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Vícios ocultos e responsabilização na locação de imóveis

O dever maior do inquilino, além de honrar com a contraprestação do aluguel, acolhendo os deveres anexos da cooperação e da lealdade contratual, é zelar pelo bem locado.

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Atualizado às 12:23

A locação de imóveis envolve uma série de obrigações e particularidades, em razão da qual, para harmonizar os interesses e, de fato, resolver as suas questões, estabeleceu-se a lei 8.245, de 18 de outubro de 1991, nela determinados os deveres às partes, nos artigos 22 e 23, o que deve ser observado, do começo ao fim da locação, como, no caso do locador: "I - entregar ao locatário o imóvel alugado em estado de servir ao uso a que se destina; [..]"; e para o locatário: "II - servir - se do imóvel para o uso convencionado ou presumido, compatível com a natureza deste e com o fim a que se destina, devendo tratá - lo com o mesmo cuidado como se fosse seu;[...]". São regras basilares, indispensáveis para a regularidade da locação. Inclusive, cabe acentuar que tal relação é regida pela cláusula geral da boa-fé objetiva, e seus deveres anexos, a cooperação, a lealdade e a confiança, seja na fase das tratativas como na pós-contratual.  

No caso em análise, da responsabilização decorrente de vícios ocultos no imóvel locado, porventura deixados pelo inquilino anterior, é preciso compreender, também, os conceitos e as normas jurídicos que levam à responsabilização civil.

Entende-se que o agente que realizar a obra, estando caracterizado o vício provocado por este, o que se pode definir como ato ilícito danoso, deverá repará-lo. E a reparação, portanto, em âmbito cível, se dá por indenização, com o montante adequado a restaurar o bem ao status quo ante, e, por conseguinte, tentar atenuar os prejuízos psicofísicos causados ao lesado, compreendendo-se aí a esfera extrapatrimonial. Poderá haver, se for a hipótese, reparação por danos moral e material. São estes os artigos respectivos, do Código Civil brasileiro:

"Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".

 

"Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes".

 

"Art. 927. Aquele que, por ato ilícito ( arts. 186 e 187 ), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

 

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem".

A jurisprudência e a doutrina pátria convergem nesse sentido, de certificar que, exposto o vício à lume, haverá responsabilização do agente que provocou o dano ou deixou de ter o cuidado necessário. Há, pois, de modo análogo, entendimentos atinentes a isso, como no artigo jurídico "Construtora e Caixa respondem por vícios ocultos em imóvel, decide TRF-3". Vejamos:

"Construtora tem responsabilidade por vícios ocultos no imóvel quando comete erros de projeto ou usa materiais inadequados. Da mesma forma, a Caixa Econômica Federal responde por não vistoriar o imóvel.

 

Assim entendeu a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP e MS) ao condenar a construtora Calio e Rossi Engenharia e a Caixa Econômica Federal a indenizarem, em R$ 24 mil, cada morador do loteamento Jardim Bom Retiro, em Monte Alto (SP).

 

Por unanimidade, a turma entendeu que não seria razoável 'que os riscos do empreendimento e os prejuízos pelos danos apontados, oriundos de vícios de construção, fossem suportados exclusivamente pelos consumidores, notadamente quando, ademais, não deram causa, por qualquer ação ou omissão, à deterioração do imóvel'".

 

"Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. LOCAÇÃO. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL DE LOCAÇÃO CUMULADA COM AFASTAMENTO DE MULTA E INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA CORRÉ IMOBILIÁRIA, POR AUSÊNCIA DE QUALQUER ADMINÍCULO DE PROVA ACERCA DE EVENTUAL NEGLIGÊNCIA E POR SER MERA MANDATÁRIA DO LOCADOR. SENTENÇA MANTIDA NO PONTO ESPECÍFICO. VÍCIOS OCULTOS DO IMÓVEL COMPROVADOS, DE MODO A AFASTAR A MULTA CONTRATUAL PACTUADA. PLEITO INDENIZATÓRIO MATERIAL CARENTE DE PROVA. INDENIZAÇÃO EXTRAPATRIMONIAL DEVIDA, ANTE À SITUAÇÃO VIVENCIADA. SENTENÇA PARCIALMENTE MODIFICADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.(Apelação Cível, 70080628894, décima sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Deborah Coleto Assumpção de Moraes, Julgado em: 16/5/19)".

