soja transgênica pudessem ser consideradas invenções, postulou-se que não são patenteáveis no Brasil. Tecnicamente, isto significa dizer que não pode haver no quadro reivindicatório de um documento patentário (a seção do documento onde se define a proteção) uma reivindicação cujo objeto seja uma semente, seja ela qual for. 

No entanto, outros aspectos da tecnologia, se cumpridos os requisitos, estão sujeitos à proteção patentária, tais como o método para a geração de uma planta de soja transgênica, uma sequência genética modificada inexistindo como tal na natureza, etc. Dessa forma, na prática, uma patente direcionada a ditos aspectos da tecnologia, protege indiretamente aquela semente, ainda que a semente, per se, não esteja, como tal, protegida na patente.

Isto não exclui a possibilidade de que o detentor de uma tecnologia obtenha a proteção da semente, per se, pelo sistema sui generis de Cultivares (originado a partir da organização intergovernamental UPOV - traduzida como União Internacional para a Proteção das Obtenções Vegetais - da qual o Brasil é membro). Trata-se de legislação diferente - a lei de Proteção de Cultivares (LPC), lei 9.456, de 25 de abril de 1997 -, que versa sobre outro objeto e possui outros critérios legais para que a proteção seja devidamente conferida. Cumpridos ditos requisitos, é plenamente possível que aspectos diversos de uma mesma tecnologia, qual seja, uma soja transgênica, estejam protegidos tanto por patentes quanto por cultivares. Seria, pois, possível, cobrança de royalties por ambas as formas de proteção. Eventuais abusos na cobrança não devem ser tratados dentro da esfera protecional, mas sim, comercial, e não compete ao presente artigo dita discussão.t

Ocorre que, no caso de semente transgênica contendo tecnologia patenteada, e constituindo uma variedade vegetal protegida por Cultivares, discute-se o princípio da exaustão de direitos. De acordo com dito princípio, os direitos do titular de cobrar royalties pela tecnologia seriam extintos após a primeira venda. No entanto, em caso de tecnologia autorreplicável (como, por exemplo, da soja transgênica, que é passível de propagação pelo produtor rural, que tem como prática salvar sementes para safras subsequentes), este princípio pode não ser aplicável em determinados casos.

Dessa forma, cabe esclarecer que este é o objeto principal da ação recém julgada sobre a soja RR, que discute os entendimentos possíveis sobre o princípio da exaustão de direitos para tecnologia autorreplicável, e suas exceções, a partir das previsões legais em questão, quais sejam, a LPI para matéria patenteável e a LPC que trata de variedades vegetais. 

Difere, pois, da ação que trata da soja Intacta RR2Pro, também da Monsanto. No segundo caso, discute-se não a questão da exaustão de direitos de tecnologia protegida por patentes e cultivares, mas sim a validade da patente referente à soja Intacta RR2Pro (patente PI 0016460-7). Dessa forma, qualquer entendimento aplicado ao caso recente da soja RR não interfere na ação da sobre a soja Intacta RR2Pro.

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*Isabella Katz Migliori é doutora em ciências e especialista em propriedade intelectual no escritório Lobo de Rizzo Advogados.

*Ana Paula Celidonio é sócia-gestora da área de propriedade intelectual no escritório Lobo de Rizzo Advogados.

 

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