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IN 1.911/19: vedação oblíqua de créditos na entrada

Qualquer ato da Receita Federal visando a glosa dos créditos do passado também ofenderia o princípio da irretroatividade, uma vez que a IN 404/04 estava em vigor na época e, assim, a IN 1.911/19 não poderia abarcar situações do passado.

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Atualizado às 12:28

Recentemente foi publicada a IN 1.911/19 (IN 2019) por meio da qual a Receita Federal do Brasil (RFB) revogou diversos normativos com o objetivo de consolidar seu entendimento acerca da "apuração, a cobrança, a fiscalização, a arrecadação e a administração" do PIS e da Cofins, inclusive dessas contribuições incidentes sobre a importação.

Após sua publicação, iniciou-se um primeiro debate sobre a aceitação - ou não - pela RFB do conceito de insumo definido pelo STJ - REsp 1.221.170/PR (Caso Anhambi) - que definiu que "insumo" passível de creditamento pelo PIS e Cofins corresponde a despesa que, no caso concreto de cada contribuinte, seja considerada essencial e/ou relevante.

A IN questão foi muito além da regulamentação pela RFB acerca dos créditos de PIS e Cofins sobre insumos, uma vez que trouxe indevidamente uma restrição no aproveitamento de créditos de PIS e Cofins na entrada, ao deixar de tratar o ICMS como custo de aquisição. t

A esse respeito, vale notar que, até a IN 1.911/19, estava em vigor a IN 404/04 (IN 404/2004) que, em seu artigo 8º, § 1º, inciso II, expressamente estabelecia que o ICMS "integrava o valor do custo de aquisição de bens e serviços" para fins de apuração dos créditos de PIS e Cofins sobre aquisições efetuadas pelo contribuinte (bens para revenda, insumos, etc.). Esse entendimento, inclusive, era acatado pelas próprias Autoridades Fiscais, conforme se verifica da SC Cosit 579/171.

No entanto, além da revogação da IN 404/04, a recente IN trouxe nova redação em seu artigo 1672 estabelecendo que apenas o seguro, o frete e o IPI não recuperável integram o valor da aquisição. Ou seja, de forma oblíqua, a nova regulamentação deixou de tratar o ICMS como custo de aquisição de bens e serviços.

A nosso ver, isso gera duas consequências: (i) reduz o montante dos créditos de PIS e Cofins a serem apurados pelos contribuintes majorando a base tributável, na medida que agora o ICMS deixou de ser considerado custo; e (ii) muito possivelmente viabilizará glosas de créditos do passado nas hipóteses em que o contribuinte for buscar os valores indevidamente recolhidos em razão da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins (o chamado "crédito de ICMS da entrada").

Ao pretender alterar a realidade, a IN 1.911/19 é ilegal e inconstitucional neste ponto específico, uma vez que a legislação do PIS e da Cofins permite o aproveitamento dos créditos sobre os bens adquiridos para revenda considerando o valor do item (artigo 3º, inciso I e § 1º, inciso I, das leis 10.637/02 e 10.833/03), ou seja, o valor constante na nota fiscal. Portanto, não poderia a IN inovar sob pena de ofensa ao princípio da legalidade. Assim, cabem aos contribuintes buscar seu direito perante o Poder Judiciário.

De mesma forma, qualquer ato da Receita Federal visando a glosa dos créditos do passado também ofenderia o princípio da irretroatividade, uma vez que a IN 404/04 estava em vigor na época e, assim, a IN 1.911/19 não poderia abarcar situações do passado.

Ora, considerando que o racional traçado pelo STF no RE 574.706/PR não condicionou a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e Cofins a nenhum tipo de estono de crédito, é evidente que não poderia a RFB, mediante ato secundário, exigir qualquer forma de estorno de crédito de PIS e Cofins relativa ao valor do ICMS nas operações de entrada, uma vez que a sistemática não cumulativa do PIS e da Cofins se difere daquela aplicável ao ICMS e ao IPI. Enquanto estes tributos adotam um sistema de "débito e crédito", os créditos de PIS e Cofins são apurados de acordo com despesas expressamente listadas em lei e não com base em documentos fiscais.

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1 - Para corroborar esse entendimento, reproduz-se a seguir o conteúdo da Pergunta nº 053, do Capítulo XXII - Contribuição para o PIS/Pasep e Cofins incidentes sobre a Receita Bruta, do Perguntas e Respostas - DIPJ/2012, hospedado no site da Secretaria da Receita Federal do Brasil na internet:
"053 O ICMS e o IPI integram os valores das aquisições de bens para revenda e de bens e serviços utilizados como insumos na produção ou fabricação de produtos destinados à venda ou na prestação de serviços para efeito de cálculo do crédito, na forma dos incisos I e II do art. 3º da Lei nº 10.637, de 2002 e incisos I e II do art. 3º da Lei nº 10.833, de 2003?
O IPI não recuperável e o ICMS integram o valor das aquisições de bens e serviço para efeito de cálculo do crédito da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins. Para efeito de cálculo do crédito da Contribuição para o PIS/Pasep não cumulativa e da Cofins não-cumulativa, o IPI não-recuperável integra o valor do custo dos bens e o ICMS, quando embutido no preço constante da nota fiscal de aquisição, integra o valor do custo de aquisição de bens e serviços. O IPI incidente na aquisição, quando recuperável, não integra o valor do custo dos bens, para efeito de cálculo dos créditos das contribuições não-cumulativas."

2 - Art. 167. . Para efeitos de cálculo dos créditos decorrentes da aquisição de insumos, bens para revenda ou bens destinados ao ativo imobilizado, integram o valor de aquisição (Lei nº 10.637, de 2002, art. 3º, caput, inciso I, com redação dada pela Lei nº 11.787, de 2008, art. 4º, inciso II, com redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004, art. 37, inciso VI, com redação dada pela Lei nº 11.196, de 2005, art. 45, e inciso VII; e Lei nº 10.833, de 2003, art. 3º, caput, incisos I, com redação dada pela Lei nº 11.787, art. 5º, inciso II, com redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004, art. 21, inciso VI, com redação dada pela Lei nº 11.196, de 2005, art. 43, e inciso VII):
I - o seguro e o frete pagos na aquisição, quando suportados pelo comprador; e
II - o IPI incidente na aquisição, quando não recuperável.

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*Tércio Chiavassa é sócio de Pinheiro Neto Advogados.

*Fernanda Ramos Pazello é consultora de Pinheiro Neto Advogados.

*Mariana Monfrinatti Affonso de André é associada de Pinheiro Neto Advogados.



 

*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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