Diz-se, deste modo, que o locador deve entregar o imóvel apto à sua finalidade precípua, a locação, não podendo embaraçá-la1. Se, de uma locação anterior, não sabe da existência de um vício, porque mal feito pelo inquilino anterior, aí poderá conter os danos, para evitar a progressão e pelo dever de mitigar o próprio prejuízo, coadunando com o princípio da boa-fé objetiva2, e depois, regressivamente, cobrar do seu causador, com a devida comprovação. E isso não exime o locatário atual de providenciar, também, qualquer reparo emergencial e passar os custos, devidamente combinados, ao locador, justamente para evitar a sua progressão.  

O dever maior do inquilino, além de honrar com a contraprestação do aluguel, acolhendo os deveres anexos da cooperação e da lealdade contratual, é zelar pelo bem locado, de maneira que precisa informar ao locador sobre provável dano iminente ou existente. Em contrapartida, é dever do locador providenciar, antes de uma nova locação, vistoria e os reparos respectivos, e, se possível, ao constatá-los, realizar de imediato os ajustes e buscar ser indenizado pelo causador do dano.

___________ 

1 "Ementa: LOCAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. INCÊNDIO NO IMÓVEL ALUGADO. VÍCIO-OCULTO. RESPONSABILIDADE DO LOCADOR. ART. 22 DA LEI 8.245/91. Constatado pelo Laudo Pericial que a causa do incêndio foi à fiação elétrica situada no desvão do telhado sobre o forro de madeira do imóvel, vício-oculto de difícil verificação no momento da locação e ocorrido no seu curso, a responsabilidade pelos danos sofridos no mesmo e bens móveis da autora é da locadora-requerida que não entregou o imóvel em condições de uso, na forma do art. 22 da lei 8.245/91. RECURSO DESPROVIDO.(Apelação Cível, 70011474061, décima quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em: 18/5/05)". 

2 "Portanto, compreendido que o art. 422 do Código Civil impõe aos contratantes o dever de agir em conformidade com a boa-fé, implicando não apenas a observância de certos deveres de conduta, dentre eles os da cooperação e de proteção ao outro contratante, mas mesmo a limitação no exercício de seus direitos individuais, bem como que esses deveres anexos de conduta produzem efeitos mesmo após o encerramento do contrato, seja pelo seu adimplemento, seja pela resolução decorrente de inadimplemento, passa a ser possível examinar se a mitigação de danos, enquanto um ônus imposto ao credor da indenização decorrente do inadimplemento do contrato, seria uma leitura possível do princípio da boa-fé objetiva. A resposta, acredita-se, é positiva: a mitigação de danos é em tudo compatível com o princípio da boa-fé". (CARVALHO, 2014, p. 159).

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Brasil. Lei do inquilinato, de 8.245, de 18 de outubro de 1991. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 10/10/19.

Brasil. Código Civil. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 10/10/19. 

CARVALHO, Beatriz Veiga. O "Dever de Mitigar Danos" na Responsabilidade Contratual: A Perspectiva do Direito brasileiro. Dissertação apresentada à faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2014. 

Construtora e Caixa respondem por vícios ocultos em imóvel, decide TRF-3.

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível,  70011474061, décima quinta Câmara Cível, relator: Ricardo Raupp Ruschel, julgado em: 18/5/05. 

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível,  70080628894, décima sexta Câmara Cível, relator: Deborah Coleto Assumpção de Moraes, julgado em: 16/5/19.

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*Adriano Barreto Espíndola Santos é doutorando em Direito Privado, mestre em Direito Civil, especialista em Direito Civil e em Direito Público. Graduado em Direito pela universidade de Fortaleza.

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